Na manhã de 23 de junho, Ekkapol Chanthawong terminou o treino de futebol dos juvenis do Moo Pa e levou toda a equipa a uma viagem de aventura: explorar a gruta de Tham Luang, uma das mais desafiantes e perigosas de toda a Tailândia, acompanhado com doze crianças com idades compreendidas entre os onze e os dezasseis anos. Nopparat Khanthavong, o treinador principal de 37 anos, não podia ir com eles porque tinha compromissos a cumprir nesse sábado de manhã, por isso passou a responsabilidade ao assistente. Não era a primeira vez. Mas havia a consciência do perigo. “Certifica-te que conduzes a bicicleta atrás dos miúdos para manteres os olhos neles. Cuida-te”, aconselhou Nopparat numa mensagem enviada através do Facebook ao ajudante de 25 anos.

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Horas depois, Ekkapol Chanthawong ficou encurralado com as crianças dentro de uma caverna semi-submersa no interior da gruta depois de um tempestade imprevista se abater nas montanhas tailandesas junta à fronteira com o Laos e Myanmar. Nos quatro quilómetros que separavam o grupo da entrada da gruta não havia nada mais além de câmaras completamente inundadas, passagens estreitas, água lamacenta e escuridão. Ekkapol não podia fazer nada senão esperar. Tinha deixado de haver rede a quase um quilómetro do cume da montanha e a comida, refrigerantes e guloseimas que o grupo comprou com 700 bates (o equivalente a 18 euros) tinham sido deixados nas mochilas que a equipa abandonou uns metros lá atrás, após a entrada, para poder passar pelos corredores sinuosos de calcário.

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Ali em baixo, no escuro e no frio, Ekkapol Chanthawong sabia que a morte era outra vez uma possibilidade, quinze anos anos depois de já a ter enfrentado. Tinha dez anos quando uma epidemia causada por um agente desconhecido matou o pai, a mãe e o irmão mais novo, com sete anos. Ekkapol foi, aliás, um dos poucos sobreviventes da aldeia onde vivia, na província de Chiang Rai, uma das mais religiosas, com mais templos budistas, no norte da Tailândia. Acolhido por tios, Ekkapol nunca soube ultrapassar a morte da família: “Ele era um menino infeliz e solitário”, recorda uma das tias que cuidou dele durante os primeiros dois anos do luto. Na tentativa de ajudar o sobrinho a “encontrar a paz”, a tia enviou-o para um templo budista em Lamphun, mais a sul Tailândia, onde Ekkapol vestia um robe de açafrão e meditava durante mais de uma hora por dia.

Lamphun, a cidade onde Aek esteve para se tornar monge budista. Créditos: Mathisa_s / iStock Photos/ Getty Images

Ekkapol Chanthawong estava prestes a tornar-se monge budista quando uma nova reviravolta lhe alterou o destino: a avó ficou doente e o futuro monge decidiu sair do templo e mudar-se para Mae Sai, na província de Chiang Rai, para cuidar dela. Mas nunca abandonou completamente aquela vida: visita os monges que os educaram todas as semanas, não bebe, não fuma. nem alimenta qualquer tipo de vícios. Ekkapol tornou-se num rapaz “de confiança”, diz Joy Khampai, amigo de infância do jovem de 25 anos.

Com 22 anos, Ekkapol encontrou mesmo uma nova família: exatamente na altura em que deixou o regime de internato no templo, a escola Mae Sai Prasitsart inaugurou um novo escalão na escola de futebol dedicado a crianças pobres com menos de 16 anos da província de Chiang Rai. Convidado pelo treinador principal a acompanhar as crianças mais pequenas, aceitou o desafio e desde então que cuida delas “como se fosse um pai”, conta a tia: “Ele ama mais estas crianças do que se ama a si mesmo. Talvez por ter crescido sem um pai, Aek tornou-se num para estes miúdos. Quando os pais não podem levar as crianças aos treinos, ele vai buscá-las a casa e depois vai lá deixá-las outra vez”, exemplifica.

A dedicação de Ekkapol ao clube de futebol era tão grande que Nopparat Khanthavong decidiu dar-lhe mais responsabilidade: naquele dia calhou-lhe ir acompanhar os miúdos mais novos a uma das muitas visitas de estudo organizadas pela equipa. Era só mais uma porque o grupo estava habituado a ir em busca de cascatas, a andar de bicicleta pelas montanhas, a apanhar sol junto ao rio e a explorar cavernas. Aquele 23 de junho, no entanto, era um dia especial: iam finalmente entrar na gruta de Tham Luang, um dos complexos mais desafiantes da Tailândia, que ficava nas vizinhanças do campo de futebol. Mal sabiam que iam entrar na caverna para só sair dela dezassete dias depois, num dos resgates considerados dos mais perigosos de sempre e acompanhado por todo o mundo.

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Ao fim de duas semanas, os esforços para encontrar e resgatar Ekkapol Chanthawong e as doze crianças tiveram um final feliz: oito dias depois de a equipa ter sido encontrada com vida e a meditar no interior da caverna, todos os rapazes e o treinador foram retirados da gruta com vida. Ekkapol era o mais fraco de todos: comeu muito menos do que os outros rapazes porque lhes dava grande parte dos alimentos que chegaram até eles pela equipa de resgate.

Cá fora, os pais prometem não lhe apontar o dedo: “Tenho a certeza que eles só sobreviveram porque o Aek estava com eles. Vamos ter de lhe aconchegar o coração. Ele não tem culpa de nada”, disse a mãe de um dos rapazes.