O debate do Programa de Estabilidade desta terça-feira foi mais um round no duelo cada vez mais aceso entre o Bloco de Esquerda e o Governo sobre as metas do défice e a existência, ou não, de uma folga no orçamento. Para o Bloco, este é dinheiro que está a ser poupado indevidamente, contra os serviços públicos que necessitam de investimento e em detrimento do acordo do Governo com a esquerda. Para o Governo, não há qualquer folga enquanto houver défice. Afinal do que estão a falar?

Folga de 800 milhões (a versão do Bloco de Esquerda)

O Bloco de Esquerda tem demonstrado o seu desagrado em relação à estratégia orçamental do Governo desde que, no verão passado, foi conhecido o valor das cativações aplicadas sobre o orçamento de 2016 — 942,7 milhões de euros —, um valor histórico para os padrões orçamentais em Portugal, quase o dobro do que tem acontecido nos anos recentes.

Quando o Governo entregou aos partidos da esquerda o cenário macroeconómico que iria integrar o Programa de Estabilidade, o Bloco de Esquerda demonstrou publicamente o seu desagrado porque, depois de o défice ter ficado abaixo do previsto em 2017 — um défice de 0,92% em vez dos 1,6% originalmente previstos, ou dos 1,4% revistos entretanto, o Governo reviu a meta para 2018 de 1,1% para 0,7%. O partido liderado por Catarina Martins exigiu a manutenção da meta original.

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Para o Bloco de Esquerda, não faz sentido estar a apertar ainda mais a meta do défice quando: 1) o Governo acordou uma meta com os partidos e Bruxelas aceitou essa meta, logo não faz sentido reduzir mais o défice que o esperado; 2) a estratégia coloca em causa o compromisso do Governo e deixa os serviços do Estado, em setores vitais como o Serviço Nacional de Saúde, sem o investimento necessário para o seu normal funcionamento.

Os 800 milhões que o Bloco de Esquerda tem descrito como folga é a diferença entre o que seria o défice de 1,1% previsto no Orçamento do Estado para 2018 aprovado no Parlamento, negociado com os partidos da esquerda, muitas vezes ao cêntimo como disse esta terça-feira a deputada Mariana Mortágua em relação a medidas especificas como a descida do IRS ou a eliminação da penalização para a reforma em carreiras contributivas mais longas.

Não há folga (a versão do Governo)

Para Mário Centeno, a questão não pode ser colocada da forma que, em particular o Bloco de Esquerda, tem vindo a colocar. Em primeiro lugar, nas palavras do ministro, o défice pode estar mais baixo, mas ainda há défice. Com a dívida tão elevada, o ministro das Finanças considera que o esforço para colocar as finanças públicas em ordem tem de continuar porque a economia e as contas do Estado ainda estão numa situação muito vulnerável a choques.

Mário Centeno defendeu ainda o rigor extra com a necessidade de cumprir as regras orçamentais europeias. Desde que Portugal saiu do Procedimento dos Défices Excessivos que ficou obrigado a reduzir o saldo estrutural todos os anos a um ritmo fixado pelo Conselho da União Europeia (antes a exigência existia, mas a Comissão Europeia analisava principalmente o défice nominal, se estava acima ou abaixo dos 3% de referência).

Nesta altura, até o saldo atingir um saldo estrutural positivo de 0,25% do PIB potencial tem de reduzir o défice estrutural em pelo menos 0,6 pontos percentuais por ano. Por essa razão, tem de existir sempre uma redução do défice estrutural e Mário Centeno tem-se servido disso também para justificar a necessidade de cortar o défice. Como o défice de 2017 ficou mais baixo até que os 1,1% previstos para este ano, agora teria de ser ainda mais baixo.

Um outro argumento, em sentido contrário, que Mário Centeno tem usado é o de que, na verdade, não há qualquer redução extra do défice, mas sim que a redução deste ano é ainda menor que a prevista, sendo agora de apenas 370 milhões de euros face a 2017. Se é verdade que a comparação feita para o ano anterior demonstra que a redução seria menor, também  é verdade que, sendo o défice do ano passado consideravelmente mais baixo que o previsto, o saldo negativo será, também ele, bastante mais baixo.