O lançamento do satélite TEES, a mais recente e avançada missão de deteção de planetas para lá do Sistema Solar que a NASA alguma vez lançou para o espaço, foi adiada para quarta-feira para fazer “mais análises de orientação, navegação e controlo”, informou a SpaceX através do Twitter. A primeira janela de lançamento do satélite foi apontada para esta segunda-feira às 23h32 com 80% de concretização tendo em conta as condições climatéricas, mas problemas técnicos obrigaram a companhia privada e a agência espacial norte-americana a alterar a data para daqui a dois dias. A hora do lançamento ainda não foi divulgada.

Ao longo de dois anos, o Satélite de Rastreio de Exoplanetas em Trânsito — nome português para a missão Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS) — vai tomar o lugar do telescópio Kepler, à beira da reforma, e vasculhar o universo em busca de planetas que orbitem estrelas na vizinhança cósmica do Sol. E parte dessa missão está nas mãos de uma equipa de astrofísicos portugueses que são os ‘olheiros’ do projetos: são eles que programam o satélite para saber em que estrelas se deve concentrar para encontrar corpos celestes que os orbitem.

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A função dos portugueses baseia-se num princípio muito terreno: diga-me com quem anda, dir-lhe-ei quem é. Quem o explica é o astrónomo e investigador Tiago Campante, que coordenou uma equipa de cientistas do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, um dos polos do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço: “Isto é essencial para o estudo dos exoplanetas. O que nós fazemos é uma caracterização da estrela-mãe e perceber se pode albergar um ou mais planetas. Ao estudar essas estrelas podemos assumir determinadas propriedades físicas dos planetas”, descreve Tiago Campante ao Observador. Tudo isso graças a uma técnica que permite julgar o interior de uma estrela de acordo com o que acontece à superfície: a astrosismologia.

Assim como a Terra treme, as estrelas também tremem à conta de uma atividade sísmica. A esses movimentos a ciência chama oscilações, que são como janelas que este astros oferecem para estudar o que se passa dentro dos núcleos. “Todas as estrelas oscilam periodicamente e vão-se tornando mais ou menos brilhantes, embora as oscilações sejam muito ténues. O Sol também oscila num período de cinco minutos”, explica o astrónomo. Estudar essas oscilações permite explorar algumas propriedades da estrela, como a massa, o diâmetro, a idade ou a densidade. E saber esses detalhes é essencial para entender para que exoplanetas é que o satélite TESS vai olhar.

Essa é uma missão secundária. A principal é farejar e encontrar exoplanetas através de um método que se chama deteção de trânsito: é que, sempre que um planeta passa entre o satélite e a estrela que orbita, a luz que ela emite torna-se ligeramente menos intensa. Se essa diminuição de luminosidade acontecer de forma mais ou menos regular, o mais provável é que o corpo celeste à volta da estrela seja mesmo um planeta. Mas se não fosse o contributo português as certezas nunca chegariam a bom porto: “A missão em Portugal é importante porque só com ela é que a NASA pode tirar conclusões sobre as propriedades absolutas dos planetas. Se contássemos apenas com o método de deteção de trânsito, as únicas características que podíamos saber dos exoplanetas eram relativas: saberíamos o tamanho, mas apenas em comparação com o da estrela, por exemplo. Assim tudo é mais certeiro”, afirma Tiago Campante.

Quatro planetas maiores do que Júpiter movem-se em torno da jovem estrela HR 8799. Esta imagem foi criada pela junção de fotografias tiradas ao longo de sete anos. Créditos: Jason Wang/Christian Marois

Ao longo dos próximos dois anos, o satélite TESS vai recolher 27 gigabytes de informação por dia ao farejar entre 200 mil e 250 mil estrelas que a equipa portuguesa do Centro de Astrofísica considerou mais promissoras. De acordo com a NASA, isso é a mesma coisa que a máquina enviar para Terra 6.500 ficheiros de música a cada duas semanas. “A música das estrelas, no entanto, não é tão polida para os ouvidos humanos quanto o último álbum da Taylor Swift. Para se preparar para a descoberta científica, os dados precisam de um pouco de ajuste”, brinca a agência espacial norte-americana. O primeiro computador a receber os dados do TESS será o de um cientista no Centro de Operações de Processamento Científico em Ames, Sillicon Valley, uma infraestrutura habituada a estas andanças porque foi a partir dela que na última década recebemos dezenas de milhares de possíveis sinais planetários do telescópio espacial Kepler.

