Um artigo científico que relacionava a vacina contra o HPV (papilomavírus humano) com danos neurológicos foi retirado pela revista que o publicou, a Science Reports do grupo Nature. Para muitos dos críticos do artigo, esta decisão devia ter sido tomada mais cedo. Os autores, no entanto, continuam a acreditar nos resultados e não concordam com a decisão.

O editor vai retratar este artigo porque a abordagem experimental não apoia os objetivos do estudo”, lê-se na nota da revista que justifica a retirada do artigo [que vai continuar disponível on-line]. “O estudo foi desenhado para avaliar as implicações da vacina contra o papilomavírus humano (Gardasil) no sistema nervoso central. Contudo, a administração conjunta da toxina pertussis [que causa tosse convulsa] com níveis elevados da vacina contra o HPV não é uma abordagem adequada para determinar os danos neurológicos que a vacina contra o HPV pode causar só por si.”

A primeira questão que se coloca é: como é que uma revista, cujos artigos são revistos por pares (especialistas da área), deixa passar um artigo para depois dizer que a abordagem não foi adequada? O Observador colocou esta questão à revista.

Em segundo lugar: porque é que a revista demorou tanto tempo a retratar o artigo? O artigo da equipa da Universidade Médica de Tóquio foi originalmente publicado a 11 de novembro de 2016, mas só foi retratado 18 meses depois (a 11 de maio de 2018). Não por falta de aviso. Pouco tempo depois de publicado, dois grupos escreveram à revista Scientific Reports e à editora Nature Publishing Group alertando para os problemas com a experiência, refere a Science Magazine. Entre os alertas, era referido que a dose testada nos ratos, pelo equipa de Toshihiro Nakajima, era muito superior à que era normalmente dada nas vacinas em humanos, que era usada uma toxina (que consegue destruir uma barreira no cérebro que impede a passagem de substâncias estranhas) e que os dados apresentados não eram consistentes com a descrição dos resultados, entre outras coisas.

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Desde que foi publicado (e até ao momento em que este artigo foi publicado), o artigo tinha sido partilhado mais de mil vezes no Twitter, segundo as estatísticas da própria revista. O artigo, que alguns críticos apelidam de pseudociência, teve tempo suficiente para ser disseminado nas redes sociais e serviu para apoiar quem já se mostrava contra a vacina. No Japão, por exemplo, os relatos de mulheres que alegadamente tinham sofrido efeitos secundários depois da vacina e os movimentos anti-vacinação conseguiram que o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar japonês deixasse de recomendar a vacina — usada para prevenir o cancro do cólo do útero — em junho de 2013 (apenas dois anos depois da vacina ter sido tornada gratuita).

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Por último: a notificação de que um artigo foi retratado nunca terá tanto impacto na comunidade científica, opinião pública, media ou redes sociais como o artigo original. A informação contida no artigo original pode continuar a ser disseminada por detratores da vacina contra o HPV. “Infelizmente, não acredito que esta retratação vá afetar a opinião pública, porque suspeito que os cidadãos japoneses nem sabem da sua publicação”, disse Sharon Hanley, epidemiologista na Universidade de Hokkaido, em Sapporo (Japão), citada pela Science Magazine. Mas a especialista em cancro espera que pelo menos o governo japonês possa usar esta informação para voltar a recomendar a vacina.