“Eu sou o Charlie e elas os meus anjos”.”Eu não sei se estou preparado para as partilhar com vocês”. “Vou dar um beijo a Christin em nome de todos vocês”. “Ela está envergonhada”. “Dê-me um beijinho, por favor”. “É uma mulher portuguesa, por isso, não é tão envergonhada”. As frases são todas do presidente da Associação Portuguesa de Imprensa, João Palmeiro, que foi acusado de machismo na intervenção que fez no palco durante o jantar de gala World News Media Congress, que se realizou entre 6 e 8 de junho no Estoril.
Vários representantes internacionais manifestaram-se indignados com este momento, o que levou Palmeiro a pedir desculpa no último dia do congresso. Em declarações ao Observador, Palmeiro admite que teve um “momento infeliz” e diz que não queria melindrar ninguém.
Cringe #WNC18 @joannelipman @vivian @raju @julieposetti @HANNAHSTORM6 pic.twitter.com/lwprKz9DRq
— Yusuf Omar ???????? (@YusufOmarSA) June 7, 2018
No vídeo, partilhado por Yusuf Omar, um dos participantes no congresso e fundador do Hashtagourstories.com, João Palmeiro começa por dizer, dirigindo-se às mulheres que, com ele, colaboraram na organização do evento: “Elas são os meus anjos. Eu não sei se estou preparado para as partilhar com vocês. É uma dream team. Eu sou o Charlie e elas são os anjos”. Pelo meio, o presidente da Associação Portuguesa de Imprensa — que incluiu os grandes grupos de media que existem no país — colocou algumas capas nas mulheres que estavam no palco.
Depois, em tom de brincadeira disse: “Agora, em nome de todos vocês, eu vou beijar Christin“. Como Christin Herger, da World Association of Newspapers, se mostrou um pouco desconfortável com a situação, Palmeiro comentou: “Ela está envergonhada“. E depois voltou a pedir enquanto se aproximava de Christin: “Dê-me um beijo, por favor“. Depois disso, quando se aproximou de outra das mulheres no palco, atirou: “Mulher portuguesa, por isso não é tão envergonhada, por isso um grande abraço e um grande beijo.”
Logo durante a conferência, questionado por Yusuf Omar, João Palmeiro admitiu que não refletiu “tanto como devia sobre o facto de todos não terem a mesma cultura” que ele. E o jornalista insistiu: “Na cultura portuguesa, a sua intervenção é aceitável?”. Ao que o presidente da API respondeu: “Absolutamente. É normal”. Depois do desconforto criado durante a conferência — que teve como um dos eventos paralelos um “Women In News Summit”, onde se discutiu os problemas de igualdade de género nos media — João Palmeiro pediu desculpa.
O presidente da API explicou ao Observador que, devido a esse desconforto, houve um encontro dos responsáveis da organização sobre se devia pedir desculpa e sobre a forma como o iria fazer. João Palmeiro explica ao Observador que esse pedido de desculpas foi “muito simples”: “Disse que se havia pessoas que se sentiam ofendidas, que pedia desculpa a essas pessoas”.
João Palmeiro justifica que “foi mal percebido” e que quis fazer algo diferente enquanto agradecia às pessoas. Achou que aquele registo de “humor” era melhor do que “agradecer às pessoas com cara de pau ou dizer ‘obrigado, passem bem'”. Lembrou ainda que trabalhou com aquelas pessoas durante meses. O presidente da API lamenta o sucedido e diz que, no limite, teve um “momento infeliz”.
Várias pessoas presentes na conferência ou que acompanharam os trabalhos mostraram-se indignadas por este momento. A investigadora da área do jornalismo, Julie Posetti, pergunta mesmo: “Foi este o momento #metoo das conferências de jornalismo?”
https://twitter.com/julieposetti/status/1005378812853587968
Ritu Kapur, fundadora da plataforma de notícias mobile The Quint, também manifestou a sua indignação. O The Quint acabaria por fazer um artigo, onde expõe as declarações e atitudes de João Palmeiro. O texto acusa-o até de tentar forçar um beijo, o que nas imagens não é claro.
I’ve got two as well – Speak Up! The women at the stage were too wary to protest or speak up or push back then. We need a work/ Conf environment where women speak out WHEN it happens. And yes @julieposetti – never again will we sit back in shock when we see women insulted.
— Ritu Kapur (@kapur_ritu) June 10, 2018
Um outro momento, protagonizado por um humorista no arranque da sessão, também motivou várias críticas. Em causa estaria uma piada: “Os media são como as mamas, quanto mais falsos, mais atraentes são..”
‘In my opinion news are like breasts; the most appealing ones are fake’. #WTF – the emcee was pretty funny until he totally failed to see the gender on the agenda #WNC18 and got totally inappropriate. Why in 2018 do we have to deal for this crap @NewspaperWorld
— HANNAH STORM (@HANNAHSTORM6) June 7, 2018