Corria o minuto 92 do jogo entre a Argentina e o Chile, que ditaria mais uma derrota na carreira titubeante da seleção das pampas rumo ao Mundial 2018: Messi fugia pela direita e tentava a derradeira jogada que poderia empatar a partida. Foi “travado” pelo apito de Emerson Carvalho, árbitro assistente. Quando terminou a partida, o astro argentino não foi de modas: seguiu na direção do juiz e lançou-lhe alguns impropérios captados pelas câmaras televisivas. O caso correu mundo e a sentença da FIFA não tardou: quatro jogos de suspensão.

O homem de quem lhe vamos falar agora tem dois pontos de ligação com o avançado do Barcelona. O primeiro é no nome por que é conhecido: “Messi da advocacia” – e que, só por si, já diz muito do calibre da “peça”. O segundo é que foi este senhor que fez com que o castigo de Messi se esfumasse como que por magia. O avançado saiu ileso do caso.

É este o craque que o Sporting contratou para defender o clube no caso dos nove jogadores que rescindiram unilateralmente na sequência das agressões em Alcochete. O clube leonino está a apostar alto – muito alto. Juan de Dios Crespo Pérez, espanhol de 58 anos, é “só” o maior especialista em direitos desportivos e perito em litígios contratuais entre clubes e jogadores.

O castigo de Messi que se esfumou

Tem escritório em Valência, onde é sócio do gabinete Ruiz, Huerta & Crespo, e é fluente em quatro línguas: além do espanhol natal, também domina o inglês, francês e italiano, o que muito o ajudou a chegar ao patamar onde hoje está. Um patamar em que é uma espécie de advogado das estrelas – já defendeu e aconselhou juridicamente nomes como Zinedine Zidane, Sergio Aguero, Gaizka Mendieta ou Maxi Rodríguez –, foi advogado do Málaga e consultor jurídico de uma longa lista de clubes, que inclui Real Madrid, Villarreal, Atlético de Madrid, Sevilla, Roma, Shakhtar Donetsk ou Shanghai Shenhua (só para citar alguns).

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Tem boas relações com as altas patentes da FIFA e do TAS (Tribunal Arbitral do Desporto), mas garante que o segredo do sucesso está na independência. “Não pertenço a nada e posso estudar todos os casos. Da mesma forma me meto com a FIFA, como o faço com a UEFA ou com um clube. Tenho uma visão global”, disse em entrevista à Marca. A mesma onde também falou do processo mais mediático em que esteve envolvido nos últimos tempos – e que, sem ser por acaso, abriu este texto. “Foi o caso mais chamativo por se tratar do melhor jogador do mundo, mas não foi o mais complicado”, disse. Mesmo com as imagens televisivas a mostrarem tim-tim por tim-tim o momento grave de Messi.

O dinheiro para Neymar

Mas há mais casos graúdos na carreira do advogado. Outro muito mediático foi o que envolveu a transferência milionária de Neymar do Barcelona para o PSG. O processo envolveu alguns imbróglios jurídicos – desde logo porque a Liga espanhola se recusou, numa primeira instância, a aceitar os 222 milhões da indemnização pela rescisão unilateral e sem justa causa do avançado brasileiro, alegando que um cheque tão chorudo era incompatível as regras do faiyplay financeiro. No hay problema: a equipa de advogados liderada por Juan de Dios Pérez resolveu o assunto – e foi o advogado agora contratado pelo Sporting que carregou no bolso o cheque com o valor mais alto de sempre pago por um jogador de futebol.

Mas Juan de Dios Pérez foi também o advogado que reduziu para metade o castigo ao jogador peruano Paolo Guerrero, que acusou doping num controlo – a defesa alegou que tudo era culpa de um chá que continha folhas de coca, mas que não foi propositado. Exatamente o mesmo que conseguiu provar no caso de José Angulo, o avançado equatoriano que acusou cocaína e que foi suspenso por dois anos pela FIFA. Juan Pérez conseguiu reduzir o castigo para metade, provando que o jogador não agiu de forma intencional.

A revolução nas transferências

Pérez tem ainda o nome escrito num processo que revolucionou o mercado de transferências internacional – quando o jogador escocês Andy Webster se tornou o primeiro a evocar o artigo 17 do regulamento de transferências da FIFA. Trocado por miúdos, o tal artigo prevê que um atleta possa rescindir livremente com o clube onde atua se tiverem passados três anos desde que assinou (ou dois, caso tenha mais de 28 anos) e apenas para representar uma equipa estrangeira . Webster recorreu a esse artigo para deixar o Hearts e ingressar no Wigan, mudando-se da Escócia para Inglaterra. Depois de uma sentença que condenou o jogador a pagar 625 mil libras (perto de 720 mil euros), as mãos de Juan de Dios Crespo Pérez conseguiram fazer magia e reduzir a indemnização paga pelo jogador: 150 mil libras (perto de 172 mil euros), correspondentes ao valor que receberia se tivesse permanecido no clube.

Já deu para perceber que estamos a falar de um craque, não já? É com este homem que Rui Patrício, Daniel Podence, Gelson Martins, William Carvalho, Bas Dost, Bruno Fernandes, Rafael Leão, Rodrigo Battaglia e Rúben Ribeiro vão ter de se entender.