Além da atuação de Nick Cave e os seus Bad Seeds, não é fácil encontrar motivos de destaque nos concertos do terceiro e último dia do festival NOS Primavera Sound. O autor de “Stagger Lee” e a sua banda deram um espetáculo assombroso à chuva no Parque da Cidade do Porto, e quase tudo o que se viu além disso pareceu, por comparação, quase insignificante.

Ainda assim, houve concertos interessantes, como o de Kelela no palco Super Bock, ao final da tarde. A cantora americana de ascendência etíope, que há oito meses editou o seu primeiro álbum (Take Me Apart) e entrou em palco às 18h50, pareceu surpreendida com o interesse do público. Talvez demasiado surpreendida, para quem tem dado muitos concertos no último ano e para quem ainda há poucos dias atuou no Primavera Sound catalão. Terá tido menos gente aí? Terá achado que o Porto não lhe ligaria nenhuma?

“Significa tanto para mim que me estejam a ouvir mesmo com chuva”, afirmou. Arranhou um “obrigado” em português, disse que “não queria chorar” — mas chorou, deixando o DJ que a acompanhou em palco dar ao público música pré-gravada durante uns segundos por não conseguir “cantar e chorar ao mesmo tempo”. As explicações vieram um par de temas depois:

Nunca tinha estado no Porto, portanto não imaginava quantas pessoas poderiam gostar da minha música aqui. Não esperávamos isto. [Sinto] muita gratidão. Obrigado.”

As lágrimas pareceram sinceras mas Kelela não precisou de chorar para convencer o público do festival portuense no último dia do festival. Ele estava ali para dançar com ela, apesar da chuva, apesar do horário diurno. “LMK” foi o tema escolhido para abrir o concerto da americana nascida em Washingon D.C., que sabe nadar nas águas em que cantoras como Solange e SZA também navegam (as de um R&B eletrónico e sofisticado).

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Dona de uma voz interessante para a soul e R&B modernos, Kelela foi cantando e dançando os seus temas sensuais, expondo um groove eletrónico que provoca as ancas e que por isso mesmo teria beneficiado de um horário noturno. Ainda assim, temas como “Rewind”, “Blue Light” e “A Message” deixaram boa impressão. Espera-se a confirmação em futuros discos e concertos, já que o futuro parece auspicioso.

Como “fazer tempo” para Nick Cave e prosseguir noite fora?

Terminado o concerto de Kelela, um bom número de pessoas decidiu contornar as condições meteorológicas refugiando-se num toldo próximo do palco Primavera Bits, que apesar de ficar a uns bons metros de distância do palco Seat permitia assistir em boas condições ao final do concerto dos Flat Worms. A banda de Los Angeles mostrou o seu rock and roll abrasivo. Apesar da sonoridade provavelmente não os levar de futuro a voos muito altos, a banda deu boa conta de si e aqueceu o ambiente morno que a chuva provocava.

Melhor ainda estiveram os brasileiros Metá Metá no palco principal, com a sua mistura eclética de géneros musicais. Os brasileiros tanto parecem num momento fazer canções de recorte clássico como repentinamente rumar, explosivos, a paisagens sonoras inesperadas, do funk-rock à música de improviso. Foi uma boa escolha que acrescentou diversidade a um festival muito ancorado na música de raiz norte-americana.

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No palco Seat, os Public Service Broadcasting mostravam uma altamente promissora veia indie, com a sua música ora contemplativa ora festiva, meio eletrónica e meio pop-rock, mas sempre refrescante. Quem assistiu a este concerto não pôde ver a partir das 20h45, no palco Pitchfork, a experimentação da violoncelista e cantora Kelsey Lu, que vai procurando firmar uma identidade musical ao mesmo tempo familiar e divergente dos canônes.

Com as atenções centradas, das 22h em diante, em Nick Cave & the Bad Seeds, a dúvida maior era a paragem seguinte: seria boa ideia assistir ao classicismo eletrónico (uma expressão que é um contrassenso mas que se justifica pela hibridez da música, ao mesmo tempo experimental e vanguardista e inspirada na tradição dos painistas clássicos) do alemão Nils Frahm? Não seria melhor, dado que a música de Frahm adequa-se melhor a salas fechadas, ir espreitar o futuro do R&B e hip hop na voz da cantora e rapper ABRA? Ou o mais adequado era mesmo ir ouvir os War on Drugs, banda que voltou agora a Portugal depois de um disco de grande sucesso, A Deeper Understanding?

Do palco Super Bock, aquele em que Nils Frahm atuava, os relatos chegavam com elogios mas quem se deslocou ao palco Seat para ver os War on Drugs não teve motivos para se arrepender. Apesar de alguns problemas de som no início do concerto (com o volume dos instrumentos e voz de Adam Granduciel em desequilíbrio, prejudicial à parte vocal), a coisa pareceu resolver-se em um par de temas.

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O excelente “Burning” deu início ao concerto (ao contrário do que aconteceu em outros concertos recentes do grupo, que vai mudando muito o alinhamento e até a forma como toca as canções) e houve espaço para temas do álbum anterior, Lost in the Dream — por exemplo, “An Ocean in Between the Waves” — e para temas do novo álbum, como “Strangest Thing”.

O disco novo reforçou o impacto do antecessor e colocou a banda de Philadelphia na rota dos prémios Grammy. E, apesar da carga emocional que ainda pairava na assistência depois de um grande concerto de Nick Cave e os Bad Seeds, houve quem dançasse este rock melancólico mas acelerado, que já Bruce Springsteen, Bob Dylan e Neil Young exploraram nas suas aventuras musicais. A canção americana está em boas mãos e nem um contrato com uma editora major (a Atlantic Records, que editou o novo A Deeper Understanding) mudou a identidade da banda ou facilitou o som do grupo. Assim vale a pena, ainda que os temas novos pareçam decalcados dos anteriores e ligeiramente menos inspirados. A encerrar a noite, houve pós-rock instrumental com Mogwai e dança com Bad Gyal, Arca e Talaboman.