O dia 15 de maio de 2018 começou mal para o Sporting. Antes ainda de 50 encapuzados entrarem em debandada na Academia do Sporting, em Alcochete, e agredirem jogadores, treinadores e funcionários leoninos, o clube foi envolvido num alegado esquema de corrupção com subornos a árbitros de andebol para terminar com um jejum de títulos de 16 anos na modalidade.

A teia, denunciada pelo intermediário Paulo Silva, seria orquestrada pelo team manager – então diretor para as modalidades – André Geraldes. João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues serviam como interlocutores entre Silva e Geraldes. Gonçalo Rodrigues, coordenador do Gabinete de Apoio ao Atleta e Modalidades Profissionais do Sporting e braço direito de Geraldes, foi a primeira peça a cair do tabuleiro de xadrez: ainda na terça-feira, pediu a suspensão de funções.

O xeque-mate aconteceu esta quarta-feira. Ao final da manhã, depois de buscas da Polícia Judiciária na SAD do Sporting e em casa de Paulo Silva, os quatro elementos do alegado esquema foram detidos. André Geraldes incluído.

Mas, ao que parece, o andebol era apenas o início do novelo. O Correio da Manhã e a SIC revelaram novas mensagens de WhatsApp, escritas e de voz, que alargam a suposta teia de corrupção até ao futebol profissional. Desta vez, ao invés de árbitros, Paulo Silva, que denunciou todo o esquema, conta que foi contactado pelos três elementos do Sporting para subornar jogadores adversários. Em causa estará o jogo em Guimarães, a 19 de agosto de 2017, que terminou com uma goleada dos leões por 5-0, e um outro, posterior, que ainda não se sabe qual é.

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Leia as novas mensagens divulgadas e a respetiva explicação:

O jogo com o Vitória de Guimarães

O Sporting foi campeão nacional de andebol a 31 de maio de 2017. Em agosto, com o arranque da temporada de futebol – e a subida de André Geraldes a team manager, para substituir Otávio Machado – Paulo Silva reatou conversas com João Gonçalves. O interlocutor pergunta se “o gajo está mesmo” com o Sporting.

João Gonçalves: Liga por aqui.

Paulo Silva: Liga.

João Gonçalves: Tudo certo? Falaste?

João Gonçalves: O gajo está mesmo connosco? Não podemos falhar. É muito importante.

A 16 de agosto, quando faltavam três dias para o jogo, João Gonçalves insiste com o intermediário. Era necessário assegurar a vitória: o Sporting tinha vencido os dois primeiros jogos do campeonato, com o Desp. Aves e o Vitória de Setúbal, e o objetivo era conquistar o título nacional que escapa ao clube desde 2002.

João Gonçalves: Não podemos falhar. É muito importante.

Paulo Silva: Vai correr bem.

E corre tudo bem. O Sporting goleia o Vitória de Guimarães por 5-0, com dois golos de Bruno Fernandes, outros dois de Bas Dost e um de Adrien Silva. Minutos depois do jogo terminar, João Gonçalves envia uma mensagem a Paulo Silva onde lhe diz que “o Aureas portou-se bem”. Será João Aurélio, médio português do Vitória de Guimarães, que é mencionado pelo próprio nome mais tarde.

João Gonçalves: Correu bem. O Aureas portou-se bem. Amanhã combinamos a entrega.

No dia seguinte, a entrega do dinheiro. Combinam o encontro com o jogador nas imediações do Estádio D. Afonso Henriques, do Vitória de Guimarães. João Gonçalves informa Paulo Silva que o “chefe” – alegadamente André Geraldes – está satisfeito. João Aurélio fez uma falta à entrada da área cujo livre deu golo de Dost. O jogador português pode agora ser acusado de corrupção passiva e é indiferente o facto de ter tido ou não intervenção direta no resultado da partida. 

Paulo Silva: Combinado amanhã perto do Afonso.

João Gonçalves: Ok.

João Gonçalves: Correu tudo bem.

Paulo Silva: Sim.

João Gonçalves: O chefe gostou.

Paulo Silva: Ok.

O jogador que “não foi escandaloso”

Semanas depois, voltam a falar através de uma chamada de voz via WhatsApp. O tema é um outro jogador, “Bruno”, que para Paulo Silva teve mais influência no resultado final do jogo do que havia tido João Aurélio. O intermediário conta que o futebolista – que deverá ser brasileiro, pelo que revela o sotaque que Paulo Silva tenta imitar – “não foi escandaloso” mas fez o que lhe tinha sido pedido. É notório que os interlocutores estão a hesitar.

