“As vossas farmácias são absolutamente lindas”. As primeiras impressões de Simone Rocha sobre Lisboa fogem aos habituais elogios turísticos sobre a luz, a calçada e os edifícios brancos da cidade. Aos 31 anos, a designer de moda sediada em Londres é especialista em fugir à regra. Não vibra com redes sociais nem com a ideia de ver a suas criações na redcarpet. Em 2010, conseguiu dois feitos: fundar a sua própria marca e estrear-se na Semana da Moda de Londres. Oito anos depois, Simone tem duas lojas físicas, uma na capital britânica e outra em Nova Iorque, e três British FashionAwards na prateleira.

A visão poética que tem da moda levou-a longe. As silhuetas são extremamente femininas, retiradas de uma paisagem bucólica e trazidas para a passerelle. Os bordados, os brocados e os tecidos ricos fazem parte de uma linguagem com dicção fresca e contemporânea. Filha de pai chinês e de mãe irlandesa, o Rocha com que assina é português e foi herdado do avô paterno, fixado em Macau.

Faz parte de uma geração de designers independentes e, embora colabore com marcas de grandes grupos, como atualmente é o caso da Moncler, mantém a marca homónima sob a sua própria gestão. Em setembro do ano passado, o The Guardian falou dos números da marca: um crescimento de 20% ao ano e um lucro acumulado, desde o início, de três milhões de dólares (2.426.170 de euros). Recentemente, rendeu-se à produção têxtil nacional, tal como parece ter acontecido com o Porto e com Lisboa. Visitou a capital para participar na Condé Nast International Luxury Conference e acabou numa esplanada do Terreiro do Paço, à conversa com o Observador.

Há oito anos, lançou a coleção de final de curso e, desde então, ainda não parou de crescer. Como é que o seu trabalho tem evoluído com a chegada ao grande mercado da moda?
O meu trabalho evoluiu porque sempre quis cimentar a minha identidade e isso exige um desenvolvimento profundo de cada coleção, desafiar os artesãos, inovar nos métodos de produção e, ao mesmo tempo, manter a silhueta feminina, cool e interessante. Para ter conseguido evoluir nestes últimos anos, foi essencial ter o foco no produto e em como as minhas criações traduzem, sejam malhas ou acessórios, quem eu sou e as minhas histórias.

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É de facto uma mercado gigante. A princípio, pode ser assustador para uma jovem designer independente?
Depende. Do ponto de vista criativo, tenho tido muita sorte. Além da minha equipa, trabalho muito com a Dover Street Market, uma marca completamente internacional que me deu a minha primeira shop in shop, em Londres. Pequim e Nova Iorque vieram depois. Trabalho com eles desde o início e eles deram-me, de facto, essa visão do mercado internacional.

Faz parte de uma geração de designers autodidata que teve de desenvolver muitas outras capacidades além da criativa. Foi o seu caso?
Sim. Na verdade, quando comecei, estava com um coletivo de jovens designers em Londres. Com o apoio do British Fashion Council, comecei a trabalhar com as primeiras lojas — a Dover Street Market, em Londres, e a Colette, em Paris. Aí, tivemos de criar uma estrutura. Foi quando comecei a trabalhar com a minha mãe e a experiência dela em vendas, distribuição e produção foi a coluna vertebral do arranque da marca. Mas acho que cresceu tudo de forma muito orgânica e eu própria também sempre tive uma visão muito prática. A minha criatividade é um mundo à parte, porque quando toca ao negócio eu sou mesmo muito prática.

Considera-se uma mulher de negócios?
Não. Giro o meu próprio negócio, mas não sigo os procedimentos clássicos de uma mulher de negócios. Sou demasiado criativa, tenho mesmo de juntar sempre as duas coisas.

Tem uma equipa composta, praticamente, só por mulheres. Isso é quase um manifesto feminista.
A minha equipa tem cerca de 30 pessoas, de todas as áreas: design, produção, vendas… São todas mulheres, temos apenas um homem, um designer. São muitas mulheres. E é engraçado porque, embora o meu trabalho gire em torno da feminilidade, não acho que seja feminista. Para mim, o feminismo hoje é quase uma inversão dos papéis de homens e mulheres e eu acho que têm de ser iguais. Mas sim, tenho uma equipa bastante forte. São todas fantásticas.

Muitos jovens designers optaram por concentrar os seus negócios online, mas a Simone abriu uma loja física à primeira oportunidade. Porquê?
Lá está, foi muito uma questão de cimentar a minha identidade e de fazê-lo com um contacto pessoal. As pessoas cujos negócios sempre admirei, como Comme des Garçons, Dries van Noten e Rick Owens, sempre afirmaram a sua identidade. Mesmo que tenhamos de estar atentos à forma como o mundo está a mudar — eu própria, com 31 anos, faço imensas compras online — criativamente, eu quero ter essa forma de afirmar a minha identidade e de fazer com que toda a gente sinta que faz parte do que faço. Se quiserem comprar online, ótimo, eu faço todas as compras de supermercado online, por exemplo. Mas continua a afetar o produto, que tem de ser tocado por seres humanos, tem de estar inserido numa experiência humana. E para mim, enquanto designer, esse feedback tem um valor incalculável.

