Norman Cook chegou com a sua smiley face e, em uma hora e meia de concerto, deu-nos o acid, o funk, os jeans de cinta subida e aquela nostalgia das compilações do Fido Dido que passavam nas festas do rei lá do liceu. Com cheirinho a Verão, mesmo sob a ameaça da chuva, o dia 0 do NOS Primavera Sound mostrou um Fatboy Slim que ainda sabe pôr uma avenida inteira a dançar e a trautear os clássicos do milénio passado.

Havia um certo frenesim de São João no preciso momento em que chegámos aos Aliados. O relógio marcava as onze horas, Susana Machada, aka SuM, lá estava no palco montado à frente da Câmara, sem vacilar perante a responsabilidade de abrir para Fatboy Slim. À sua frente misturavam-se gerações, umas de crianças ao colo, outras de litrosas e smirnoff na mão. Atrás de nós falava-se espanhol, com aquela cadência portuguesa na voz, de ditongos embolados, que adultera a melodia cantada do castelhano. Ao nosso lado inglês, este bem polido e britânico. Era oficial: o NOS Primavera Sound tinha-se instalado uma vez mais na cidade, só que desta feita com um warm-up que poderia muito bem ser cabeça de cartaz (ainda que em modo revival). Pelo menos foi essa a impressão que ficou a pairar no ar quando à 01h a multidão dispersou electrizada e com o right-about-now-the-funk-soul-brother a não querer descolar da língua.

Mas rebobinemos a cassete, fast rewind até às 23h30 e até àquele momento em que o gigante ecrã do palco, atrás dos pratos do DJ, se abriu com uma caveira amarela a arder – o primeiro de muitos smiles da noite –, uma chuva de estrelas a cair e um cheirinho a “Praise You” que rapidamente explodiu no “Eat, Sleep, Rave, Repeat” que deu entrada a Mr. Norman Cook. Ele, de camisa aos padrões (como habitual) saudou-nos olhos nos olhos, com uma câmara apontada para a cara e, antes de meter prego a fundo com “Renegade Master” (remix do hit de Wildchild), deu-nos um “I’m in Porto”, projectado no tal ecrã entre dois sorrisos amarelos e a bandeira verde e branca da cidade.

A estética não enganava, o som também não, estávamos mesmo de volta aos nineteens. Na plateia os sinais eram igualmente evidentes. Os miúdos, que em SuM ainda deram o ar da sua graça, desapareceram com a vodka laranja debaixo do braço, e os pais e avós, resistentes até então, foram deitar as crianças sucumbidas de cansaço. Ficaram os trintões e os quarentões, aqueles que começaram a sair à noite com o techno e o acid e com o seu melhor casaco de cabedal ou os que conheceram Fatboy Slim, ainda de acne na cara, a fazer “cabritos” com o Dennis Bergkamp no FIFA 99. Esses não arredaram pé durante a hora e meia que se seguiu – mais Norman lhes desse, mais tempo teriam ficado.

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Aos 54 anos, o DJ e produtor britânico mostrou que ainda sabe como levar uma multidão ao delírio. Pediu everybody now, let me see your hands up na “Jungle Bae”, de Skrillex e Diplo, e toda a gente atirou o braço bem alto para o céu; arrancou lalalalas das nossas gargantas quando passou “Kernkraft 400”, do projecto alemão Zombie Nation, e Te te te te tês na bem brasileira “Magalhena”. Em “Sinner Winner”, de Felix Da Housecat, pôs-nos a berrar I’m not a sinner / For I am a winner, mandou-nos sentar, ajoelhar no chão, para logo nos puxar que nem molas na “Jump Around”, dos House of Pain, jump, jump, jump! Pelo meio ainda uma referência a Prince, sob luzes roxas e ovações do público, e um Radio goo goo / Radio ga ga trauteado ao ritmo dos aplausos sincronizados, comandados por Norman e repetidos pela plateia.

O trabalho de Vjing, atrás dele, acompanhou o andamento frenético dos crescendos e das precipitações pré-climax, das buzinas, dos strobes epilépticos e do fumo lançado do palco. Multiplicaram-se imagens em tempo real, as fotos, os padrões hipnóticos e as frames tiradas tanto de um episódio do Dragon Ball como da série Friends ou do vídeo clip de “Seven Nation Army” dos White Stripes – mais uma vez as onomatopeias a saírem em uníssono – e muitos, mas mesmo muitos smiles. Em “WTF” (what the fuck?) enfiou uma máscara de joker amarelo, sorriso bem rasgado para lá dos lábios, e repetiu o número várias vezes até se lhe acabarem os samples – que se sucederam numa correria alucinante, tirados da cartola que nem coelhinhos duracell.

A admiração de Cook pela imagem criada em 1963 pelo ilustrador Harvey Ross Ball (1921 – 2001) – e que nos anos 80 foi apropriada pelo acid house – já vem de longe. Para além da tatuagem que tem no braço, em casa vai acumulando smilies de todos os tamanhos e feitios: canecas, crachás, torradeiras, gorros, canetas, são mais de 20 anos a coleccionar objectos, admitiu em entrevista à Red Bull Radio.

“The smiley is always a bit in fashion and always a bit out of fashion – a bit like my career, really”.

No concerto da noite passada nos Aliados foi essa exacta sensação que prevaleceu já depois da debandada geral ao som da valsa “Danúbio Azul”de Strauss. Ouvindo o funk de “Gangster Trippin”,“Right here, right now” remisturado com “Everything now” dos Arcade Fire, seguido de “Praise You” e da guitarra inconfundível de “(I Can’t Get No) Satisfaction” a lançar a “The Rockafeller Skank” final, poucas dúvidas restaram de que a rave de Fatboy Slim não só compila todas as referências catchy do final dos 80 e dos 90, como ainda está bem viva e recomenda-se.