Paulo Silva: Já falei com o rapaz. E o que o rapaz me disse… eu perguntei-lhe: ‘Então, pá? Podia-se ter feito mais alguma coisa.’ E ele: ‘Ó cara, como posso fazer mais alguma coisa? Eu tinha dito que não ia dar escandaleira. Fiz o possível. Alheei-me do jogo muita vez. Fiz uma falta que podia ter dado golo. E se o… não tem feito penálti, eu fazia o penálti. Era a última chance para ganhar o meu’. Foram assim as palavras dele. Portanto, eh pá, se o chefe quiser pagar, paga, se não quiser pagar, não paga, estou-me a cagar para isso. Acho que o puto fez o trabalho dele. Muito honestamente. Não foi escandaloso, mas fez. Se vires este jogo do Bruno e se vires o jogo do João Aurélio, epá se olhares para um e para o outro eu acho que este gajo teve muito mais influência que o João Aurélio. O jogo também é diferente… mas este gajo para mim teve mais influência que o João Aurélio.

A referência ao penálti deixa perceber que o jogo em questão deverá ser o Feirense-Sporting, a 8 de setembro, que terminou com a vitória dos leões por 2-3. O golo da vitória foi marcado por Bas Dost, de grande penalidade, ao sétimo minuto de descontos.

Gonçalo Rodrigues recorda que João Gonçalves tem de ser sempre informado

Dias depois, Gonçalo Rodrigues, o dirigente que é braço direito de Geraldes, lembra Paulo Silva que não pode tomar decisões nem adotar qualquer atitude sem falar a priori com João Gonçalves porque este tem “uma relação muito boa” com André Geraldes – esta mensagem é a quase confirmação do papel de liderança que o team manager do Sporting desempenhava no alegado esquema de corrupção.

Gonçalo Rodrigues: Mas ouça lá uma coisa. Você não faça isto à revelia do João Gonçalves, atenção, porque o André tem uma relação muito boa com o João. Tudo isso que é jogadores e entradas aqui tem que passar pelo João, por isso veja lá, mesmo para não estar a arranjar problemas para si, não faça isso à revelia dele.

Mais tarde, é o próprio João Gonçalves que pede a Paulo Silva para o “pôr sempre a par”.

João Gonçalves: Com determinadas coisas, mandas-me uma mensagenzinha ou coiso. ‘Olha, já está tratado, já falei, já…’ Estás a perceber?
Porque a outra pessoa liga é para mim, pá, percebes? Por vários motivos. Estás a perceber ou não? Portanto, faz isso conforme combinado. Mete o Gonçalo a par, que é ele que está a coiso, a organizar as coisas. Mas tens de me pôr sempre a par a mim, percebes? Porque senão depois as pessoas vêm para cima de mim e eu não sei o que é que estou a dizer, quer dizer, nem sequer posso dar como desculpa que estou longe, porque isto não é assim. As coisas têm de estar organizadas, percebes?

O jogador que alinhou e depois recuou

Em conversa com Gonçalo Rodrigues, Paulo Silva explica que o dinheiro proposto pelo Sporting para alegadamente corromper os jogadores não é suficiente. E revela que um futebolista adversário aceitou entrar no esquema mas acabou por ser “um dos melhores jogadores em campo”.

Paulo Silva: eu fui oferecer três a um jogador que me mandou às couves. Foi o tal que me disse que, eh, pá…’vá catar pulgas.’ Eu não sou mágico, como deve calcular. Portanto, ou nós vamos, de uma forma convincente… porque eles dizem que sim, depois vão pensar. Depois é dos melhores jogadores em campo. Eu ontem liguei-lhe e o que ele me disse foi: ‘Eh pá e tal… falei com o meu pai e o meu pai disse para eu não me meter nisso e não sei quê, pá. Também não ficava rico com isso. Nem era um valor que fosse assim tão substancial.’ E estamos a falar neste caso até de seis mil. São coisas que eu não controlo e as pessoas têm de perceber que muitas das vezes ou se vai com um valor que mexa com as pessoas ou então mais vale estar quieto. Porque, eh, pá, eles já ganham todos na casa dos seis, sete. Eh pá, vamos oferecer quatro? Neste último caso até não. Foram seis. Eh, pá, mas nós temos ido com os putos à missa. Com pouco, com pouco. E os jogadores dizem que sim, uma vez, e depois fazem uma coisa completamente errada a seguir. Eh pá, e eu não controlo isso porque, de facto, nós temos ido com os putos à missa, em valor. Pronto. Eu faço isto, dá uns trocos, como deve calcular, mas não me põe rico, nem me põe maravilhosamente cheio de dinheiro, portanto, eu faço isto também pelo muito amor que tenho ao Sporting. Mas Gonçalo, eu tenho uma enorme consideração por si. Enorme. Grande abraço.

O jornal Record avança que serão seis os jogos de futebol sob suspeita e investigação relacionados com o Sporting: V. Guimarães, Feirense, Desp. Chaves, Tondela, Desp. Aves e Estoril. A indicação terá sido dada por Paulo Silva, um dos alegados intermediários neste esquema que teria sido montado pelos leões. A CMTV acrescenta que nem todas as tentativas de subornar jogadores chegaram a ser efetivadas, o que, em termos de quadro legal, não deixa de ser passível de investigação.