Embora toda a gente possa ter acesso aos dados recolhidos pelo TESS, o primeiro computador que os recebe não é comum: chama-se Pleiades e a NASA garante que é um dos sistemas mais poderosos do mundo porque tem capacidade para processar “uma enxurrada de 10 mil milhões de píxeis em três a cinco dias” e a cada duas semanas. Até agora, a missão portuguesa passou por ensinar a máquina a saber como olhar para o céu: é que, enquanto o Telescópio Kepler observou durante vários anos a mesma pequena porção do céu, o satélite TESS vai fazer um rastreio a 90% de todo o espaço. Foi por isso que Tiago Campante e a equipa que coordenou tiveram de ensinar a máquina a concentrar-se apenas nas estrelas de sequência principal, isto é, naquelas que são semelhantes ao Sol porque são adultas e transformam hidrogénio em hélio dentro do coração porque é nestas que sabemos haver maior probabilidade de encontrar planetas em órbita. Mas a função do Centro de Astrofísica não morre quando o TESS chegar ao céu: durante os próximos dois anos, Portugal será responsável por analisar e interpretar os dados que o satélite enviar para a Terra após serem inspecionados em Sillicon Valley.

Na verdade, em teoria, toda a gente pode fazer essa interpretação. Os dados armazenados pelo satélite serão enviados para a Terra, depois sofrem um pré-processamento que filtra o que é mais ou menos importante e a seguir são distribuídos pela comunidade científica. Isto não vai acontecer pelo menos até dezembro ou janeiro do próximo ano, conta Tiago Campante: “A partir de segunda-feira e durante os próximos nove meses o foco vai ser em levar o satélite até uma órbita estável. O TESS tem uma missão prevista de dois anos, mas esse prazo de validade pode ser prolongado porque a órbita é tão estável que a máquina pode ficar lá em cima durante várias décadas”.

É por isto que o próximo ano traz um verdadeiro ponto de viragem para a exploração espacial de exoplanetas: “Nos últimos 20 anos, a principal motivação as agências espaciais era descobrir exoplanetas. Agora já conhecemos mais de três mil e já sabemos que basicamente qualquer estrela semelhante ao Sol tem grande probabilidade de albergar planetas. Agora o foco vai ser caracterizar detalhadamente esses planetas. E o TESS é que vai selecionar os alvos promissores”, descreve o astrónomo português. Mais tarde, provavelmente daqui a três ou quatro anos, vai ser o telescópio espacial James Webb quem vai pegar nos dados recolhidos pelo TESS para voltar a olhar para os planetas mais promissores e recolher dados sobre as atmosferas desses corpos celestes, quem sabe para descobrir mais planetas potencialmente habitáveis no quintal do planeta Terra.

O lançamento do satélite vai acontecer às 23h32 de Lisboa a partir do Complexo de Lançamento 40 da base aérea do Cabo Canaveral. Essa base aérea pertence à agência espacial norte-americana, mas o TESS vai para o espaço ‘às costas’ de um foguetão Falcon 9 da SpaceX, provavelmente por ser mais barato enviar máquinas a bordo de um veículo espacial com capacidade para ir para lá atmosfera e depois regressar praticamente intacto a Terra.

De acordo com os meteorologistas consultados pela NASA, há 80% de probabilidades de o tempo estar favorável ao lançamento. A única preocupação é o vento. De acordo com Tiago Campante, esta foi a primeira janela de oportunidade que a NASA e a SpaceX conseguiram encontrar para lançar o satélite para o espaço: “Ao longo desta semana vai haver outros dias em que as condições climatéricas vão voltar a ser favoráveis para o lançamento”.