Ela é faladora, ele é mais calado. Os dois trabalham nas margens do Douro. Vindimam, cantam e conversam, sempre de chapéu de palha na cabeça, que o sol de setembro não perdoa. Esta é a história de Nel e Maria, as primeiras peças desenhadas pelos designers Hugo Silva e Joana Santos para a marca que criaram juntos, a DAM. Mais do que duas mesas de cabeceira, são móveis com personalidade. Sobrevivem separados, mas não há nada como vê-los a partilhar a mesma cama. “Desenhar peças visualmente interessantes muitas marcas conseguem, agora, criar um enredo em torno delas que mexa com as pessoas é que é mais complicado”, afirma Hugo.

Contar como nasceu a DAM é recuperar um momento de viragem na vida deste casal. Já não estamos a falar de Nel e Maria, mas sim de Hugo e Joana, dois designers formados na Universidade de Aveiro que, em 2013, tiveram de repensar os seus percursos profissionais. Ele trabalhava em design de interação, profissão enigmática que se traduzia, sobretudo, em aplicações para turismo. Ela estava numa empresa de branding. A partir daí, teve início uma velha história — contratos que não foram renovados, designers que foram para casa e instintos empreendedores a virem a de cima. “Foi um daqueles casos em que a dificuldade criou a oportunidade”, conta Hugo. “Estávamos desempregados, tínhamos de nos mexer”, completa.

Maria e Nel, as mesas de cabeceira que conquistaram o prémio POPs de Serralves, em 2013, continuam a fazer parte do catálogo da DAM © Divulgação

Ainda bateu à porta de umas quantas fábricas em Paços de Ferreira. Queria propor-se como desenhador de móveis, juntamente com alguns colegas. Nada feito, elas estavam fechadas a novos profissionais independentes. Na mesma altura, Hugo e Joana andavam a desenhar alguns móveis para a própria casa. Por muito boa qualidade que o mobiliário nacional tivesse, faltava-lhe o design ao gosto de um casal ainda na casa dos vintes. Entre o rol de inéditos, estavam as famosas mesas de cabeceira e foi com elas que deram um passo em frente — candidataram-se ao POPs (Projetos Originais Portugueses), da Fundação de Serralves, e saíram vencedores na categoria de mobiliário.

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O interior ilustrado de uma das gavetas da Maria © Divulgação

Instigados por Paula Sousa, fundadora, CEO e diretora criativa da Munna, avançaram para a criação de uma marca. O nome DAM já lhes pairava na cabeça e ficou. “Se não construíssemos a nossa própria marca, não íamos conseguir trabalhar em design de mobiliário”, admite Joana. O concurso foi ganho em 2013 e durante os dois anos seguintes, além de designers, Hugo e Joana tiveram também de se aperfeiçoar como gestores, vendedores e relações públicas. Quando viajaram até Londres, três meses depois de Serralves, já levavam mais de dez produtos em catálogo e quatro já produzidos. Levassem o que levassem, a primeira feira internacional onde marcaram presença — a 100% Design — só tinha olhos para duas coisas: Nel e Maria. “As peças suscitavam sorrisos. Disseram-nos logo que tínhamos ideias que davam pano para mangas”, recorda Joana.

Histórias e detalhes — a criatividade da DAM assenta nesta fórmula, desde o primeiro dia. A narrativa por trás das duas mesas de cabeceira já conhecemos, mas os chapéus de palha que as tornam tão especiais são feitos em Fafe, pelas mesmas mãos que produzem os exemplares usados pelos próprios vindimadores. Maria tem a boca na vertical, sinal de que é mais faladora do que Nel, e os interiores das gavetas são ilustrados, ora com espelhos, soutiens e frascos de perfume, ora com headphones, utensílios de barbear e preservativos. “As peças têm a sua própria vida, como se fossem personagens. Quando as construímos, fazemo-lo para além do desenho técnico, sempre com um moodboard da história”, explica Joana.

