Quando em março o filme Icarus ganhou o Óscar para Melhor Documentário, a “notícia” que daí saiu acabou por ser a primeira estatueta para a Netflix, mais do que tudo o resto. Como, por exemplo, a história que estava em causa. Uma história que, por estes dias, começa a ser recordada por muitos. E tudo por causa de uma polémica bola de algodão com amoníaco.

De acordo com o diário alemão Süddeutsche Zeitung, que é citado pelo As, uma reportagem que estava a ser feita sobre os métodos para melhorar o rendimento desportivo acabou por ser uma resposta surpreendente por parte de um elemento da Federação Russa de Futebol: antes do encontro do conjunto anfitrião com a Espanha em Moscovo, a contar para os oitavos de final do Mundial, um dos suplentes snifou uma bola de algodão que estava cheia de amoníaco.

Primeiro-ministro Medvedev no balneário russo: equipa anfitriã foi uma das revelações da prova (ALEXANDER ASTAFYEV/AFP/Getty Images)

Agora, e novamente vindo de uma publicação germânica, é o Bild que assegura a repetição dessa prática na partida dos quartos com a Croácia em Sochi, recuperando também uma imagem dos jogadores comandados por Cherchesov no túnel de acesso ao relvado após ao intervalo a mexer no nariz, num indício dessa utilização de amoníaco. “A federação russa atuou como se fosse algo tão comum como usar champô no duche”, acrescentou o Süddeutsche Zeitung.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De referir que o recurso a amoníaco – que não teve qualquer comentário ou confirmação desde que foi publicada a reportagem – não se encontra na lista de substâncias proibidas dos regulamentos internacionais anti-doping, embora possa ter alguns alegados benefícios para quem usa como a estimulação da respiração ou a melhoria do fluxo de oxigénio no sangue. Ainda assim, a notícia está a fazer com que se recupere todos os problemas do desporto russo com produtos à margem das leis.

Grigory Rodchenkov. O químico que virou “Garganta Funda” e tramou o desporto russo

É aqui que recuperamos o início do texto e o documentário Icarus. Como o realizador Bryan Fogel explicou na altura do seu lançamento oficial, a ideia original passava por fazer um trabalho semelhante ao ‘Super Size Me’ [produção na qual um cineasta sobrevive 30 dias a comer McDonald’s] mas, depois de conhecer o químico russo Grigory Rodchenkov, que funcionou como “Garganta Funda” a denunciar um mega esquema sofisticado de doping na Rússia, transformou-se num trabalho muito mais profundo sobre o recurso a substâncias dopantes.

Mais um caso de doping, o regresso do “Garganta Funda” e o boicote dos EUA: Rússia em xeque nos Jogos

Por altura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, e por coincidência na mesma semana em que dois atletas russos tiveram testes positivos na competição, a BBC conseguiu a primeira entrevista ao químico, que voltou a colocar o dedo na ferida: “Onde estaria hoje se não tivesse fugido da Rússia? No túmulo, claro. Estaria morto, é fácil. Mas tenho provas de que ainda estou em perigo e não quero subestimar essa ameaça. O COI deveria mostrar como são consistentes em relação à luta contra o doping. As autoridades russas não fizeram nenhuma mudança. Dizem que sou um mentiroso, humilham todas as pessoas que fazem denúncias, dão informações falsas no tribunal… As pessoas percebem o que o COI está a fazer: falsificar a luta contra o doping. Os Jogos estão a atravessar uma enorme crise e são necessárias reformas. Há pessoas incorrigíveis que vão continuar, em qualquer circunstância, a fazer contrabando, a vender e a usar doping. Esses casos deveriam ser todos criminalizados. E muitas federações internacionais escondem testes positivos”, destacou na altura Grigory Rodchenkov.