O documentário “La Bataille du Côa — Une Leçon portugaise” [“A Batalha do Côa — Uma lição portuguesa”], do realizador francês Jean-Luc Bouvret, vai estrear-se a 9 de maio, no cinema Saint-André des Arts, em Paris. A longa-metragem documental, que vai ser projetada até 5 de junho nesta sala parisiense, descreve a luta pela salvaguarda das gravuras rupestres do Vale do Côa que, em 1994/1995, estavam ameaçadas pela barragem do Baixo Côa e que foram classificadas, em 1998, como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO.
Uma “lição para outros países”, no entender de Jean-Luc Bouvret, que já tinha realizado o documentário “Coa, la rivière aux mille gravures” [“Coa, o rio com mil gravuras”], em 2006, e “Bagarre au Barrage” [“Luta na barragem”], em 2013. “É uma história tão singular que dá lições a muitos outros países ou civilizações na Europa e fora dela. Esta história é portuguesa. Foi Portugal que suspendeu a barragem para salvar as gravuras e é uma lição para todos nós”, disse à Lusa o realizador.
Jean-Luc Bouvret destacou “o valor de exemplo” desta “luta científica e política” que resultou no abandono da barragem e na criação do Museu do Côa e do Parque Arqueológico do Vale do Côa, apontando que, numa das últimas frases do filme, um historiador francês se mostra “muito mais pessimista” sobre o que teria acontecido “se o Côa tivesse sido encontrado em França”.
“Privilegiar a suspensão da barragem para salvar um tesouro cultural é um gesto forte porque mostra que esta cultura é mais importante do que as necessidades económicas e as necessidades do momento”, descreveu o cineasta, recordando que o Vale do Côa é o maior complexo de arte rupestre paleolítica ao ar livre.
O filme defende que “esta luta é um exemplo a seguir” e também mostra “as dificuldades e o preço a pagar” pelo abandono da barragem, com entrevistas a “todos os atores desta história, desde o Presidente da República, ao primeiro-ministro, a responsáveis pelo património, arqueólogos, agricultores e produtores de vinho”.
Jean-Luc Bouvret entrevistou, por exemplo, o antigo Presidente da República Mário Soares que defendeu, no filme, que “o dinheiro que se ganha é importante, mas não é um valor supremo”: “O valor supremo são valores de natureza moral, isto é, os que tenham em vista os superiores interesses da humanidade porque a humanidade somos todos nós, pobres e ricos”.
Há também entrevistas a produtores de vinho, estudantes, antigos autarcas, ao antigo ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho, ao antigo presidente da REN José Penedos, ao antigo secretário de Estado Nuno Ribeiro da Silva, e a peritos que participaram na campanha nacional e internacional de apoio às gravuras, como João Zilhão, Paul Bahn, Michel Lorblanchet, Dominique Sacchi.
O documentário recorre, ainda, a arquivos de jornais que relataram o caso em Portugal e no estrangeiro, assim como a reportagens televisivas que mostraram os defensores das gravuras (desde estudantes à comunidade científica), os defensores da barragem (desde habitantes a empresários), os políticos a favor e contra, e o próprio choque de gerações em Foz Côa, num caso que provocou “fissuras em toda a sociedade portuguesa” e que entrou na campanha para as legislativas que levou António Guterres à chefia do Governo, em 1995, e à salvaguarda das gravuras rupestres. Bouvret deverá apresentar o filme num colóquio em Foz Côa, em dezembro.