“Ela aponta para outros treinadores que gritam e berram e diz: ‘Tu queres ser como eles?'”, admitiu Gregg Popovich numa entrevista em 2012, numa das raras vezes em que falou dos “raspanetes” que levava da mulher quando era um pouco mais brusco na abordagem com os jornalistas, ou mesmo com os jogadores, ou os árbitros, durante as partidas dos San Antonio Spurs. “Às vezes, quando chego a casa, diz-me: ‘Porque é que tens de ser tão mau? Assim as pessoas vão odiar-te’. E eu peço desculpa, prometendo ser melhor da próxima vez…”.

A empatia e a relação próxima entre Gregg Popovich e a mulher, Erin, com quem estava casado há quatro décadas, chegou a tornar-se notícia em alguns momentos ao longo das mais de duas décadas que leva como treinador dos San Antonio Spurs, tendo sido campeão por cinco ocasiões. Entre a espécie de “sumidade” em que o técnico se transformou, não só pelo trabalho nos pavilhões, mas também pela visão fraturante que tem sobre a sociedade norte-americana, havia um pilar admirado por todos os que andavam à sua volta, incluindo os próprios adversários: a família. Após vários anos a lutar contra problemas respiratórios, como escreve o El Mundo citando o San Antonio News-ExpressErin morreu esta quarta-feira, aos 67 anos. E a NBA está de luto pelo seu desaparecimento, que deixou várias figuras consternadas como LeBron James, dos Cleveland Cavaliers, ou Kevin Durant, atual adversário dos Golden State Warriors.

“É óbvio que sou um enorme admirador do Pop… Adoro-o… É uma enorme tragédia e quero já enviar os meus sentimentos ao Pop e a toda a sua família… Nem sei, isto é demasiado… A NBA é uma família unida, competimos todas as noites mas quando acontece algo como isto colocamos tudo em perspetiva. As minhas condolências, as minhas orações estão com ele”, comentou LeBron no jogo entre os Cavaliers e os Indiana Pacers, visivelmente abalado com a notícia.

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“A sério, mas como… As minhas condolências para toda a família… Nem sei o que dizer”, atirou Kevin Durant, estrela dos Golden State Warriors que estão nesta primeira ronda do playoff a defrontar os San Antonio Spurs. Quase sem palavras, tal como o seu treinador Steve Kerr, que era especialmente próximo de Gregg Popovich até fora da esfera desportiva.

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Gregg Popovich é uma das figuras mais marcantes da atualidade, não só na NBA mas no próprio desporto norte-americano. Mas o que faz do treinador tão especial? A forma como respondeu há dias à pergunta sobre se queria continuar no basquetebol aos 69 anos, e com mais de 20 no comando dos Spurs, explica parte dessa personalidade que todos admiram.

Se ainda tenho prazer em treinar? Mas estão a perguntar a sério? Isto é o trabalho mais fácil que alguém pode ter, comparando com muitos outros. Vim para aqui [Califórnia] num avião privado, um charter, sem pagar nada. E era grande, com comida lá dentro, e também não paguei nada. Aterrei, colocaram-me num hotel Four Seasons e não paguei sequer um penny. Depois tive um lugar na primeira fila para ver um jogo dos playoffs e não tive de pagar bilhete. Depois, fiz mais uma refeição, que não paguei, e quando acordei tinha o pequeno almoço. E agora vou pagar o meu almoço, finalmente… Digam-me, como posso não gostar do meu trabalho”, começou por referir entre gargalhadas dos jornalistas. “Posso trabalhar com estes jovens, posso ver como crescem, posso ver como as famílias deles vão aumentando, crescem como pessoas e ganho mais amigos para a vida.”

O ar meio sisudo engana, como se percebe. E num momento particularmente complicado da sua vida, a NBA uniu-se sem equipas nem rivalidades para apoiar o “Coach Pop” ou simplesmente “Pop“.

Popovich, um dos melhores treinadores da história e o técnico que mais vitórias soma na NBA, tem um passado ligado à Força Aérea nos anos 60, depois do secundário (onde arriscou também uma passagem pelo basebol, que não teria continuidade), que o levou à Europa Ocidental e à União Soviética durante alguns anos. Foi também aí que se tornou adjunto da equipa de basquetebol (após ter sido jogador), antes de ter tirado os seus cursos de Educação Física e Ciências do Desporto e tornar-se adjunto dos San Antonio Spurs (1988-92) e dos Denver Nuggets (1992-94). Aí tornou-se diretor de operações dos Spurs; dois anos depois, prescindiu do então técnico principal (Bob Hill) e assumiu o comando. Até hoje.