Em agosto de 2015, Simone Rocha abriu a primeira loja, em Londres © Divulgação

E isso também lhe dá espaço para misturar moda e arte.
Exatamente. Por um lado, trabalho com os artistas para a criação de novas peças para a loja e para mostrar um ambiente diferente, por outro, é uma forma de mostrar a quem não está tão interessado no que faço que pode entrar na mesma para ver a peça da Louise Bourgeois, ver como ela me influenciou, como traduzi isso numa silhueta e como tudo resultou num vestido.

Então, além de um gosto, a arte também é uma fonte de inspiração?
Sim. Fui para uma universidade de artes, estudei moda e acabei por fazer um mestrado em moda também. Fiz sempre coisas com as mãos. Mesmo como designer, faço tudo modelando diretamente os tecidos, o meu trabalho é muito físico. Desenho, mas não uso o computador.

É filha de um designer de moda. Qual foi o papel do seu pai na decisão de seguir a mesma carreira?
Bem, foi a 100% um papel de pai, mesmo. No início, quando ele ainda estava no ativo, trabalhei para ele. Estava sempre no estúdio a apanhar alfinetes, a aprender como se cortavam os tecidos estampados, aprendi muito com ele. Quando criei a minha própria marca, num país diferente, percebi que tínhamos modelos de negócio completamente diferentes. Mas tive sempre o amor e o respeito dele. Oficialmente não trabalhamos juntos, mas ele está sempre por perto para me aconselhar e orientar, o que é uma sorte inacreditável.

E qual é a parte mais difícil de se ser uma jovem designer a tentar fazer vingar a sua própria marca?
O tempo. O dia não tem horas suficientes para conseguir fazer tudo o que se tem de fazer, para atingires o melhor das tuas capacidades. Sou absolutamente obcecada com o controlo e isso ainda me ocupa mais tempo, porque vou para uma sessão fotográfica, envolvo-me num projeto especial, vou ver o que as miúdas estão a vestir na loja. Isto não é mau, mas ocupa muito tempo.

A nova geração de designers tem novas preocupações na agenda: ambientais, éticas, sociais e mesmo de comunicação nas redes sociais. Sente-as no dia-a-dia?
É impossível não se estar atento. As redes sociais, por exemplo, são hardcore, mas não é só na moda. Deixaram as pessoas muito mais atentas para questões políticas, para as alterações climáticas e… para bumbags. Acho super importante esse alerta, mas também acho que é super importante mantermo-nos protegidos. Obviamente, não estou a dizer que devemos deixar de usar essas ferramentas, mas pelo menos não estar constantemente a alimentá-las. Celebridades, por exemplo. Eu não patrocino nenhuma celebridade. A Chloë Sevigny está sempre a usar roupa minha porque ela quer e porque é minha amiga de longa data. Prefiro estar envolvida de uma forma mais natural, enquanto designer, é como funciona para mim.

Essa posição faz parte da visão poética que tem da moda?
Exatamente. Tento sempre dizer coisas de forma sincera. Todas as imagens, o que escrevemos, é tudo bastante autêntico e não tanto como aquela grande campanha pela qual pagas. Não vais contratar aquele fotógrafo porque está super balado. É uma questão de pensar no que nos parece certo.

Imagem do desfile primavera-verão 2016, durante a Semana da Moda de Londres © Stuart C. Wilson/Getty Images

Quase podemos dizer que é uma outsider.
Decididamente, sinto que sou muito old school. A minha tribo sempre foi a da Dover Street Market, de Comme des Garçons, do Craig Green, mas eu entrei noutro mundo. Agora também trabalho para a Moncler, a desenhar coleções, e isso é entrar mesmo numa máquina de luxo muito maior. Tem sido ótimo, uma nova experiência de feminilidade e habilidades técnicas, mas em que posso manter a minha própria experiência artesanal e criativa.

Neste momento, a marca Simone Rocha tem uma relação com Portugal. Mas a sua relação pessoal com o país também é especial, não é?
Claro que é. Aliás, esse lado pessoal dá força e poder ao meu trabalho e o facto de ter uma herança portuguesa faz com que seja ainda mais maravilhoso trabalhar aqui. É algo novo. Nos últimos anos, trabalhei sempre dentro da Europa, mas ter estado no Porto foi realmente entusiasmante. Neste momento, estou a produzir a roupa e algumas outras peças em Portugal, a maioria dos acessórios continua a ser feita em Itália. Fiquei muito surpreendida com este talento histórico, com os bordados, com a filigrana. É tudo tão rico e detalhado e é algo que sempre procurei. Comecei a trabalhar com novos artesãos e vejo como conseguem modernizar estas artes. É muito interessante.

Imagina-se a fazer algo diferente nos próximos anos? Moda masculina, uma linha de cosmética ou infantil?
Uma coleção para crianças é demasiado cara e eu própria não gastaria 500 libras num vestido para a minha filha, por isso. Adoraria fazer uma linha de beleza, adoraria fazer mobiliário. Acho mesmo muito interessante trabalhar em áreas diferentes. Roupa masculina é a única coisa pela qual as pessoas perguntam mas não sei para quando será. Com as lojas, temos feito mais peças unissexo, por isso já temos vários clientes homens. Uma linha completa, não sei quando acontecerá, mas acho vou deixar isso com os rapazes.