Depois de ter escolhido a ex-bastonária da Ordem dos Advogados Elina Fraga como sua vice-presidente, Rui Rio voltou a surpreender esta quinta-feira com a escolha daquela que vai ser a porta-voz para a Justiça no governo-sombra” do PSD. Mónica Quintela aparece descrita na nota biográfica disponibilizada pelo partido como “advogada” e ” vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses entre 2014-2016″, que “proferiu dezenas de conferências por todo o país, no âmbito do direito penal e do direito processual penal, direito civil e das crianças, entre outras”. Mas é muito mais do que isso.

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Com 51 anos, Mónica Quintela é descrita como “vistosa” e divide reações. Numa entrevista ao Observador, a propósito do julgamento do seu cliente Pedro Dias, a advogada minhota que reside e trabalha em Coimbra descreve a importância da “empatia” na relação advogado/cliente, e fala abertamente sobre como arquitetou, com o marido, a rendição de Pedro Dias depois de 28 dias de fuga, filmada em direto pela RTP.

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Numa reportagem da revista Domingo, do Correio da Manhã, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, que levou Elina Fraga para a ribalta, que por sua vez levou Mónica Quintela, descrevia a advogada como “uma lutadora” e um exemplo que “orgulhava” a classe.

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Eis cinco curiosidades sobre Mónica Quintela, o nome escolhido por Rui Rio para integrar, em parceria com Licínio Lopes Martins, o “ministério-sombra” da Justiça, Cidadania e Igualdade. Licínio Martins será o coordenador, Mónica Quintela a porta-voz.

A proximidade a Elina Fraga

Se a escolha de Elina Fraga para vice-presidente de Rio no congresso de fevereiro surpreendeu todos e dividiu o PSD, o presidente do partido optou desta vez por não incluir a antiga bastonária da Ordem dos Advogados no seu governo-sombra, mas nem por isso deixou de incluir uma pessoa que lhe é muito próxima. Mónica Quintela foi vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados entre 2014 e 2016, durante o mandato de Elina Fraga, e o seu marido (com quem trabalha em parceria) foi mesmo o primeiro vice da bastonária.

A proximidade de Mónica Quintela a Elina Fraga mede-se ainda, como recorda o jornal Público, pelo facto de ter sido a ela que a bastonária recorreu quando precisou, ela própria, de um advogado. Em causa estava um processo contra Elina Fraga devido ao despedimento de uma funcionária da Ordem dos Advogados. Segundo recorda o Correio da Manhã, no perfil que traçou da advogada em novembro de 2016, o processo envolveu a advogada Ana Vieira da Silva, que coordenava o departamento de processos disciplinares da Ordem dos Advogados quando descobriu uma série de processos por resolver já guardados em arquivo.

Entre esses processos estaria um contra Elina Fraga, acusada de receber dinheiro para interpor uma providencia cautelar que nunca entregara em tribunal. Mas Mónica Quintela interferiu e Elina Fraga, que tinha recebido uma sanção de censura, veria depois a sanção anulada pelo Tribunal Administrativo de Mirandela.

A parceria com o marido: o “casal maravilha”

São os dois advogados e defendem, os dois, alguns dos casos mais mediáticos do país. Mónica Quintela e Rui da Silva Leal conheceram-se há mais de 13 anos, num evento da Ordem dos Advogados, em Cascais. Ao Observador, contaram como se conheceram e como, em pouco tempo, se tornaram o “casal maravilha” da advocacia (como descreveram algumas fontes ao Correio da Manhã). “Conhecemo-nos aí [no evento da Ordem] e nunca mais a larguei. Lembro-me de que estava a ir-se embora, tinha um recurso para fazer, mas eu não sabia quem era e tinha de saber”, lembra Rui da Silva Leal. “Eu vim para Coimbra, ele ficou lá e contactou-me na semana a seguir”, completaria a advogada. Casaram dois anos depois.

“É uma vida alucinante, estamos sempre a trabalhar”, garantia Rui da Silva Leal na mesma entrevista ao Observador. “Este verão, estivemos no estrangeiro. Pensámos que íamos fazer praia, mas mal chegámos recebemos a notificação do julgamento da Máfia de Braga para o dia 4 de setembro. Estávamos no início de agosto, 15 mil folhas para ler e para estudar, acabaram as férias.”

Trabalham muitas vezes juntos, nos mesmos casos, mas privilegiam a “empatia” que um e outro têm com os clientes. “Quando é só um [cliente], vamos repartindo”, explicava Rui da Silva Leal ao Observador. “Por vezes, sucede que o cliente vem ter com a Mónica. A relação advogado/cliente é muito especial. Quando ela funciona, cria-se uma empatia grande e uma relação de confiança muito especial. Portanto, se vêm contactar com a minha mulher, é normal que a estratégia global seja delineada fundamentalmente por ela”, acrescentava.

Além do caso de Pedro Dias, que defenderam em conjunto, os dois trabalharam em casos mediáticos como o julgamento da Máfia de Braga, onde defenderam Emanuel Paulino, também conhecido como o bruxo da Areosa, e Luís Filipe Monteiro; ou no caso da inspetora da Polícia Judiciária Ana Saltão, acusada de ter assassinado a avó do marido com 14 tiros.

Os elogios de Marinho Pinto

Se Mónica Quintela integrava a lista de Elina Fraga à Ordem dos Advogados, Elina Fraga chegou a bastonária como a continuidade de Marinho Pinto, antigo bastonário. No perfil traçado pelo Correio da Manhã a Mónica Quintela, em 2016, o ex-bastonário descrevia a advogada com muitos elogios.