Os designers e fundadores da DAM, Joana Santos e Hugo Silva © Divulgação

Pipo, o banco de cortiça com uma alça de corda, foi a criação seguinte. Com ele, a DAM quis avançar no processo de produção do vinho. Assemelha-se a uma pipa, mas é uma peça de mobiliário contemporânea que lhes valeu um prémio POPs, pelo segundo ano consecutivo. “Mais do que pensar que tínhamos de ter outra peça wow, o desafio foi construir uma identidade coerente para a DAM. As pessoas têm de sentir aquilo que fazemos, esse valor tem de estar lá para nos distinguir”, afirma Hugo. “Até porque as grandes marcas lançam produtos de mês a mês e nós, duas por ano”, acrescenta Joana.

Hoje, passam mais tempo a gerir do que propriamente a desenhar. O crescimento da marca tem sido gradual e sustentado, com novas peças em catálogo — as cadeiras Dina e Dora, o banco Duo, a mesa Flora, o sofá Valentim, Silva, o relógio de parede, ou Colombo, um moço de recados com asas –, ao mesmo tempo que a cortiça se tornou numa matéria-prima cada vez mais frequente. “É um equilíbrio entre a nossa vontade e o que o mercado pede”, afirma Hugo. Em setembro, voltam à Maison et Objet, a mais importante feira do setor do design de interiores, em Paris. É a segunda vez que a DAM marca presença, mas agora vai levar novidades. Entre os próximos lançamentos vão estar mesas que combinam cortiça e pedra, material que a marca usa pela primeira vez, e cadeiras com estofos em madeira entrelaçada.

No arranque do negócio, Hugo e Joana contaram com o apoio do Passaporte para o Empreendedorismo, uma bolsa atribuída a cada um dos designers entre 2013 e 2014. Desde então que a empresa sobreviveu com as vendas, fruto no investimento feito na internacionalização, e com apoios de algumas associações. Em 2016, seguiu a primeira grande encomenda: dois contentores com 1.000 mesas Flora para os Estados Unidos, atualmente, principal destino das exportações da DAM, a par com França, Alemanha e Reino Unido. Até hoje, as vendas para fora de Portugal têm representado entre 80% e 90% da faturação da marca. No ano passado, ocuparam um espaço próprio, dentro da incubadora Oliva Creative Factory, em São João da Madeira, onde trabalham desde 2015. São 55 m2 de escritório, estúdio e showroom e com lugar para um terceiro elemento, na prática, o primeiro reforço da empresa. Durante este ano e o próximo, Hugo e Joana vão beneficiar do apoio do Portugal 2020. O negócio está no bom caminho, mas dificilmente o veremos crescer em Portugal.

A mesa Flora, em tamanhos e cores diferentes © Divulgação

Não é à toa que é difícil comprar estas peças a título particular, em solo português. Os pontos de venda, físicos e online, estão estrategicamente localizados em Espanha, França, Holanda, Estados Unidos e Dubai, onde as lojas se regem por outros métodos que não o da consignação. À exceção desses, restam só mesmo os projetos fechados com profissionais, como foi o caso da Quinta do Craveiral, em plena Costa Alentejana. Aí, a DAM desenhou e fabricou mais de metade das peças que compõem o recheio dos 33 quartos. Mas há esperança. A scar-id, concept store do Porto, mantém algumas peças à venda na sua loja online e, pontualmente, na loja física.

A produção, essa sim, continua a ser feita em Portugal, entre Paços de Ferreira e Leiria. A proximidade com os fabricantes permite à DAM produzir com grandes oscilações nas quantidades e personalizar as peças à medida de cada projeto e cliente. Quanto a testar novas peças, essa parte, tal como no início, continua a ser feita em casa. É lá que tudo é experimentado, até mesmo os móveis e acessórios de decoração que nunca chegaram ao mercado. Aos 32 anos, Hugo e Joana não fazem planos demasiado ambiciosos. Nos próximos cinco anos, esperam que a produção própria venha com o crescimento da marca. As peças continuarão a ser especiais. Os outros que fiquem com as camas e roupeiros, que eles só querem desenhar as peças emblemáticas da casa.

Nome: DAM
Data: 2013
Pontos de venda: scar-id, Rua do Rosário, 253, Porto
Preços: 58€ a 3.170€ (segundo os preços praticados pela scar-id)

100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.