O incêndio que consumiu 86% do Pinhal de Leiria entre 15 e 16 de outubro do ano passado terá sido planeado no mês anterior por madeireiros, empresários e fábricas de compra e venda de madeira, avança uma reportagem da TVI24 que foi exibida esta sexta-feira à noite. O plano foi delineado numa série de reuniões numa cave, onde também foram estabelecidos os preços para a madeira consumida.
A Polícia Judiciária já tinha assumido que o incêndio que deflagrou no Pinhal de Leiria em outubro tinha sido mão criminosa. Agora, a reportagem assinada pela Ana Leal revela que “o pinhal estava armadilhado” com vasos de resina com caruma no interior para iniciar as chamas, como contou a jornalista em entrevista na TVI24. Esta terá sido a técnica que atingiu 36 concelhos da região centro. Embora não se tenham registado vítimas mortais na região do Pinhal de Leiria, os incêndios de outubro provocaram 49 mortos e cerca de 70 feridos no país, além de terem destruído 1.500 casas e 500 empresas.
Houve reuniões para planear incêndio e combinar preço da madeira
A fonte da TVI24 foi um homem que terá sido convidado para participar nessas reuniões, que ocorreram na cave de um restaurante e onde participaram pelo menos quatro das maiores empresas de madeira da região. O plano para incendiar o pinhal começou a ser criado em meados de setembro, mas só duas semanas antes é que os participantes se encontraram. De acordo com o homem entrevistado, “houve uma reunião para combinar o preço da madeira e para não oferecer nada pelos lotes do Estado. Porque a madeira está muito cara, está a ver? Se não se comprar ao Estado, ele tem que vender a madeira quase dada. A fonte garante ainda que “todos os madeireiros estão feitos”, ou seja, participaram na reunião.
A liderar este plano estaria um empresário que “até anda a alargar o estaleiro”, conta a fonte da reportagem. Segundo ela, esse empresário terá em sua posse 100 mil toneladas de madeira queimada só em outubro. A reportagem fala ainda de uma empresa que, um mês antes, já estaria a fazer conta com o incêndio e por isso recebeu uma tranche de 500 mil euros para comprar madeira queimada. De acordo com o documento da Caixa de Crédito de Leiria a que a TVI teve acesso, houve de facto uma transferência para essa empresa a 25 de outubro, que terão sido aplicados para comprar dois camiões, dois reboques e uma máquina de arrasto. Entre outubro e dezembro, essa empresa comprou 166 mil toneladas de madeira queimada. No mesmo período de 2016, o volume desce para os 55 mil.
Antes do incêndio que consumiu o pinhal, houve pelo menos 50 tentativas falhados de colocar chamas na floresta. De acordo com a reportagem “Máfia do Pinhal”, o incêndio que se espalhou pelo pinhal começou na Légua “foi mão criminosa e começou a ser planeado logo dia 12”. Foram espalhados vasos de resina em zonas sem pinhal resinado e garrafas de vidro e de plástico embrulhadas em prata com “um líquido preto” combustível por dentro, garantem as fontes da TVI24. Tudo terá sido pensado para que deflagrasse durante a tarde: assim o incêndio tomaria proporções incontroláveis durante a noite, quando os aviões de combate ao incêndio não podem atuar. De acordo com um madeireiro abordado por Ana Leal, o fogo “ardeu na altura certa para quem faz negócio”.
O negócio prossegue ainda hoje. O Estado ainda não colocou em leilões quase nenhuma percentagem do milhão de tonelada queimada que tem em mãos: o primeiro leilão ocorreu em dezembro e nenhum dos grandes compradores de madeira comprou matéria prima. Até agora apenas 3% da madeira queimada foi vendida. Mas esta é uma corrida contra o tempo: daqui a dois meses a madeira ficará azul e em julho já ganhou bicho, por isso deixa de ter interesse para o mercado. Questionado pela TVI, o presidente da Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas diz que este pode ser um bom negócio: “Se o Estado pusesse toda a madeira à venda, o que aconteceria aos privados?”.
Segundo as fontes da TVI, “todas as pessoas com alguma dimensão vão ganhar milhões com isto e todo o pequenino vai ser derretido! Não é já! É daqui a alguns tempos! Essa gente vai morrer toda, porquê? Porque, com a falta de matéria-prima que vai haver, vão ficar completamente trucidados e não têm hipótese nenhuma de entrar no mercado. A maior parte deles têm medo!”.
Em Leiria, as cidades mais afetadas pelos incêndios que consumiram o Pinhal de Leiria foram Alcobaça, onde o incêndio terá deflagrado, Marinha Grande, onde fica a maior parte do Pinhal e Pombal. Os incêndios de 15 de outubro destruíram 190.090 hectares de floresta, que correspondem a 45% da área ardida em todo o ano passado.