As matrículas para o próximo ano letivo vão começar daqui a quatro dias e entre 15 de abril (domingo) e 15 de junho a generalidade dos alunos do ensino obrigatório terá de fazer a sua inscrição — ou a renovação de matrícula — no estabelecimento de ensino que pretende frequentar. O despacho das matrículas foi publicado em Diário da República esta quinta-feira e traz com ele algumas alterações.

A maior novidade prende-se com os encarregados de educação: deixam de poder usar a sua zona de residência como prioridade na escolha da escola, caso não partilhem a morada fiscal com o aluno. Outra alteração introduzida pelo governo é um novo fator de desempate quando há mais alunos do que vagas num estabelecimento de ensino. O aluno beneficiário de ação social escolar passa a ter prioridade.

Para quem ingressa no ensino secundário, há também uma mudança: a candidatura passa a ser aos pares, ou seja, o aluno escolhe a escola e o curso que pretende frequentar em simultâneo.

A justificar estas alterações, segundo se lê no despacho das matrículas, estão três vetores fundamentais: “Garantia da transparência e combate à fraude; promoção da igualdade de oportunidades e superação das desigualdades económicas, sociais e culturais; introdução de elementos que garantem maior eficiência aos procedimentos de matrícula.”

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Morada do encarregado de educação só serve para efeitos de matrícula se o aluno viver com ele

Embora continue a ser possível delegar a função de encarregado de educação — situação que acontece quando os pais decidem passar esta responsabilidade para terceiros, sejam da família ou não — para efeitos de matrícula ter um encarregado de educação com uma morada que dê prioridade de entrada na escola já não basta.

Embora possa ser responsável pelo aluno, o estudante só terá prioridade nas vagas da escola se ambos viverem juntos. E se até agora bastava assinar um compromisso de honra para atestar a veracidade das declarações, passa a ser necessário apresentar os dados fiscais onde se comprove que a morada fiscal do encarregado de educação e do aluno é a mesma.

Esta prova deve ser apresentada não só no ato da matrícula, mas sempre que haja mudança de ciclo ou transferência de estabelecimento de ensino.

A Confap — Confederação Nacional das Associações de Pais é crítica desta medida por considerar que vai dificultar a vida às famílias que recorrem ao suporte dos avós, por exemplo.

“Entendemos ser necessário fiscalizar situações fraudulentas, a colocação nas escolas tem de ser justa, mas não podemos criar instrumentos que vão dificultar a rede de suporte logístico que as famílias têm. Acontece com milhares de famílias que têm de recorrer à ajuda dos avós. Nós defendemos a liberdade de escolha e esta medida corta essa liberdade”, argumenta Jorge Ascenção, presidente da Confap.

E lembra a situação de pais divorciados ou de casais que entregam as declarações fiscais em separado que poderam encontrar aqui um problema na escolha do encarregado de educação. “Tem de haver outra maneira de combater as fraudes. Não sei se vai resolver o problema, mas acho que vai afetar mais famílias que se socorrem dos avós do que as que usam moradas falsas.”

Outra alteração é que o Encarregado de Educação não pode ser alterado no decurso do ano letivo a não ser em circunstâncias excecionais. Até agora, esta alteração podia ser feita em qualquer momento.

“Além disso, para impedir a eventual instrumentalização desta delegação de competências como forma de perverter as prioridades estabelecidas, a alteração de encarregado de educação no decurso do ano letivo passa a ser possível para casos excepcionais, devidamente justificados e comprovados”, lê-se no documento.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, aplaude a medida. “É uma forte resposta a um problema que o ano passado andou aí na berlinda, os pais muito facilmente davam uma morada falsa. Deixavam de ser temporariamente encarregados de educação e esse papel era desempenhado por qualquer um — em Lisboa até havia quem o fizesse a troco de dinheiro. Esta medida é uma machadada nessas situações e as moradas falsas vão desaparecer”, defende.

As críticas, Filinto Lima reserva para os pais que usavam este recurso: “Qualquer um podia ser encarregado de educação. Bastava ir à escola, preencher um documento e pronto. Eram pais batoteiros que não estavam a dar qualquer exemplo de educação aos filhos. A mensagem que passavam é que com batotice conseguiam vencer.”

