Enviado especial do Observador à Rússia (em Moscovo)

Senhoras e senhores, na fotografia em cima (e já com descendência) está… Ca-raaaaa-me-lo! Todas as seleções têm aquele adepto especial com uma história muito particular e no caso do México esse papel pertence a Héctor Chávez, o fã que soma Mundiais e Mundiais consecutivos sempre com o seu sombrero, a farda da Tricolor e uma bandeira do país com a palavra Chihuahua. Um quarto de século depois desta vida, continua um miúdo e é requisitado pelos presentes para inúmeras fotografias.

A sua vida nestas andanças é uma novela: sonhou começar a ir ver o México em Campeonatos do Mundo quando viu com o pai o Mundial de 1970 na televisão e assistiu à primeira partida nos Estados Unidos, em 1994, frente à Costa Rica, mas já antes passara pela edição de 1986, organizada no seu país. Já passou por situações mais apertadas em El Salvador e nas Honduras, foi detido na Venezuela em 2007 por ter usado uma máscara de Hugo Chávez, mas continua a não falhar nada, levando já pelo menos 250 jogos como apoiante número 1 da seleção. Hoje, teve provavelmente uma das maiores alegrias da sua vida.

Em Sochi, em Moscovo ou em São Petersburgo, parece haver um mexicano em cada esquina. São milhares e milhares e milhares espalhados na Rússia, até em cidades que não irão receber a receber a equipa nesta fase de grupos. Este domingo, dia de jogo, já se estava à espera da invasão que se viu. O que ninguém esperava era que conseguissem impressionar o mundo ao derrotar a campeã em título Alemanha. E a festa foi tanta que, quando Hirving Lozano marcou o único golo da partida ainda na primeira parte, foi sentido um sismo artificial na Cidade do México. Se dúvidas existissem sobre esta paixão, o sismógrafo esclarece.

Uma imagem da Praça Zocalo, na Cidade do México, onde foi sentido um sismo artificial após o golo (RODRIGO ARANGUA/AFP/Getty Images)

Depois de uma ida ao centro de estágio do Irão, em Bakovka, o regresso à cidada-cidade-mais cidade de Moscovo (que é como quem diz, um bocadinho mais para um centro que parece não ter fim de tão grande que é). Como o tempo não estica, chegamos à estação de metro de Slavyansky Bulvar para seguirmos para o Luzhniki Stadium quando está a começar o México-Alemanha. Por aí, tudo normal: famílias, muitos namorados (com ramos de flores à mistura, sendo que ninguém sabia se isso representaria um dia especial ou apenas uma feliz coincidência), pessoas a aproveitar o domingo. Em Arbatskaya, trocamos de linha e a conversa é logo outra. A começar pelos sombrebros como o de Caramelo que quase ficam metade dentro, metade fora da porta.

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O recinto está completamente cheio, a nível de acreditações foi um dos jogos com mais pedidos da fase de grupos, mas nem por isso um conjunto de dez a 12 mexicanos, em três grupos diferentes, deixa de seguir viagem para junto do palco de todas as emoções. Afinal, nem todos: percebemos então que metade vai para o Luzhniki e a outra metade vai juntar-se às centenas de adeptos que estão no Fan Park. E há também três brasileiros que se encaminham para lá, neste caso porque o seu hotel fica por aquelas bandas. A estação de Sportivnaya parece nunca mais chegar, mas há um momento que dá outro balanço. “Gooooooool! Gooooooool!”, grita o único adepto sentado a olhar para o telefone tentando seguir o jogo. “Goooooooooool!”, celebram os outros. Mexicanos e brasileiros, porque aquelas goleada por 7-1 no Mundial de 2014 vai demorar muito até ser esquecida. Deviam ser 18h35 quando a linha 1 do metro de Moscovo sentiu também o seu abalo entre a festa que se montou por ali.

O intervalo estava aí, o que nos dava tempo para podermos chegar ao Luzhniki Stadium a tempo de ver toda a segunda parte. A ver na TV, achávamos nós. Mas até nisso a coisa correu bem. Mas já lá vamos.

O típico adepto mexicano, provavelmente o mais fácil de reconhecer e que está em todo o lado (KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/Getty Images)

No exterior do recinto, parecia uma espécie de jogo com duas equipas: de verde, os adeptos do México, dois deles, como nos explicaram, a seguir tudo cá fora porque ainda sonhavam comprar um bilhete na candonga mas não conseguiram; de azul escuro, verde escuro ou azul claro, as forças policiais. Centenas de um lado, centenas do outro. Mas aqui não vai mesmo haver jogo, porque quem festeja não passa dos limites e quem vê festejar se pudesse até se juntava. E há mais coisas para ir entretendo as pessoas, como os diretos que os canais mexicanos fazem fora do estádio numa altura em que a Tricolor está na frente.

E agora, a parte engraçada: a zona de imprensa do gigante Luzhniki Stadium não fica a dever em nada à dimensão do estádio, sendo composta por dois andares. No piso 3 está o ouro: em bicos de pés, consegue ver-se metade do relvado mesmo à nossa frente. O vidro abafa e muito o som ambiente da emotiva partida, mas quando os mexicanos passavam o meio-campo numa transição rápida lá surgia o barulho dos pés a bater no chão criando uma vibração quase como a que se sentiu na Cidade do México. Que aumentava. E aumentava. E aumentava. Até que veio o apito final de uma partida que fica na história do México.

À nossa frente, começa a ver-se cerveja pelo ar, pessoas abraçadas, adeptos de lágrimas nos olhos, num cenário que ganha prolongamento no relvado quando a realização foca a cara de Chicharito Hernández. Não que isso tenha demovido o espírito cool de qualquer Mundial, como se viu nas fotografias que adeptos das duas equipas foram tirando no final em festa, mas foi um momento marcante deste Mundial. E aqui, mesmo à nossa frente, os mais exuberantes eram de novo os brasileiros, com fãs com camisolas da canarinha, do Palmeiras e do São Paulo abraçados como se fosse uma vitória do conjunto de Tite. Cá fora, à saída, mais do mesmo. Com outro ponto curioso: além das máscaras da luta livre e dos chapéus com penas em versão inca, quase todos traziam os copos de cerveja que tinham bebido durante a partida (que são especiais) como um souvenir da ocasião. E este domingo ainda agora está a começar para eles. E para Caramelo, que aqui só não dá mais nas vistas porque são milhares e milhares de mexicanos nas ruas. Qualquer que seja o futuro da equipa, este Mundial já lhes pertence um bocado.