Advogados da produtora de cinema Ar de Filmes enviaram a Deana Barroqueiro, no dia 11 de abril, um e-mail com “ameaças violentas” cujo “nítido objetivo” foi o de “tentar calar” a escritora, garante a visada em entrevista ao Observador.
“Dizem que tenho difamado a produtora, que tenho dito coisas que sei que não correspondem à verdade e se continuar a fazê-lo vão-me processar e exigir uma indemnização”, afirma. “Estas ameaças foram nitidamente uma tentativa de me calar. Acontece que nunca acusei a produtora, tenho-me referido apenas ao realizador.”
A Ar de Filmes é a produtora do mais recente filme de João Botelho, “Peregrinação”, estreado em novembro do ano passado e descrito por Deana Barroqueiro como uma adaptação não autorizada de um romance que publicou em 2012, O Corsário dos Sete Mares, editado pela Casa das Letras, uma chancela do grupo LeYa.
Deana Barroqueiro tem um advogado a tratar do assunto e este já terá respondido às alegadas ameaças da Ar de Filmes.
“Podem ir para tribunal e obrigar-me a pagar indemnizações, mas eu nunca poderei dizer o contrário disto: Botelho não adaptou Fernão Mendes Pinto, limitou-se a seguir o meu livro, que só muito levemente inclui elementos da Peregrinação. É um flagrante caso de plágio”, insiste Deana Barroqueiro. “Das duas uma: ou ele plagiou o meu romance ou eu tive uma premonição paranormal em 2012, quando escrevi o meu livro, e eu é que plagiei o Botelho por antecipação”, ironiza.
Contactada pelo Observador na segunda-feira à tarde, a Ar de Filmes fez saber que não comenta. A produtora tem sede em Lisboa e é dirigida por Alexandre Oliveira, produtor de cinema desde o fim da década de 90 e um dos fundadores do Teatro do Bairro.
João Botelho acusado de adaptação não autorizada. Filme é “presente envenenado”, acusa escritora
A acusação foi tornada pública em março, pela escritora, através do Facebook – depois de o filme de Botelho ter sido nomeado para os Prémios Sophia 2018, da Academia Portuguesa de Cinema, na categoria Melhor Argumento Adaptado (adaptação da obra de Fernão Mendes Pinto).
Deana Barroqueiro, de 72 anos, antiga professora de Português e Literatura no Liceu Passos Manuel, em Lisboa, diz que o realizador induz o público em erro ao apresentar o filme como uma adaptação da Peregrinação e garante que não foi contactada antes de a película chegar às salas. Entende que O Corsário dos Sete Mares deveria ter sido creditado na ficha técnica e não se conforma com a mera inclusão do seu nome nos agradecimentos do genérico final.
[trailer de “Peregrinação“, de João Botelho]
O caso tem dado origem a comentários na comunicação social e nas redes sociais da internet. João Botelho não quis responder a perguntas dos jornalistas, mas a 12 de abril fez publicar um artigo de opinião no jornal Público onde disse sentir “revolta e indignação” perante a “campanha difamatória” de que se sente alvo. Garantiu que “uma ínfima e irrelevante parte” do romance de Deana Barroqueiro serviu de “inspiração” para duas das 78 cenas do filme.
Porém, numa mensagem que dirigiu a Deana Barroqueiro em dezembro, e que esta divulgou no Facebook, o realizador dissera que O Corsário dos Sete Mares tinha sido “forte inspiração para algumas cenas do filme”.
Deana Barroqueiro responde nesta terça-feira ao artigo de Botelho, nas páginas do mesmo jornal.
“Assim que li o artigo do dia 12 comecei a escrever uma carta a título de Direito de Resposta e enviei-a para o Público. Depois telefonaram-me a perguntar se eu mantinha a carta ou se preferia que o meu texto tivesse destaque como artigo de opinião, tal como tinham feito com o de Botelho, e eu disse que preferia a segunda hipótese”, explica a escritora ao Observador. “Respondo ponto por ponto ao artigo de Botelho, mas deixei de lado os insultos que me dirigiu.”
A escritora adianta ainda que há poucos dias recebeu resposta aos e-mails que enviou para o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), entidade pública que financiou em 600 mil euros o filme de Botelho.
“Para meu espanto, o ICA limitou-se a dizer que contactou a produtora e que esta lhe enviou uma justificação. Ora, a justificação é praticamente igual ao artigo de Botelho que saiu no Público. Pelos vistos, o ICA aceita a explicação de uma das partes e não tem nada a acrescentar”, critica Deana Barroqueiro.
Em favor da tese de plágio, além dos muitos exemplos de cenas semelhantes no romance e no filme, a escritora tem apresentado o acordo que a LeYa e a Ar de Filmes estabeleceram há cerca de cinco meses para que O Corsário dos Sete Mares passasse a ostentar uma cinta com a frase “Peregrinação. Um filme de João Botelho. Inclui episódios adaptados do romance O Corsário dos Sete Mares.”
“Se o que digo não é verdade, como é que a produtora aceitou aquela frase?”, pergunta Deana Barroqueiro. “O meu advogado está a estudar o caso e vamos ver o que se decide nos próximos dias.”