É um compromisso com quase 50 anos (assinado em 1971): Portugal e a Finlândia têm um acordo sobre a tributação dos pensionistas estrangeiros que, na prática, evita que um mesmo cidadão, natural da Finlândia mas que seja considerado residente não habitual em Portugal, seja taxado duplamente. Mas agora a Finlândia ameaça rasgar esse tratado fiscal, se o governo de António Costa não se apressar a ratificar, no Parlamento português, uma alteração já negociada entre os dois países. E põe pressão máxima em António Costa.

Em comunicado, o Ministério das Finanças finlandês lembra que os dois países já tinham chegado a um entendimento sobre esse tema em novembro de 2016, altura em que assinaram, em Bruxelas, um novo acordo fiscal entre os dois países que salvaguardava estas situações. Mas, se em Helsínquia, o Governo finlandês levou logo no mês seguinte a ratificação do acordo ao Parlamento, em Lisboa, o Governo tem vindo a adiar o envio da legislação para a Assembleia da República. Contactado pelo Observador,  o Ministério das Finanças atirou as explicações para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), que têm a competência para processos de aprovação de Acordos Internacionais. 

Fonte oficial do MNE adiantou ao Observador que está em curso o processo de ratificação, em Portugal, do acordo de dupla tributação assinado com a Finlândia, no final de 2016. Só que esse processo implica a apresentação de uma proposta de resolução pelo Governo à Assembleia da República cuja a aprovação, segundo a mesma fonte, está em curso. 

Helsínquia quer evitar que os cidadãos finlandeses que vivem em Portugal não paguem IRS no seu país. A questão é que, sem as alterações ratificadas, os pensionistas finlandeses que são considerados residentes em território português deixam de pagar impostos na Finlândia (por via do acordo fiscal entre os dois países) e também não pagam em Portugal (por via da legislação favorável prevista no país para os residentes estrangeiros). É para resolver esta “injustiça” que a Finlândia está a bater o pé.

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É isso que se lê no comunicado oficial do Ministério das Finanças finlandês, liderado por Petteri Orpo, e disponibilizado, em inglês, na internet: a atual convenção, lê-se, é “inconsistente com a noção de justiça em matéria de tributação das pensões”. Uma queixa que aliás é comum a outros países do norte da Europa que carregam mais nos impostos, com a Suécia.

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Se Portugal não ratificar o acordo até ao final do ano, no início de 2019 deixa de estar em vigor qualquer tipo de acordo, passando a aplicar-se as regras fiscais normais aos residentes finlandeses.

“O tratado fiscal entre Finlândia e Portugal não traduz atualmente a ideia de uma tributação justa das pensões, razão pela qual o Conselho de Ministros propõe que o mesmo deixe de vigorar a partir do início de 2019”, declarou o ministro à imprensa finlandesa.

É sobre esse atraso que agora a Finlândia vem reclamar, colocando pressão máxima no Governo de António Costa: se Portugal não ratificar a legislação, então a Finlândia vai rasgar a convenção de 1971 que evita a dupla tributação. A ameaça não é só fogo de vista. Segundo o Público, que cita fonte oficial do governo finlandês, o executivo aprovou mesmo esta semana a legislação que rasga aquele acordo bilateral, tendo sido enviada para o Parlamento daquele país esta quinta-feira. A ideia é ser discutida e votada até ao final de junho — para que o acordo bilateral seja mesmo revogado é preciso que a Finlândia notifique Portugal com pelo menos seis meses de antecedência.

Jornal de Negócios, que avançou a notícia, adianta que se a ameaça for para a frente, será mesmo a primeira vez que a Finlândia toma uma iniciativa desta natureza.

Centeno. Taxa mínima de IRS em nome da “boa relação fiscal” com parceiros

Em setembro do ano passado, questionado sobre a tributação de reformados estrangeiros em Portugal, já no quadro da insatisfação manifestada por alguns outros Estados-membros, com a Finlândia à cabeça, o ministro das Finanças, Mário Centeno, indicou que o Governo estava a estudar “já há alguns meses” a introdução de uma taxa mínima de IRS, em nome da “boa relação fiscal” com outros países europeus.

“Nós estamos a olhar para essa questão já há alguns meses, num contexto que também tem em conta aquilo que é a realidade de outros países europeus. Nós achamos que há ajustamentos a fazer nessa matéria. Pensamos que num contexto também, mais do que de transparência, de boa relação fiscal em termos europeus, isso merecia a nossa atenção”, assumiu, em declarações em Tallin, à margem de uma reunião informal do Eurogrupo (ao qual ainda não presidia).

Questionado sobre se sentiu pressões por parte de outros países — como a Finlândia –, o ministro apontou que “há acordos de tributação com muitos países que são geridos de forma bilateral, esses acordos estão em vigor e estão a ser cumpridos, e há momentos de discussão desses acordos”.

“Nós gostaríamos, mais do que reagir a algumas posições que, até com alguma falta de informação, foram sendo feitas, que definíssemos uma estratégia mais completa para podermos enquadrar todas as situações”, argumentou.

O Observador também questionou as Finanças sobre eventuais alterações ao regime de tributação favorável para estrangeiros, mas não obteve resposta.

Atualizado às 20.30 com resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros