O conselho de administração do Sporting reuniu-se este segunda-feira com Jorge Jesus, a equipa técnica e jogadores, no Estádio de Alvalade. As primeiras informações davam conta de que Bruno de Carvalho tinha suspendido o treinador e a equipa técnica, quando faltam apenas alguns dias para a final da Taça de Portugal. Poucas horas depois, o presidente leonino saía do estádio e garantia aos jornalistas que não havia suspensão alguma.

Uma coisa parece certa: o ambiente em Alvalade já foi melhor e a relação entre Jorge Jesus e Bruno de Carvalho já viu dias mais positivos. Mas esta história não começou no Sporting. Como diz um famoso suricata na introdução do terceiro filme de ‘Rei Leão’, “vamos voltar mais atrás. Até antes do princípio”.

Quando Jesus treinava no outro lado da 2.ª Circular

Em setembro de 2013, Jorge Jesus treinava o Benfica. Na 5.ª jornada, a equipa visita Guimarães e, antes do jogo, o treinador queixa-se de um suposto favorecimento da arbitragem aos rivais Sporting e FC Porto: “Claro que se formos ajudados por terceiros — os terceiros são os nossos outros adversários, com quem os nossos rivais diretos jogam –, para que percam pontos, as coisas tornam-se mais fáceis. E o que é verdade é que tem havido algumas situações que têm favorecido os nossos concorrentes mais diretos. É verdade.”

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Na mesma jornada, o Sporting recebia o Rio Ave. O jogo terminou empatado e os sportinguistas queixavam-se de uma grande penalidade que ficara por marcar. Bruno de Carvalho não se quis desculpar com isso, dizendo que não valia “a pena esconder com um erro a pior exibição da época do Sporting”. No entanto, num jantar da Associação de Futebol de Lisboa, criticou a suposta pressão que Jorge Jesus exerceu sobre a arbitragem antes da jornada: “Há treinadores que deveriam preocupar-se mais em treinar as suas equipas e colocá-las a jogar futebol”.

Dois meses depois, em novembro, Benfica e Sporting encontraram-se na Luz. Os encarnados ganharam por 4-3, com um golo de Luisão no prolongamento, e Bruno de Carvalho atirou-se à arbitragem e a Jorge Jesus, não esquecendo o famoso “limpinho, limpinho”, da época anterior.

Os comentários palermas que têm vindo a ser feitos pelos comentadores, pelo treinador da equipa adversária: o ano passado foi ‘limpinho, limpinho’, este ano foi arbitragem ‘muito boa'”

Bruno de Carvalho vs Jorge Jesus. Quando eles não gostavam um do outro

A mudança para Alvalade e a união

O verão de 2015 ficou marcado por um dos episódios mais marcantes do futebol português. Jorge Jesus terminou o contrato com o Benfica, não renovou e Bruno de Carvalho foi buscá-lo. Na apresentação, no primeiro dia de julho, o treinador prometeu que o Sporting seria candidato “a todos os títulos em Portugal”. No final, os dois abraçaram-se e saltaram. O ambiente estava bom em Alvalade e os conflitos entre os dois pareciam resolvidos. No mesmo dia, durante a Gala Honoris Sporting, no Coliseu dos Recreios, o presidente do clube dizia que “a apresentação de Jesus foi um bom momento para todos os sportinguistas”, que mereciam “uma nova onda de esperança”.

O primeiro contrato de Jorge Jesus terminava em 2018, mas em maio de 2016, e depois de alguma especulação quanto ao futuro do treinador, a renovação até 2019 foi anunciada. “Eu e o Jorge somos homens de paixões e projetos. Assim conseguimos solidez para mais três épocas. Hoje é mais um dia de grande felicidade para a família sportinguista”, disse na altura Bruno de Carvalho. O treinador dizia que a confiança do presidente tinha mexido com ele.

Quero agradecer a confiança que a direção e a SAD depositaram em mim e na minha equipa técnica. O presidente convidou-me há dois meses para renovar por mais um ano, apesar de ainda ter dois de contrato. Essa confiança mexeu comigo e levou-me a pensar que era isto que queria e que é o melhor para o Sporting. Em 10 meses, fizemos um trabalho espetacular. O Sporting vai estar mais forte. Penso que acordámos o leão. Portanto, estou extremamente satisfeito e feliz por dar continuidade ao meu trabalho. Mais um ano de trabalho. Obrigado a todos”.

Em novembro de 2016, ficou famoso o caso entre Bruno de Carvalho e o presidente do Arouca, Carlos Pinho, no túnel de Alvalade. Houve acusações de um lado e outro, e quando foi questionado sobre o assunto, Jorge Jesus defendeu o presidente: ” Não tinha visto nada e sei o mesmo que vocês. Vi imagens e, como diz o filósofo chinês [Confúcio], uma imagem vale por mil palavras. O comportamento do presidente do Sporting foi sereno. Ele foi verbalmente e fisicamente agredido e teve um comportamento de grande estabilidade e à altura da responsabilidade do momento”.

Um mês depois, em entrevista ao Correio da Manhã, Bruno de Carvalho elogiou o treinador, dizendo que o salário do treinador até era “barato”.

Fizemos as duas vendas mais caras de sempre da história do clube. Até acho que é barato. Acha que aquele abraço no final do dérbi foi hipocrisia? Não foi, estamos unidos no projeto. É o treinador deste projeto vencedor e não vai sair”

Em janeiro de 2017, Bruno de Carvalho começava a corrida para as eleições no Sporting, contra Pedro Madeira Rodrigues, e convidou Jorge Jesus para fazer parte da Comissão de Honra da sua lista: “Tenho o privilégio e o orgulho de poder contar na minha Comissão de Honra com o treinador Jorge Jesus”, escreveu na altura no Facebook”.

Ainda a propósito das eleições, o presidente leonino deu uma entrevista ao semanário Sol, na qual foi questionado sobre se, em momentos mais complicados desportivamente, já tinha tido intenção de despedir o técnico.

Nem pouco mais ou menos. Nunca, nunca. Era o dia em que me estava a acontecer o que acontece aos iogurtes: os iogurtes são muito bons mas têm prazo de validade. A certa altura aquilo começa a estragar e temos de os deitar para o lixo. Era o dia em que estava completamente louco, porque pôr em causa o projeto por um mau momento seria não perceber nada do que se está a construir. Não tenho dúvida nenhuma de que muita gente que disse muita coisa vai-se arrepender porque eu e os sportinguistas vamos ser muito felizes com este treinador e acumular vários títulos. Por isso jamais em tempo algum me passou isso pela cabeça. Continuo a dizer: aí era o momento em que o adepto Bruno de Carvalho tinha de afastar o Presidente, porque o Presidente não estava bem”.

Em março, dizia ao Record que era sua intenção manter Jorge Jesus até ao final do mandato, ou seja, até 2021. No mesmo mês, era também altura de o treinador se colocar ao lado do presidente. Bruno de Carvalho tinha dito que o Benfica era o “campeão das queixinhas” de arbitragem e Jorge Jesus apoiou o líder: “Se as queixas compensam? Eles [Benfica] julgam que sim. É uma forma de te quererem calar. Mas o nosso presidente já falou e falou muito bem. Esteve à altura dos queixinhas”.

No Natal do ano passado, o Sporting partilhou nas redes sociais um vídeo de Bruno de Carvalho a fazer vários telefonemas onde deseja “boas festas”. Um dos telefonemas foi precisamente para Jorge Jesus: “Era só para lhe desejar um bom Natal e que venha a todos os nossos jogos até maio para comemorarmos juntos o nosso campeonato”, dizia o presidente.

https://www.facebook.com/SportingClubePortugal/videos/10154935624556555/

A tensão pós-Madrid

Antes do jogo dos quartos-de-final da Liga Europa em Madrid, Bruno de Carvalho deu uma entrevista à EFE, onde garantia que Jorge Jesus ia continuar no Sporting na próxima época. Algumas horas depois tudo mudou. O Sporting perdeu, com dois golos a resultar de erros defensivos e o presidente demonstrou o desagrado no Facebook. Os jogadores não gostaram e, no dia seguinte, partilharam uma mensagem a condenar as palavras do líder. No mesmo dia, Bruno de Carvalho recorria outra vez ao Facebook, onde anunciava a suspensão dos jogadores. O castigo acabou por ser levantado depois de uma reunião de emergência, mas o ambiente em Alvalade não mais foi o mesmo.

Este domingo, o Sporting perdeu na Madeira e perdeu também a oportunidade de garantir uma vaga na 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Antes do jogo, Jorge Jesus foi questionado sobre as palavras do pai de Bruno de Carvalho numa publicação no Facebook, na qual questionava o salário do treinador. O técnico disse que “de certeza” o presidente não se revia nas palavras do pai e Bruno de Carvalho respondeu.

[Jorge Jesus] Tem o direito de ter opinião. Também tinha pedido internamente às pessoas para não comentarem o caso e, por isso, tenho pena que comentem. Não estou muito de acordo com o que o meu pai disse, mas tenho orgulho por ser meu pai. Ao menos deu a cara. Jorge Jesus também não gosta, apesar de serem amigos, quase irmãos, das alarvidades de Octávio Machado, Rui Santos e João Bonzinho. Tenho a certeza que não se revê nas alarvidades e mentiras”.

Depois da derrota na Madeira, a equipa foi contestada no Aeroporto Cristiano Ronaldo e, mais tarde, à saída do Estádio de Alvalade. Esta segunda, equipa técnica e jogadores foram chamados a uma reunião. A garantia de Bruno de Carvalho é de que “ninguém foi suspenso”.

O poder do Benfica, a liderança de Jesus e a fama de maluco: a entrevista de Bruno de Carvalho ao Expresso