O debate sobre ativismo, organizado pela Tinta-da-China na Feira do Livro de Lisboa a propósito do lançamento de Racismo no País dos Brancos Costumes, teve de ser interrompido a dez minutos do fim devido aos comentários de uma voluntária. A editora Bárbara Bulhosa, que denunciou o incidente no Facebook, relatou que a mulher passou a sessão de sábado à tarde “a dizer que não concordava nada com o que estava a ser dito” e a referir-se aos convidados como “esta gente”. Contactada pela responsável, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), organizadora da Feira do Livro, terá pedido à editora, depois de esta admitir que tornaria o caso público, que não fizesse ameaças.
De acordo com Bárbara Bulhosa, tudo terá começado pouco depois do arranque do debate, pelas 14h, na Praça Laranja da Feira do Livro de Lisboa. Em palco estavam a jornalista Joana Gorjão Henriques, autora de Racismo no País dos Brancos Costumes — um livro de “histórias reais do Portugal racista que ainda vive no mito do não-racismo” —, Beatriz Dias, Mamadou Ba, Ana Tica e Raquel Rodrigues. Do outro lado, junto à audiência, a voluntária gesticulava, mandava “bocas”, referindo-se aos convidados como “esta gente”. “Eu, que estava na primeira fila, ignorei os seus comentários que para além de serem de uma enorme indelicadeza (estava vestida com a camisola da APEL), revelavam de forma inequívoca o que pensa sobre o racismo”, escreveu a editora da Tinta-da-China no Facebook.
Por volta das 14h49 (o evento devia terminar pelas 15h), as “bocas” ter-se-ão transformado em comentários diretos, com a voluntária a interpelar Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo: “Vê lá se te despachas”, ter-lhe-á dito. Perante a situação, Joana Gorjão Henriques, que estava a conduzir o debate, terá decidido dar a sessão como terminada. “Saltei da primeira fila e abordei a senhora voluntária dizendo-lhe peremptoriamente que não podia mandar calar um convidado que estava a falar para uma plateia cheia. Que não funcionava assim”, escreveu a responsável da Tinta-da-China, acrescentando: “Parecia encomendado. Uma performance racista, num debate contra o racismo. Estava boquiaberta”.
Em resposta, a voluntária terá começado a insultar a Tinta-da-China. “Quem julgam que são?”, terá dito a Bárbara Bulhosa, dizendo que com a editora “é sempre isto”. A responsável telefonou “de imediato” a Carlos Beirão, responsável da APEL e “encarregado da feira há anos”. Depois de lhe contar o que tinha acontecido e de admitir que tornaria o caso público, Beirão ter-lhe-á dito que não o ameaçasse e que ia substituir a voluntária em causa. “Sem mais. Não me veio pedir desculpas pelo sucedido, nem à autora e convidados. Aliás, ninguém me disse nada da APEL. Achei muito estranho”, afirmou Bárbara Bulhosa.
“Pagamos para estar ali, a feira sempre foi um espaço de liberdade e o que aconteceu ontem mostrou-me que nem sempre estamos à altura das nossas responsabilidades”, disse ainda a editora, terminando: “Curiosamente, mais tarde, fiz o lançamento do livro do Gustavo Pacheco [Alguns Humanos] com o Ricardo Araújo Pereira, terminámos dez minutos depois da hora e para além de não estar presente nenhum elemento da APEL, ninguém nos mandou calar”.
APEL lamenta o sucedido e pede desculpa “a todos os intervenientes”
Contactada pelo Observador, a APEL disse lamentar “profundamente os incidentes ocorridos” durante o debate de sábado, frisando que “não se revê de nenhum modo na atitude assumida pela sua colaboradora que dava apoio logístico à sessão de apresentação” do livro Racismo no País dos Brancos Costumes.
“A APEL apresenta pelo sucedido um pedido de desculpas a todos os intervenientes naquela sessão — à autora Joana Gorjão Henriques, aos participantes do debate Ana Tica, Beatriz Dias, Mamadou Ba e Raquel Rodrigues, e à editora Tinta-da-China na pessoa de Bárbara Bulhosa, assim como ao público em geral”, disse a entidade organizadora.
A APEL afirmou ainda ter tomado “medidas para evitar a repetição de incidentes deste teor, que mais uma vez repudia”, sem porém especificar que medidas são essas.
Artigo atualizado às 14h02 com os esclarecimentos prestados ao Observador pela APEL