Dois parágrafos e quatro deliberações. Mas nem uma única referência de Bruno de Carvalho às alíneas dos estatutos sustentam a sua decisão de afastar a Mesa da Assembleia Geral do Sporting, no comunicado que o presidente do clube divulgou esta quinta-feira à noite e que surgiu como resposta à nomeação de uma Comissão de Fiscalização para substituir o Conselho Fiscal e Disciplinar demissionário.

Porquê essa omissão? Possivelmente, porque nada no documento permitia ao presidente sportinguista afastar uns dirigentes e nomear outros. As decisões de Bruno de Carvalho e dos novos órgãos “não estão providas de legalidade”, diz Fábio Figueiras, membro da Associação Portuguesa de Direito Desportivo.

Reviravolta no Sporting: Direção substitui Mesa com Comissão Transitória e anula AG de destituição

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Figueiras não é uma voz isolada. Além de Jaime Marta Soares — parte interessada neste processo, enquanto presidente da Mesa da Assembleia Geral –, o Observador ouviu um advogado especialista em Direito do Desporto, que pediu anonimato face à convulsão que o clube atravessa. A leitura do advogado é direta: a solução de Bruno de Carvalho para dar o passo em frente é uma “aberração jurídica” e “quem continua a ter capacidade e competência de convocar uma Assembleia Geral é o presidente da Mesa”, Jaime Marta Soares.

No documento da direção do Sporting divulgado esta quinta-feira, Bruno de Carvalho acusa os membros da Mesa da Assembleia Geral (MAG) do Sporting de praticarem uma “série de decisões ilegais” e de não terem posto em marcha os “procedimentos legais e estatutários a que estão vinculados”. Foi essa a razão para que o conselho diretivo tivesse decidido, ainda naquela noite, “substituir a Mesa demissionária da Assembleia Geral e respetivo presidente, através da criação de uma Comissão Transitória da Mesa da Assembleia Geral”, liderada por Elsa Tiago Judas, futura candidata à MAG. Essa comissão, acabada de nomear decidiu, de imediato, “substituir o Conselho Fiscal e Disciplinar demissionário por uma Comissão de Fiscalização”, com José Subtil de Sousa à cabeça.

Ficava também convocada uma Assembleia Geral (AG) Ordinária para o dia 17 de junho, um encontro que serviria para os sócios votarem o orçamento da próxima época e — esperava Bruno de Carvalho — aprovarem duas alterações estatutárias. O presidente do Sporting também queria analisar a “situação do clube” e prestar “esclarecimentos aos sócios”.

Nenhuma destas alterações aos órgãos sociais e convocação de assembleias gerais tem, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Observador, qualquer validade legal: “Os estatutos têm uma norma que diz que os órgãos mantém-se em funções até à tomada de posse dos sucessores” e definem que “quem continua a ter capacidade e competência de convocar a Assembleia Geral é o presidente da MAG”, diz o advogado que pede anonimato, mas que soma décadas de experiência em casos nesta área (é o que consagra o artigo 37° do documento, referente à cessação do mandato dos órgãos sociais).

A leitura de Fábio Figueiras vai no mesmo sentido. “A figura da Comissão Transitória da Mesa não aparece em lado nenhum dos estatutos, o que aparece, sim, é uma Comissão de Gestão e de Fiscalização, mas cuja faculdade de criação também cabe ao presidente da Assembleia Geral”, diz o advogado. “De tudo o que se está a praticar, não parece que seja correto, que seja legal, de acordo com os estatutos” do clube.

Conclusão: as nomeações da Comissão Transitória da Mesa e da Comissão de Fiscalização “estão feridas de legalidade”, diz o advogado especialista, uma vez que “quem tem poderes para eleger titulares de órgãos é sempre a MAG, não a direção” do clube.

Por outro lado, Jaime Marta Soares garante não ter formalizado a demissão. “Para me demitir, tinha de ter apresentado um pedido, uma informação ao Conselho Fiscal a dizer me demitia, só assim é que estaria consumada a minha demissão, mas eu nunca o fiz”, garante o presidente da MAG. Mas, mesmo que Jaime Marta Soares tivesse formalizado a sua demissão — o que o presidente da MAG garante não ter acontecido —, caber-lhe-ia a convocação da AG.

“Mesmo admitindo que entregou a carta, o presidente da MAG continua em funções”, diz o especialista em Direito do Desporto. Por isso, “para convocar a AG, o presidente do Conselho Diretivo tem de pedir à MAG” a convocação do encontro alargado dos sócios do Sporting.

Bruno de Carvalho não validou assembleia geral para a sua demissão

Bruno de Carvalho saltou o pedido a Jaime Marta Soares e convocou diretamente duas assembleias gerais — uma, já mencionada, para aprovar contas e alterações aos estatutos e outra para eleger a nova Mesa e o novo Conselho Fiscal. O argumento apresentado foi o de que a MAG não estaria a cumprir os “procedimentos legais e estatutários” que lhe competiam, convocando ela própria a reunião eletiva. Mas havia outra reunião convocada, que o presidente do Sporting nunca validou.

O Observador sabe que, no dia 24 de maio, o presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube entregou “em mão” a Bruno de Carvalho “um pedido de disponibilização de meios” para a realização do encontro alargado de sócios. Na ordem de trabalhos, existe um ponto para a “revogação coletiva, com justa causa”, dos elementos do Conselho Diretivo ainda em funções.

No dia seguinte, o mesmo pedido segue por e-mail. Mas, a 28 de maio, não havia ainda resposta da direção do clube e, por isso Marta Soares insistiu junto de Bruno de Carvalho, numa carta enviada em nome do “melhor interesse dos sócios” e da “boa imagem” do clube: o presidente tinha 48 horas para confirmar a disponibilização das verbas necessárias para o aluguer do Altice Arena, a mobilização de funcionários do clube para acompanharem o processo administrativo, a contratação da Universidade do Minho para fiscalizar o ato e a apresentação de um plano de segurança para o encontro daquela tarde.

Na prática, os estatutos determinam que a reunião das condições necessárias para que se realize uma Assembleia Geral para destituir o presidente do Sporting tem de ser garantida pelo próprio presidente que se pretende afastar. Até ao momento, Bruno de Carvalho não respondeu ao pedido da MAG.

Pelo meio de todos estes episódios, Bruno de Carvalho anunciou duas novas reuniões de sócios, mas ambas são inválidas porque essa competência, mais uma vez, é da exclusiva responsabilidade do presidente da Mesa da Assembleia Geral. O que significa que o único encontro válido é aquele convocado por Jaime Marta Soares, para o dia 23 de junho. As reuniões de dia 17 de junho e de 21 de julho, convocadas por Bruno de Carvalho, não têm valor legal.