Desde meados do ano passado a cobrança de IVA em cada litro de combustível subiu mais de dois cêntimos por litro — 2,4 cêntimos no gasóleo e 2,2 cêntimos na gasolina, de acordo com os preços médios semanais reportados pelas autoridades portuguesas à Comissão Europeia. Se a contagem começar no início do ano, o acréscimo no IVA cobrado supera um cêntimo por litro nos dois combustíveis. São os efeitos da valorização do petróleo que em euros já subiu mais de 21% este ano.

Dois cêntimos por litro pode parecer pouco, mas quando se multiplica o valor pelos milhões de litros vendidos todos os dias, a soma não é irrelevante para os cofres do Estado. Dados sobre as vendas de combustíveis em 2017, compilados a partir da informação da Direção-Geral de Energia e Geologia, indicam que em média se vendem por semana em Portugal cerca de 24,5 milhões de litros de gasolina e 100 milhões de litros de gasóleo. Com base nestes números, e partindo de um acréscimo de cobrança superior a dois cêntimos por litro no IVA, chegamos a uma receita adicional da ordem dos três milhões de euros por semana, que vem em grande medida do diesel. Um contributo que estará a ajudar a receita de IVA que até marco cresceu 8%, face a igual período do ano passado, quase o dobro dos 4,5% previstos. Já o imposto petrolífero estava a crescer 2,4%.

Com o petróleo em rota ascendente há vários meses e aumentos semanais do preço final, os partidos à direita e à esquerda do PS unem-se no pedido ao Governo para baixar o imposto sobre os combustíveis. O peso da carga fiscal vai voltar ao Parlamento num debate promovido pelo PSD esta quinta-feira. Já no debate quinzenal, o primeiro-ministro foi questionado sobre se tencionava baixar o imposto petrolífero para suavizar o impacto do agravamento do petróleo nos preços finais. Primeiro por Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e depois por Assunção Cristas do CDS que exigiu a eliminação do aumento extraordinário de cinco cêntimos do imposto sobre os produtos petrolíferos decidido em 2016, no primeiro Orçamento do Estado do Executivo socialista.

Desde novembro de 2014 que petróleo não negociava acima dos 80 dólares por barril

Evolução do preço do petróleo Brent em dólares no último ano. Fonte: Bloomberg

A pressão sobre o preço dos combustíveis começou a fazer-se sentido já no ano passado. Desde julho de 2017 que o preço do petróleo tem vindo a valorizar nos mercados internacionais de forma mais ou menos consistente. E nas últimas semanas foram atingidas cotações próximas dos 80 dólares por barril — Catarina Martins lembrou que o Orçamento do Estado prevê o petróleo 54,8 dólares — levando a aumentos consecutivos do preço final nas bombas.

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Desde o início do ano, o gasóleo subiu nove cêntimos por litro e a gasolina mais de sete cêntimos. Ainda que António Costa tenha razão quando diz que estes aumentos são provocados pela subida do preço antes de impostos, a verdade é que o Estado também está a ganhar. E porquê? Porque mesmo sem aumentar o imposto — e na verdade o ISP foi atualizado no início do ano (mais 0.5 cêntimos no gasóleo e mais 0.7 cêntimos na gasolina — cobra mais em IVA quando o preço antes de impostos sobe. E o que tem vindo a acontecer.

Por isso é que Catarina Martins disse a António Costa que o Governo “tem toda a margem para baixar o ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) sem perder a receita fiscal”, lembrando a promessa feita em 2016 de neutralidade fiscal, ou seja, a de que imposto seria reduzido em função da valorização do petróleo, na medida em que esta permitiria um maior encaixe no IVA como tem acontecido aliás nos últimos meses. Foi aliás, o efeito contrário, a descida do preço do petróleo entre 2015 e 2016, que serviu de justificação ao Executivo para fazer uma subida extraordinária do imposto petrolífero, de forma a compensar a perca do lado do IVA.

Parece-nos claro. Está na altura do Governo fazer o que disse que ia fazer e rever o ISP e garantir a neutralidade fiscal prometida.”

António Costa já afastou uma baixa do imposto. No debate quinzenal  disse que o Governo ia manter a política até agora seguida e defendeu, em resposta à coordenadora do Bloco, uma maior estabilidade, com base em indicadores fundamentais e “menos agitação com base em previsões” que poderiam mudar em poucas semanas. O primeiro-ministro até deu números que contrariam a tese do aumento da carga fiscal dos combustíveis, garantindo que desde que o atual Governo entrou em em funções o peso dos impostos no preço final do gasóleo baixou de 59,6% para 57,2% e no preço final da gasolina caiu de 70,6% para 64,6%.

Mais de metade do preço dos combustíveis resulta de taxas e de impostos

Não disse qual o período temporal considerado para estas comparações. E questionado pelo Observador, o gabinete do primeiro-ministro não deu informação sobre quando e como foram feitas as contas à evolução da carga fiscal. A mesma comparação efetuada pelo Observador, e tendo por base os preços médios praticados em todo o ano de 2015, ou até nas primeiras semanas do Governo (até fevereiro de 2016, quando houve o aumento extraordinário do imposto), e o preços médios praticados desde o início deste ano, dão sempre o mesmo resultado, que é contrário ao apontado por António Costa. A carga fiscal sobre os combustíveis foi agravada com o atual Governo em funções.

Bastaria contudo escolher uma semana ou um período em que os preços estivem muito baixos, como o que aconteceu quando o Executivo entrou em funções para que o peso dos impostos fosse empolado. Já durante o debate, o deputado socialista Carlos Pereira, adiantou que essa comparação foi feita entre maio de 2015 — sem explicar porquê este mês — e maio de 2018.

Quanto mais baixo o preço, mas pesam os impostos, e quanto mais sobe preço, mas se dilui a carga fiscal. Independentemente deste exercício, é evidente que o Estado está a cobrar muito mais imposto por cada litro de combustível vendido desde 2016. Não só porque aumentou o imposto petrolífero, acima do que aconteceu em anos anteriores, mas  também por via do acréscimo no IVA arrecadado que acaba por também pesar no preço final.

O “enorme aumento” de impostos no gasóleo: Estado cobra mais 9 cêntimos por litro desde 2016