“É uma pessoa com grande verticalidade, coragem. É uma lutadora. É alguém que faz parte do núcleo de advogados que são o orgulho da profissão. Não é conformista e não tem medo. A Dra. Mónica Quintela defende tenazmente os interesses dos seus constituintes”, dizia o advogado cujo escritório em Coimbra é vizinho do de Mónica Quintela.

O caso Pedro Dias e a estratégia da rendição à frente de jornalistas

Mónica Quintela já conhecia Pedro Dias antes de este ser acusado dos crimes de homicídio de um militar da GNR e dois civis, em Aguiar da Beira, e posterior fuga. Era sua advogada no caso da regulação das responsabilidades parentais da filha mais velha de Pedro Dias. “Os pais de Pedro Dias e ele eram meus clientes. Cerca de três semanas antes [do homicídio], ele tinha ficado com a guarda da menina. Fiquei estarrecida quando vi aquilo”, contava a advogada ao Observador na já referida entrevista.

Daí até se tornar a advogada dele no caso de homicídio foi um passinho: a irmã e mãe de Pedro Dias contactaram-na, discretamente, porque estavam sob escuta, e pediram-lhe ajuda para engendrar uma forma segura de, ao fim de 28 dias em fuga, Pedro Dias se entregar às autoridades. “Era um caso banal, no sentido em que é um caso de homicídio que tem contornos específicos, mas o que tornou o caso diferente foi a fuga de Pedro Dias e depois a forma como se entregou”, contava Mónica Quintela.

A ideia de ligar à jornalista da RTP Sandra Felgueiras foi do marido de Mónica Quintela. “O que na altura pensei foi: se durante o momento da entrega a polícia souber que está a televisão presente, isso vai fazer com que a polícia não entre com violência e foi exatamente isto que se passou”, contaram. A partir daí a história é conhecida, e o caso de Pedro Dias não se tornou apenas uma das maiores fugas da história da justiça portuguesa, como também a única redenção transmitida em direto.

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A absolvição de Ana Saltão, a inspetora da PJ acusada de matar a avó do marido com 14 tiros

Foi o caso que catapultou a dupla Mónia Quintela e Rui da Silva Leal para a ribalta. “A inspetora é detida numa segunda-feira [em 2012], contacta-me ainda nesse dia à noite e logo na terça-feira de manhã, eu entro no processo. Fiz o interrogatório e depois entrámos em conjunto”, recorda Mónica Quintela ao Observador, na entrevista feita em fevereiro deste ano, a propósito da fase final do julgamento de Pedro Dias.

Ana Saltão estava acusada de ter matado a avó do marido com mais de uma dezena de tiros, numa residência em Coimbra. Começou por ser absolvida por um tribunal de júri pelo crime de homicídio mas foi depois condenada a 17 anos de prisão pelo Tribunal da Relação de Coimbra. A condenação foi posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A advogada de defesa era Mónica Quintela, que reiterou sempre que a investigação não tinha credibilidade, apontando para várias contradições e insuficiências nas provas. A advogada de Coimbra é, de resto, conhecida por ser especialista em encontrar nulidades nos processos que defende.

Ao Observador, a dupla (e casal) de advogados chegaram a destacar a “guerra de bastidores terrível” que tiveram “no Ministério Público e na Polícia Judiciária” com o caso de Ana Saltão. “O processo da inspetora levantou problemas jurídicos muito complexos, mas foi dos processos que mais gozo nos deu”, dizia na altura o marido de Mónica Quintela. “Foi um processo que nos fez pensar que a justiça existe, é engraçado. Eu que advoguei sempre, tenho julgamentos praticamente todos os dias e há dias em que nos sentimos injustiçados, desmotivados, e detesto baixar os braços. No caso da inspetora, era uma injustiça”, acrescentaria Mónica Quintela.

Defender o indefensável. “O homicídio é o crime mais comum e que qualquer um de nós pode cometer”

Várias vezes alvo de ameaças, quando tem em mãos casos complexos e muito mediáticos, Mónica Quintela tem uma visão clara do papel dos advogados de defesa, mesmo quando o caso parece indefensável.

“Primeiro, não tenho medo. Depois, nós só aceitamos os casos que entendemos. Por exemplo, eu não faço crimes sexuais”, explicava na altura ao Observador. “Toda a gente tem direito a defesa, não tenho é de ser eu a defendê-lo. Nós só assumimos os processos em que sabemos que temos condições psicológicas e de formação para conseguir perceber o que se passou. O homicídio é o crime mais comum e que qualquer um de nós pode cometer.”

É por isso que aceita casos de homicídio, e procura neles uma explicação. Foi o que aconteceu com o caso de Pedro Dias — que já era seu cliente no caso da custódia da filha, conhecendo bem o cliente e a família.

“Um ser humano é confrontado com determinadas circunstâncias e não sabemos como reagimos. Eu sei que nunca vou violar, nunca vou roubar, mas há determinadas circunstâncias que efetivamente só estando ali é que se consegue perceber porque é que a pessoa, naquelas concretas circunstâncias e movendo-se com aqueles quadros mentais, reagiu daquela forma. Se me perguntar se eu aceito e se concordo, não aceito e não concordo, critico. Mas consigo perceber e conseguindo perceber porque é que agiu daquela forma, então tem direito a ter essa defesa”, explicava ao Observador.

A ideia, por isso, não é absolver e inocentar a pessoa que é culpada, mas sim encontrar uma explicação e condená-la “por aquilo que fez e não pelo que não fez”. “É por isso que as penas têm um mínimo e um máximo”, explicava Rui da Silva Leal. “Nós achamos que ele tem de ser condenado por aquilo que fez e absolvido pelo que não fez”, acrescentava Mónica Quintela. Pedro Dias acabou por ser condenado, no início de março deste ano, à pena máxima de 25 anos de prisão por cúmulo jurídico.