O serviço de nefrologia pediátrica do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, está fechado desde o final de janeiro, deixando muitas das crianças com problemas crónicos nos rins que eram seguidas naquele serviço sem o acompanhamento especializado necessário. A denúncia foi feita na manhã desta quarta-feira pela deputada do CDS Isabel Galriça Neto na audição de Mário Centeno no Parlamento sobre as dívidas dos hospitais e confirmada ao Observador por duas enfermeiras do Hospital de Santa Maria.

O hospital, porém, recusa que o serviço tenha fechado, explicando que, na verdade, o serviço apenas mudou de piso. Questionada pelo Observador sobre a denúncia da deputada centrista, fonte oficial da administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte explicou que “face à saída de enfermeiros e, não tendo havido autorização superior para contratação, foi decidido que a Unidade de Nefrologia Pediátrica do Serviço de Pediatria Médica do Departamento de Pediatria, fosse transferida para outro piso (Piso 9), a exemplo do que aconteceu em situações anteriores”.

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Uma enfermeira daquele hospital, que pediu para não ser identificada, explicou ao Observador qual é o verdadeiro impacto desta mudança de piso. A unidade de nefrologia pediátrica, até janeiro localizada no piso 7 do hospital, foi totalmente encerrada: “o serviço está desmontado, vazio, os quartos estão fechados e não está lá ninguém“, descreveu a enfermeira.

Já as 12 enfermeiras que trabalhavam naquele serviço foram redistribuídas por outros serviços da pediatria, incluindo a cirurgia e o hospital de dia. Três delas seguiram para o referido piso 9, onde se juntaram a colegas da infecciologia e da gastroenterologia, num serviço onde são agora acompanhadas as três especialidades. Em termos líquidos, o Hospital de Santa Maria dispõe agora de menos de metade da capacidade de internamento nesta especialidade: antes, o serviço de nefrologia dispunha de 10 vagas; hoje, aquele serviço misto conta com 14 vagas, das quais apenas quatro são para a nefrologia.

Os efeitos negativos do encerramento do serviço de nefrologia e da sua substituição por um serviço com outras especialidades começaram a sentir-se desde o primeiro dia. “No dia da mudança, tinha chegado uma criança que carecia de cuidados especializados para a diálise. Foi levada para lá e via-se que as pessoas que ficaram com ela não tinham a especialização para tratar daquilo. Por acaso, a mãe tinha formação, porque os pais são formados para garantirem a diálise diária em casa, mas não havia um profissional para dar resposta a esta criança“, lembra a enfermeira, explicando que os turnos naquele serviço são assegurados por enfermeiros das várias especialidades, fazendo com que nem sempre lá estejam especialistas de todas as áreas.

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A mesma enfermeira prossegue explicando que as crianças que têm “patologias do foro renal são doentes crónicos”, pelo que recorrem “com muita frequência” a este serviço. Quando há algum descontrolo, é frequente terem de ficar internados para acompanhamento, um internamento nunca inferior a um mês.

A origem do problema está na falta de enfermeiros no hospital depois de um concurso aberto em 2015 para as Administrações Regionais de Saúde e concluído em janeiro deste ano ter atraído mais de 700 enfermeiros, incluindo vários especialistas, para os centros de saúde. Só na pediatria do Hospital de Santa Maria foram cerca de duas dezenas de enfermeiros a sair.

“Já se antecipava a saída de enfermeiros para os centros de saúde. O concurso demorou muito tempo, o hospital já sabia que as pessoas iam sair. Isto tem a ver com planeamento. Não foram tomadas medidas preventivas”, lamenta a mesma enfermeira ao Observador, sublinhando que, neste momento, na área da nefrologia, “as crianças precisam dum apoio especializado que não estão a ter“.