O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) registou na manhã desta sexta-feira uma moção de censura ao Executivo liderado por Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP). Em causa está a sentença do caso Gürtel, onde não só foi condenado o antigo tesoureiro do PP Luis Bárcenas, como o próprio partido, por um esquema de corrupção que permitiu o financiamento ilegal do partido durante a liderança de José Maria Aznar. O tribunal deu ainda como provada a existência de um ‘saco azul’ do PP. Rajoy já reagiu, acusando Sánchez de estar a tentar chegar ao poder “a qualquer preço”.

Antigo tesoureiro do PP espanhol condenado a 33 anos de prisão

A moção de censura poderá ser aprovada, até porque o Ciudadanos abriu a porta à possibilidade de votar a favor dela caso Rajoy não convoque eleições antecipadas. “Ou convoca eleições o senhor Rajoy, ou convoca o Congresso dos Deputados através de uma moção de censura”, declarou o porta-voz José Manuel Villegas. “O senhor Rajoy não pode continuar a esconder-se”. Villegas não deixou claro, contudo, se o Ciudadanos apoia o texto de Sánchez ou se apresentará a sua própria moção. Tudo depende dos argumentos apresentados: para os naranjas, qualquer moção de censura só valerá se for “instrumental”; isto é, se defender apenas a convocação de eleições e não outros temas.

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O líder do PSOE, Pedro Sánchez, passou todo o dia de quinta-feira reunido com os seus conselheiros mais próximos para decidir como reagir à sentença. Esta sexta-feira, o socialista avançou oficialmente com a apresentação de uma moção de censura a Rajoy. A sentença do caso Gürtel causou “indignação”, declarou Sánchez. “A situação que o nosso país está a atravessar é extraordinária.” Para o socialista, o culpado pela situação de “desafeção política” e de “crise de confiança” é Mariano Rajoy.

Fontes do partido explicavam ainda na quinta-feira ao El País que a moção terá como fundamentação o facto de a sentença da Audiência Nacional implicar diretamente o partido do chefe de Governo e porque, considera o PSOE, a resposta do Executivo foi insuficiente. Ainda antes de ser conhecida a sentença, Rajoy declarou que “o PP é muito mais do que 10 ou 15 casos isolados”.

Sánchez tomou a decisão depois de vários socialistas destacados terem emitido publicamente opiniões sobre a necessidade de reagir. O presidente da Comunidade de Valência, Ximo Puig, defendeu abertamente uma moção de censura em entrevista a Cadena SER, enquanto Francina Armengol, presidente das Baleares, decretou que “Espanha não merece ser governada por um partido condenado por corrupção”.

Ciudadanos apoiará uma moção de censura “instrumental” se Rajoy recusar convocar eleições

O PSOE irá tentar derrubar Mariano Rajoy, mas não é certo que o consiga. Para uma moção de censura ser aprovada, relembra o El Español, a maioria simples no Congresso não chega. Um Governo só pode ser derrubado com uma maioria absoluta a aprovar a moção, ou seja, 176 votos.

Subitamente, esse cenário tornou-se mais provável com o anúncio do Ciudadanos, na manhã desta sexta-feira, de que irá pedir ao chefe de Governo que convoque eleições antecipadas — e, caso este recuse, que votará a favor de uma moção de censura no Congresso, deitando abaixo Rajoy e o seu Executivo. “A legislatura está liquidada pelos casos de corrupção que atacam o partido no Governo. Há que dar voz aos cidadãos”, declarou Villegas numa conferência de imprensa. Nessa comunicação, o partido explicou que quer “serenidade” e pedirá a Rajoy que seja ele a convocar eleições, mas deixou claro que, caso tal não aconteça, apoiará uma moção de censura “instrumental” para levar os espanhóis às urnas.

