Esta crónica começou a ser escrita ao intervalo do Sporting-P. Ferreira. E foi nessa altura porque, verdade seja dita, esta é a crónica de um jogo onde o futebol em si era o que menos interessava. Esta era a noite em que o Tribunal de Alvalade se ia pronunciar depois de mais uma semana conturbada que confirma o diagnóstico de clube autofágico, que se deixa envolver em crises internas com uma facilidade inexplicável. Aliás, se fizermos uma pesquisa no Google com as palavras “Sporting”, “clube” e “autofágico”, são inúmeras as referências que surgem e em discurso direto, de atuais órgãos sociais, antigos dirigentes e simples adeptos. A primeira? De Bruno de Carvalho.
Já se tinha percebido que o dia 6 de abril de 2018 iria ficar na história dos leões, por todo um conjunto de episódios sem precedentes no clube entre críticas públicas através de redes sociais entre presidente e jogadores e a suspensão de 19 jogadores. O que não se sabia, e que também nunca se tinha visto, era que a aparente unanimidade ratificada em constantes resultados de sufrágios eleitorais ou assembleias gerais tinha sofrido um abalo. Um forte abalo. Um abalo que muitos consideravam ser impensável.
Os ténues aplausos para a entrada dos guarda-redes e dos jogadores de campo para o habitual período de aquecimento não serviu de barómetro para se perceber o veredicto do Tribunal verde e branco em relação ao que se passara nos últimos dias (ou horas, tendo em conta o comunicado colocado por Bruno de Carvalho na sua página oficial do Facebook), mas a saída para os balneários, já com o recinto mais composto, começou a dar sinais daquilo que se iria confirmar uns minutos depois: grande apoio aos jogadores. Mas havia algo mais para a antecâmara do apito inicial de Bruno Esteves. Algo que irá marcar o futuro do Sporting.
Ficha de jogo
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Sporting-P. Ferreira, 2-0
29.ª jornada da Primeira Liga
Estádio José Alvalade, em Lisboa
Árbitro: Bruno Esteves (AF Setúbal)
Sporting: Rui Patrício; Ristovski, Coates, Mathieu, Acuña; Battaglia, Wendel (Lumor, 67′); Gelson Martins, Bryan Ruíz (Montero, 84′), Bruno Fernandes (Palhinha, 84′) e Bas Dost
Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto, Misic e Doumbia
Treinador: Jorge Jesus
P. Ferreira: Mário Felgueiras; João Góis, Rui Correia, Miguel Vieira, Filipe Ferreira; Assis, Rúben Micael (Vasco Rocha, 75′), Pedrinho; Mabil (Quiñones, 57′), Xavier e Luiz Phellype (Bruno Moreira, 73′)
Suplentes não utilizados: Defendi, Ricardo, Gian e Andrezinho
Treinador: João Henriques
Golos: Bas Dost (20′) e Bryan Ruíz (65′)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Luiz Phellype (37′), Acuña (64′) e Assis (86′)
Momentos antes da subida ao relvado, a claque Juventude Leonina, que durante o dia fizera um comunicado a manter uma certa distância em relação à guerra aberta entre presidente e plantel, levantou uma tarja que dizia “Jogadores: amar e sentir o clube, tudo o que vocês não sentem”. Ouviram-se alguns assobios. De seguida, Bruno de Carvalho encaminhou-se para o banco de suplentes. Ouviu-se uma vaia. E se dúvidas existissem, quando o líder verde e branco foi cumprimentar e desejar boa sorte a Jorge Jesus, que estava de pé na sua área técnica, a reação foi a mesma: estava encontrado o destinatário do desagrado dos adeptos presentes em Alvalade (em menor número do que é habitual, acrescente-se, apesar dos 40.868 espetadores anunciados).
Aqui e ali, viam-se cartolinas apontadas ao presidente do Sporting (que noutros tempos relativamente recentes nem sequer tinham entrado no recinto, por serem retirdas à porta por seguranças). Uma dizia “Bye Bye BdC”. Outra dizia “Bruno, adeus”. E outra dizia “Bruno, votei em ti mas… rua” (um outro, escrito numa cartolina verde de forma mais humorística, tinha “BdC, dá-me o teu Facebook”). A bola começou a rolar e da bancada nascente (oposta à central) começou o cântico “Bruno, c*****, pede a demissão”, enquanto no topo norte se levantava também a tarja “A paciência tem limites”. A vertente “política” tinha superado a parte desportiva.
O Sporting até entrou meio alheado no jogo, mas com o passar dos minutos assumiu o seu estatuto de grande, agarrou no controlo da partida e foi chegando com maior fluência ao último terço dos pacenses (ah, isto com a equipa habitual, fora lesionados e castigados, à exceção da surpresa Wendel, que foi titular pela primeira vez desde que chegou ao conjunto verde e branco). Com um aspeto curioso: até aqueles passes errados que de vez em quando levam àquele assobio maroto foram presentados com um “aaahhhh”, como quem diz que para a próxima vai sair melhor. Aos 20′, Bas Dost, o suspeito do costume, materializou essa superioridade, inaugurando o marcador após assistência de Bruno Fernandes. E todos os jogadores comemoraram abraçados em roda.
Houve mais algumas oportunidades falhadas por Dost e Gelson Martins, o intervalo chegou com o 1-0 e repetiu-se o filme dos assobios. No entanto, o “equilíbrio de forças” não iria demorar: quando a bola já rolava de novo no segundo tempo, o mesmo cântico contra Bruno de Carvalho já teve menos vozes a favor e mais assobios contra, e começaram a sentir-se alguns sinais de insatisfação com alguns passes errados. Até que, após uma grande iniciativa de Gelson Martins, Bryan Ruíz apontou o segundo golo. E a roda com dez jogadores de campo juntou também os suplentes, alguns saídos do banco, perante uma ovação (65′).
Nos últimos dez minutos, Bas Dost ainda marcou mas o golo foi invalidado e, pior para o P. Ferreira, Mário Felgueiras saiu lesionado na mão esquerda do lance, obrigando a que Rui Correia tivesse de calçar as luvas na baliza dos castores (que são pouco falados neste texto, mas porque também nunca conseguiram fazer o suficiente para incomodar Rui Patrício ou criar oportunidades, sem que isso belisque a qualidade dos jogadores, que existe, e da própria equipa, como se viu noutras partidas). No entanto, era como se o jogo tivesse acabado, esperando-se apenas o apito final para uma espécie de última manifestação.
Bruno de Carvalho, que teve alguns problemas físicos no último mês, ficou no banco uns instantes e acabou por ser amparado por seguranças e pessoas ligadas ao staff para a zona de acesso aos balneários com dores nas costas enquanto se viam mais alguns lenços brancos e ouviam assobios (em muito menor escala). Já os jogadores juntaram-se no centro do relvado, cumprimentaram-se e, já com Jorge Jesus, foram dar uma espécie de volta olímpica pelas quatro bancadas para agradecer o apoio dos adeptos ao longo do encontro.
Gritou-se “O Sporting somos nós!” entre a ovação final à atitude da equipa. Porque este foi o dia em que um jogo de futebol se jogou sem bola e nas bancadas. O resultado final, esse, será contado pelos próximos dias. Ou mesmo anos.