A auditoria independente à gestão de 15 anos da Caixa Geral de Depósitos está em fase de conclusão e será enviada para os supervisores, Banco de Portugal e regulador europeu, e para o Ministério Público, caso sejam encontrados indícios que apontem para práticas criminais, revelaram esta quarta-feira no Parlamento o ministro das Finanças e o secretário de Tesouro. No final de uma audição sobre o Novo Banco, Mário Centeno e Ricardo Mourinho Félix, foram interrogados pela deputada Cecília Meireles sobre o ponto de situação da auditoria pedida no ano passado pelo acionista Estado à administração do banco público.
Mário Centeno referiu que a auditoria estava em fase de conclusão, o que passa por validar as conclusões apontadas pela auditora independente EY (antiga Ernst & Young) por outra auditora, a PwC. Mas quando a deputada do CDS pediu que essa auditoria fosse entregue com urgência ao Parlamento, que aliás esteve na origem dessa iniciativa, o ministro das Finanças disse que a instrução dada à gestão da Caixa era a de entregar o referido documento ao supervisor e ao Ministério Público, caso fossem identificadas “situações enquadráveis” nas competências das duas entidades, e não ao Governo.
Mais claro, Ricardo Mourinho Félix, acrescentou que a auditoria seguirá para o Ministério Público se forem detetadas práticas na gestão passada da Caixa que apontem para indícios de natureza criminal. A concessão de créditos por parte do banco do Estado já está a ser investigada pelo Ministério Público. Gestão danosa e omissão deliberada de passivos, são algumas das suspeitas abrangidas neste inquérito, segundo foi já noticiado.
MP suspeita de “omissão deliberada” de passivo na Caixa Geral de Depósitos
Não teve assim resposta favorável o pedido de envio da auditoria ao Parlamento, devido à informação “sensível” que conterá, isto num contexto em que foram já aprovados projetos-lei de vários partidos para forçar o Banco de Portugal a revelar os créditos dos maiores devedores dos bancos que receberam ajudas do Estado.
A auditoria da EY a 15 anos de gestão da Caixa Geral de Depósitos — entre 2000 e 2015 — já foi entregue à administração da Caixa, mas o trabalho ainda não foi dado como concluído. Fonte oficial da CGD adiantou ao Observador que a auditoria, que foi pedida pelo Estado e aprovada em Conselho de Ministros, está agora nas mãos de outra auditora, a PwC. Esta auditora está a proceder a um quality assessment (avaliação da qualidade) do trabalho reportado pela EY antes do documento seguir o caminho previsto e ser entregue ao Ministério das Finanças.
O recurso a uma segunda auditora para validar a qualidade do trabalho feito por outra é uma pratica normal no meio financeiro, sobretudo quando estão em causa matérias tão sensíveis e um período tão longo de tempo. A EY é a atual auditora da Caixa Geral de Depósitos, mas a PwC também já auditou as contas do banco público. Segundo indicou no ano passado ministro das Finanças, no Parlamento, a auditoria independente centrou-se em três grandes temas.
- Concessão de créditos
- Alienação de ativos
- Decisões estratégica de negócios
Os trabalhos incidiram sobre o período que vai de 2000 a 2015, quando terão sido tomadas decisões (políticas e de negócios) e concedido créditos que vieram a provocar as perdas que, por sua vez, levaram à necessidade de recapitalizar a Caixa com um valor inédito (3.900 milhões de euros, com 2.500 milhões de fundos públicos). Algumas das operações mais ruinosas para o banco do Estado, como a La Seda, Vale do Lobo e os negócios em Espanha, são contadas no livro recentemente publicado pela jornalista Helena Garrido, “Quem meteu a mão na Caixa”.
A auditoria da EY abrange seis governos: três do PS — um liderado por António Guterres e dois por José Sócrates e três do PSD/CDS — chefiados por Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho — e sete conselhos conselhos de administração do banco do Estado — António de Sousa, António de Sousa/Mira Amaral, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira, José de Matos (dois mandatos), já no tempo da troika.
O longo período e o elevado número de operações e decisores escrutinados, foram os principais argumentos usados pelo presidente da Caixa para justificar as razões que levaram este trabalho a demorar muito mais tempo do que o inicialmente previsto. Em causa esteve a análise de informação com 15 anos e a procura de evidências, escritas e testemunhais, de responsáveis que em vários casos já não trabalham no banco. “A reconstituição do processo está a demorar mais tempo”, reconheceu Paulo Macedo durante a apresentação dos resultados de 2017, tendo sublinhado que não cabia à administração da Caixa pressionar para ser acabado.
Parlamento vai ver auditoria que pediu em 2016?
A auditoria foi adjudicada no primeiro semestre do ano passado e segundo revelou Mário Centeno no Parlamento, o trabalho deveria ter ficado concluído em 15 semanas, tendo então o ministro das Finanças deixado a garantia de que o relatório seria entregue ao Parlamento. Esta quarta-feira, os responsáveis das Finanças fizeram marcha atrás, remetendo o tema para os supervisores. Mourinho Félix alertou para o carácter sensível de alguma informação com referências pessoais que poderiam ser retiradas fora do contexto. O deputado do PSD, Duarte Pacheco, anunciou a intenção de pedir ao supervisor — o Banco de Portugal — a entrega do referido documento ao Parlamento.
O secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix, já tinha aliás sinalizado no Parlamento que o conteúdo da auditoria não seria publicamente divulgado por causa do sigilo bancário. Esta tem sido aliás a posição assumida pelo Ministério das Finanças e o Banco de Portugal perante pedidos vindos da Assembleia da República para a divulgação da lista dos maiores devedores dos bancos que foram ajudados e cujo incumprimento esteve na origem da necessidade de fundos públicos. Mas já no início de maio, o Parlamento aprovou projetos de lei que pretendem forçar o supervisor a fazer essa divulgação.
Parlamento aprova divulgação dos grandes devedores dos bancos que receberam ajudas do Estado
O pano de fundo da auditoria independente à Caixa foram as operações de crédito e investimentos financeiros que levaram a Caixa a perder muito dinheiro sobretudo nos últimos seis anos e foram diretamente responsáveis por necessidades de recapitalização. A instrução dada pelo Governo seguiu uma recomendação aprovada no Parlamento quando a matéria deu origem à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito em 2016.
O ministro das Finanças garantiu contudo que seriam tiradas as “consequências devidas” das respetivas conclusões, nomeadamente por parte do supervisor. Os deputados tinham começado por pedir uma auditoria forense — de avaliação da legalidade das decisões — ao Banco de Portugal, mas o Parlamento não tem poderes para fazer esta exigência e o supervisor bancário acabou por ficar de fora deste trabalho.