Para isso, o Ciudadanos pede como condição que o texto da moção seja claro ao pedir apenas eleições e não a defender ideias “separatistas” como as que podem ser apresentadas pelos partidos Esquerda Republicana Catalã (ERC), Partido Nacional Basco (PNV) e Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT), que defendem, por exemplo, o fim da aplicação do Artigo 155 na Catalunha. Esta alínea complica mais as contas, porque Sánchez deixou claro que pretende afastar Rajoy, liderar um Governo de transição e só depois convocar eleições, não esclarecendo em que prazo. E sublinhou que falava “a todos os 350 deputados do Congresso”, incluindo os independentistas.

Até há alguns dias, parecia improvável que o partido liberal se unisse aos socialistas, o que tinha levado o porta-voz da Comissão Executiva, Óscar Puente, a comentar que, “por mais voltas que se dê, não há votos para uma moção de censura”.

Por outro lado, relembram fontes do PSOE ao El Español, a jogada pode ser inteligente, já que coloca pressão política sobre os naranjas — que estão em primeiro lugar nas sondagens: “Ninguém vai acreditar neles quando falam de regeneração se continuarem a apoiar um PP corrupto”, comentou um dirigente socialista.

O líder do Ciudadanos, Albert Rivera, já tinha deixado no ar a possibilidade da convocação de eleições na quinta-feira,  quando se pronunciou sobre a sentença do caso Gürtel: “Isto muda tudo”, sentenciou.

Rajoy: “Quem tem mais credibilidade? Um dirigente político que tem 84 deputados ou um que tem 134?”

O presidente de Governo espanhol e líder do PP, Mariano Rajoy, reagiu ainda durante esta sexta-feira ao anúncio de Sánchez. “Esta moção vai contra a estabilidade de que Espanha tanto precisa”, afirmou, destacando a forma como afeta a recuperação económica do país. Rajoy aproveitou o momento para criticar duramente o líder do PSOE: “Esta moção é feita tendo como único interesse os do senhor Sánchez, que perdeu eleições duas vezes — e que ficou com o numero de deputados mais baixo desde 1977”, disse. “Esta moção não tem outro objetivo que não seja o de Sánchez ser chefe de Governo, seja a que preço for.”

Rajoy aludiu ainda aos parceiros de que o PSOE necessitará para aprovar a moção: ou o Ciudadanos, ou os partidos independentistas como a ERC e o PDeCAT:  “Qualquer Governo constituído nestes apoios é inviável, mas a ele [Sánchez] tanto lhe faz”, afirmou. “Não se pode governar com 84 deputados e com o apoio à vez ora do Podemos ora do Ciudadanos.”

Questionado sobre como tenciona responder ao repto do Ciudadanos, que exigiu a Rajoy que se demita e convoque eleições, o chefe de Governo respondeu destacando as duas funções que são exclusivas do presidente do Governo, dissolver o Congresso e nomear ministros — “Não conheço nenhum presidente de Governo que esteja disposto a renunciar a esses direitos”, afirmou, como que a dizer que quem define se a câmara é ou não dissolvida não é o Ciudadanos.

Relativamente à sentença do caso Gürtel, Rajoy relembrou que ainda haverá recurso e sublinhou a ideia de que nenhum membro deste Governo esteve no banco dos réus. “A sentença estabelece uma responsabilidade civil e não penal do PP, porque não conhecia os acontecimentos”, sublinhou, desvalorizando a ligação do partido ao caso. E, mais uma vez, Rajoy passou ao ataque a Sánchez, que diz não ter “autoridade moral” para apresentar esta moção. “Quando houver uma decisão de Valencia, Sánchez também se vai demitir?”, questionou, referindo-se a um caso que de corrupção que pende sobre os socialistas relativamente à gestão do partido em Valencia no ano de 2007.

Inquirido sobre se considera ter credbilidade para continuar a liderar o Governo, Rajoy respondeu sem dúvidas: “Quem tem mais credibilidade? Um dirigente político que tem 84 deputados ou um que tem 134?”, atirou. “Este Governo há de ter alguma credibilidade, porque encontrou uma Espanha à beira do precipício e agora crescemos 3%”, rematou.