Em abril de 2008, Popovich voltou à Academia da Força Aérea para receber o galardão de Distinguished Graduate, numa altura em que somava já quatro títulos pelos Spurs. “Foi a homenagem com mais significado que recebi até hoje”, assumiu. Até porque não foi uma mera passagem: depois de ter frequentado a cadeira de Estudos Soviéticos na Academia, e antes de passar pela Europa, foi colocado num grupo situado na Califórnia para operar satélites que visavam espiar e monitorizar o lançamento de mísseis por parte da União Soviética, como recuperou o San Antonio Express News. “A oportunidade que tive pela Força Aérea de viajar com a equipa de basquetebol fez-me perceber como a modalidade é jogada em todo o mundo e como existem tantos bons jogadores”, referiu, recordando as passagens por Moscovo, Kiev, Vilnius, Tbilisi e Talin.

Os primeiros meses como principal treinador dos San Antonio Spurs foram tudo menos fáceis. A equipa tinha qualidade, mas as lesões condicionaram, e muito, o trajeto. Assim, e depois de um 3-15 que levou à saída de Bob Hill, os texanos acabaram a temporada com o modesto registo de 20 vitórias e 62 derrotas. Mas nem tudo foi mau: acabaram por ficar com a primeira escolha do draft, assegurando a contratação do gigante Tim Duncan que, com o Almirante David Robinson, formou a famosa dupla das Torres Gémeas que marcou uma era na NBA. Entre os títulos com equipas onde pontificavam outras estrelas como Tony Parker ou Manu Ginobili, Popovich foi também dos primeiros técnicos que, assumidamente, faziam descansar as principais figuras em algumas deslocações, o que na altura gerou polémica (e a verdade é que conseguir colher resultados). Grande segredo da equipa? A ligação próxima entre todos os jogadores, que facilitava e muito a missão nos momentos decisivos, naquele que era também o conjunto da NBA com mais jogadores de top mas com um perfil discreto.

Num artigo de fundo publicado no início deste ano, a Bloomberg Businessweek descreve cinco pilares fundamentais que justificam o sucesso de Gregg Popovich: dominar a sua própria sorte, ter sempre o seu trabalho feito, libertar a raiva de quando em vez e de uma forma estratégica, ampliar o seu mundo e aprender a conhecer as pessoas. Tudo com exemplos concretos, contados por quem de perto lidou com ele. “O rabugento e engenhoso treinador da NBA nunca escreverá um guia de aconselhamento de gestão que o negócio precisa. Assim, nós escrevemos por ele”, explica a publicação.

Em paralelo, existe um outro Popovich, aquela figura que dedica imenso tempo (e dinheiro) a associações de caridade e sem fins lucrativos como o San Antonio Food Bank, o Innocence Project ou o Shoes That Fit. E aquela personalidade que nunca se esconde quando questionado sobre a atualidade no país, o que levou mesmo a que fosse criado o movimento Popovich-Kerr 2020, que pretende que o técnico dos Spurs e o homólogo dos Warriors avancem com uma candidatura à presidência dos Estados Unidos contra o atual líder Donald Trump, o “opositor de uma vida para Popovich”, como escreveu o Washington Post.

Com ele, estamos a retroceder. O nosso atual presidente quer matar-nos com todos estes problemas que se passam dia após dia e que se veem nas notícias. No final, tantos escândalos torna-se algo comum e nós nem sequer sabemos o que se passa. Ele destaca o lado obscuro dos seres humanos para seu próprio benefício. Se as pessoas não se levantarem e fizerem algo, isto vai converter-se numa coisa normal e esse não é o mundo em que quero viver. Por isso, os jovens que fizeram esta manifestação dão-me esperança”, referiu na altura da manifestação March of our lives.

“O que se passou é muito maior do que o jogo, é maior do que o ganhar ou perder. Isto é sobre a irmandade que construímos como jogadores e restante família da NBA”, acrescentaria mais tarde Kevin Durant, num apanhado de reações feito pelo The New York Times onde, além dos atletas, se encontram figuras como o ex-presidente Bill Clinton.