É o início do fim do sigilo bancário. Mas com pinças. Depois de um primeiro veto do Presidente da República em 2016, Marcelo deu, há uma semana, o primeiro sinal quando escreveu uma nota no site da Presidência a recordar que, quando chumbou o diploma, as circunstâncias da banca eram outras. Ou seja, se o Governo e o Parlamento insistissem, desta vez passaria. Assim foi. Aproveitando uma marcação potestativa do Bloco de Esquerda sobre o fim do segredo bancário, o Governo “tirou da gaveta” a velha proposta de lei que acaba com o sigilo bancário para depósitos superiores a 50 mil euros, e todos os partidos, à exceção do PS, avançaram com iniciativas semelhantes. Todas foram aprovadas…menos a do PSD, que propunha facilitar o acesso das comissões parlamentares de inquérito a informação bancária, mas limitava esse acesso às “instituições de crédito que recebam do Estado um apoio direto ou indireto à sua capitalização”. Ou seja, limitava o leque à Caixa Geral de Depósitos. O projeto foi rejeitado com os votos contra de toda a esquerda.

As restantes propostas, do Governo, BE, PCP e CDS, foram aprovadas na generalidade, com o Parlamento a dar um sinal, não só de que as comissões parlamentares de inquérito passem a ter acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, como também de que todos os bancos que receberam ajudas públicas (do BPN ao Novo Banco, passando pela CGD) vão ser obrigados a divulgar os grandes credores que falharam os seus compromissos. BE, PCP, CDS e PSD tinham todos propostas neste sentido, embora definissem de forma distinta que tipo de dívidas devem ou não ser divulgadas, em que circunstâncias concretas e junto de quem é que se deve fazer essa divulgação (há quem defenda que só junto do Parlamento, há partidos que querem divulgação pública). O debate segue na especialidade, onde, segundo o deputado socialista Fernando Rocha Andrade, há espaço para “se encontrar uma solução equilibrada”.

Estas eram as duas matérias em causa no debate desta tarde: primeiro, que as comissões parlamentares de inquérito passem a ter acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, para que se evitem situações como as que ocorreram por exemplo no caso da CGD, onde foram recusados documentos ao Parlamento; e, depois, que, em circunstâncias específicas, o Banco de Portugal possa divulgar os maiores credores dos bancos intervencionados pelo Estado. É aqui que os vários partidos têm entendimentos diferentes, mas é sobretudo neste campo que o PS se mostra disponível para encontrar um “equilíbrio” em sede de especialidade.

“O PS está perfeitamente disponível para, na especialidade, trabalhar nos projetos em discussão, em primeiro lugar no acesso pelas comissões parlamentares de inquérito dados em sigilo bancário e também – o que é mais complexo dada a legislação – na divulgação pública dos créditos em incumprimento de grande valor de bancos que receberam apoios públicos”, disse o socialista Rocha Andrade.

Entre as “teias” do PS e do PSD

Logo na abertura do debate, a deputada bloquista Mariana Mortágua defendeu que se as propostas fossem aprovadas, o “Parlamento daria um passo importante no combate ao crime económico”. “Sempre que este Parlamento escolheu proteger o segredo bancário, dificultou o combate ao crime económico e os infratores agradeceram”, começou por criticar a bloquista.

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De acordo com Mortágua, “foi esse o caso quando o Banco de Portugal não utilizou toda a informação de que dispunha para retirar a idoneidade a Ricardo Salgado [ex-presidente do Grupo Espírito Santo]”. E quando confrontado com esta acusação o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, explicou que “os factos sobre os rendimentos de Salgado lhe tinham sido confidenciados ao abrigo de uma amnistia fiscal decidida pelo Governo em 2012”. Ou seja, disse, houve sempre encobrimento da parte do legislador. Passou depois ao ataque ao PSD, acusou o partido de se estar a aproveitar politicamente da questão para criticar o atual governo no processo de capitalização da Caixa Geral de Depósitos. “O PSD viveu sempre bem com esta cultura de silêncio e ocultação até ao dia em que viu nela uma oportunidade. Na sua agenda de vingança política, o PSD não hesitou em colocar a Caixa Geral de Depósitos em risco”, disse, criticando os sociais-democratas de “só quererem acabar com o sigilo bancário no caso da CGD e em mais nenhum banco”.

Também o deputado do PS Paulo Trigo Pereira fez pontaria à proposta dos sociais-democratas, considerando que penalizava a Caixa Geral de Depósitos, uma vez que, sendo o Estado o único acionista, é este que, quando necessário, capitaliza a CGD. Também o bloquista Pedro Filipe Soares considerou que o PSD tem “preconceito contra o banco público” e questionou: “Por que raio quis o PSD vir a este debate fazer frete à banca privada?”. Um frete que o PSD já tinha acusado o BE de fazer, mas ao PS — numa alusão ao facto de os bloquistas se terem oposto à divulgação dos maiores devedores à Caixa durante a comissão parlamentar de inquérito.

“Os portugueses têm o direito a saber qual a teia socialista que causou o descalabro num banco público e que a seguir foi fazer o mesmo para um banco privado. Pelo menos uma vez, deixe de ser a muleta do PS e faça aquilo que se exige: vamos em conjunto tentar encontrar a melhor solução para tentar obter a lista de credores da CGD”, desafiou o deputado social-democrata Duarte Pacheco. Mas à teia socialista, a bloquista Mariana Mortágua respondeu com a teia social-democrata: “Queremos saber a teia socialista que minou a CGD, como queremos conhecer a teia social-democrata que minou o BPN”, disse, apontando mais uma vez o dedo ao PSD por cingir a discussão ao banco público e não aos bancos privados que também receberam ajudas públicas.

Do lado do PCP, os comunistas avançaram com uma proposta para a criação de uma unidade técnica para a recuperação dos créditos em incumprimento, considerando que só deste modo será possível “identificar os destinatários e beneficiários finais, dentro ou fora de Portugal, de cada um dos fluxos de crédito que lesaram o BES, o BPN e o Banif e que mais tarde se traduziram em perdas públicas”. Os comunistas querem ainda que o Banco de Portugal divulgue anualmente ao parlamento créditos em incumprimento acima de dois milhões de euros que já não sejam recuperáveis. Também esta proposta teve luz verde do Parlamento, contando apenas com a abstenção do PSD (e os votos a favor de todas as restantes bancadas).

O CDS, por sua vez, defendeu uma alteração à lei para que, quando haja intervenção pública em bancos, sejam conhecidos os “maiores processos cujos prejuízos levam à necessidade de ajuda pública”, considerando essa “uma questão de salutar responsabilização”. Esta foi a única proposta aprovada por unanimidade.