Uma medida positiva é também como o presidente da CNIPE — Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação encara esta alteração. “Traz maior controlo e vai evitar que alguns pais ultrapassem algumas coisas para conseguirem que os filhos entrem na escola A, B ou C. Haverá mais transparência. Por princípio, não devia ser possível cruzar estes dados [escola e Fisco] mas infelizmente outros valores mais altos se levantam, defende Rui Martins.

Reforçar os mecanismo de transparência e o combate à fraude, como se explica na nota enviada às redações pelo gabinete do ministro Tiago Brandão Rodrigues, é o principal objetivo da medida.

Prioridade para os alunos de ação social que vivam na área de influência da escola

Há uma série de critérios definidos todos os anos por despacho que ditam quais os alunos que têm prioridade nas vagas de cada escola. A grande novidade deste ano é que passa a ser fator de desempate o aluno ser beneficiário de ação social escolar.

No pré-escolar, para além da idade, ser beneficiário de ação social virá logo a seguir às crianças com necessidades educativas especiais, aos filhos de mães e pais estudantes menores e às crianças com irmãos a frequentar a mesma escola.

No básico, as prioridades serão iguais às do pré-escolar aparecendo, antes dos beneficiários de acção escolar, apenas mais um fator de desempate: os alunos terem frequentado o pré-escolar ou o ensino básico no mesmo agrupamento de escolas. Por seu turno, neste ciclo deixa de ser prioridade ser filho de mães ou pais estudantes menores.

No ensino secundário, as prioridades são iguais às do básico.

Esta é uma medida que não levanta objeções a ninguém. Rui Martins, da CNIPE, diz que obviamente concorda com a alteração, enquanto Filinto Lima lembra que ela se sentirá mais no grandes centros urbanos.

“Nos pequenos centros urbanos não se vai fazer sentir, mas nos grandes centros, sim. Isto é o ministério a dizer que as escolas têm de ter populações heterogéneas e de todo o tipo de classes socioeconómicas, argumenta o presidente da ANDAEP.

Para Jorge Ascensão, da Confap, faz sentido acrescentar um critério que torna a vida mais fácil às famílias que têm maiores dificuldades.

Promover a equidade no sistema, mantendo o paradigma da proximidade geográfica entre a residência e a escola são os objetivos desta medida. “Esta prioridade, que surge a seguir à dos alunos com Necessidades Educativas Especiais e dos alunos com irmãos no mesmo estabelecimento de ensino, reforça o papel fundamental que a Escola tem no combate a fenómenos de segregação social, na medida em que os alunos de contextos familiares economicamente mais desprotegidos têm prioridade relativamente aos demais residentes numa mesma zona”, explica na nota enviada às redações.

Alunos do secundário passam a indicar preferência não só para escola mas também para o curso

Para o próximo ano letivo, em vez de três escolas, os estudantes passam a poder apresentar cinco opções do estabelecimento de ensino que pretendem frequentar. Outra alteração é que estas escolhas passarão a ser feitas aos pares, ou seja, escolhe-se a escola e o curso ao mesmo tempo. Até agora, o estudante escolhia ambos mas não podia emparelhá-los. Havia uma alínea nas fichas de inscrição onde o aluno, na impossibilidade de frequentar o curso que pretendia na escola da sua preferência, deveria escolher a qual dos dois — curso ou escola — dava preferência.

Reforçar o processo de tomada de decisão dos estudantes, permitindo-lhes a candidatura a mais do que uma modalidade é o objetivo do Ministério da Educação.

Matrículas feitas no período normal (15 de abril a 15 de junho) são seriadas antes daquelas que são feitas tardiamente

O que acontecia antes deste despacho é que de cada vez que apareciam novas matrículas, mesmo que as turmas já estivessem constituídas, os diretores poderiam ter de mexer em todas as listas e seriações. A partir de agora, as matrículas recebidas até 15 de junho são consideradas imediatamente após essa data para efeitos de seriação. As restantes são sujeitas a seriação em momento posterior.

Também a constituição de turmas passa a ter um prazo definido, devendo esse processo estar concluído no prazo de 15 dias úteis a contar do fecho das matrículas.

O objetivo desta medida é uniformizar os prazos nas escolas e também, explica o ministério, reforçar a eficiência dos procedimentos da matrícula.