A Assembleia da República vai ficar à margem do caso das supostas adoções ilegais ligadas a um lar da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) que funcionou até 2001, reveladas numa reportagem da TVI. Na investigação, várias testemunhas levantavam suspeitas sobre a legalidade dos processos de retirada das crianças às famílias e também sobre a entrega destas mesmas crianças a famílias de bispos da IURD. PS, PCP e Bloco de Esquerda opõem-se às propostas do PSD e CDS que defendem a criação de comissões para investigar o caso. PS e BE só aceitam a criação de um grupo de trabalho, mas dedicado à avaliação do sistema de adoção no geral e não relativo a este caso concreto.

“A verdade deve ser apurada em sede judicial”, defendeu a deputada do BE Sandra Cunha quando falou das propostas da direita. No PS, Catarina Marcelino disse o mesmo e ainda acrescentou que não podiam “contar com o PS para misturar um caso de há dez anos com o sistema de adoção vigente que é um bom sistema”. A deputada socialista admite apenas a constituição de um grupo de trabalho. Mas o único que está em cima da mesa foi o que foi proposto pelo Bloco de Esquerda, na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, mas que ainda não foi formalizado. De qualquer forma, o grupo de trabalho proposto cinge-se à avaliação dos procedimentos atuais para adoção seguidos em Portugal. No PCP, o deputado António Filipe defendeu que o assunto “deve ser objeto de atenção por parte da comissão parlamentar competente” e não de uma nova criada exclusivamente para esse efeito.

Teresa Morais, do PSD acusa a atual maioria parlamentar de preferir “diluir o assunto para que nada se apure e verdadeiramente nada se esclareça”. E no CDS, a deputada Vânia Dias da Silva diz que “parece haver o branqueamento de uma história. Agora percebemos quem adota este silêncio, é a maioria”, acusa a deputada que considera que o caso “não tem só questões judiciais, mas de procedimentos internos de instituições públicas que cabe ao Parlamento fiscalizar”. O CDS diz que o tema é relevante e promete “voltar à carga” na próxima sessão legislativa, já que considera insuficiente o grupo de trabalho proposto pelo BE.

O tema das supostas adoções ilegais da IURD chegou ao Parlamento através de uma petição — “Não adoto este silêncio” — para uma comissão de inquérito parlamentar sobre o assunto, mas os dois únicos partidos a avançarem com iniciativas legislativas — o PSD e o CDS — não foram tão longe com os peticionários pretendiam. O projeto de lei do CDS pedia a criação de uma Comissão de Avaliação Técnica Independente para apurar os factos e analisar os procedimentos que levaram às adoções em causa. E o projeto de resolução do PSD defendia a constituição de uma comissão eventual no Parlamento para tratar o mesmo caso. Ambos previam que também fossem avaliados os procedimentos administrativos utilizados nos processos de adoção em geral.

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No debate sobre as propostas, a deputada do PSD Teresa Morais desafiou os partidos da esquerda a “não se colocarem do lado dos indiferentes e dos coniventes“, mas o apelo não teve resposta positiva. Por seu lado, Sandra Cunha, do BE, acusou os partidos da direita de tentarem “misturar procedimentos que estão a ser alvo de investigação criminal com outros” e que isso “é de enorme irresponsabilidade e imprime ao sistema de adoção uma imagem de algo nebuloso“.

A proposta do CDS passava por colocar o assunto fora da Assembleia da República, numa comissão técnica com mandato de 120 dias e composta “por onze especialistas de reconhecido mérito no âmbito do direito da família e menores, bem como nas áreas do serviço social e da psicologia”. Sete designados pelo presidente da Assembleia da República e três indicados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. O último especialista seria cooptado. Um modelo muito semelhante ao que foi usado para a constituição da comissão técnica independente sobre os incêndios de Pedrógão Grande. Este projeto foi rejeitado, com os votos contra da esquerda. O CDS votou a favor e PSD e PAN abstiveram-se.

O PSD preferia que a avaliação do caso decorresse no âmbito parlamentar, e que a comissão eventual não só permita “o apuramento dos factos trazidos ao conhecimento deste Parlamento, especialmente sobre a atuação das entidades envolvidas nos processos, como também, e sobretudo, impeça que situações destas se voltem a repetir no futuro”. A comissão teria 120 dias para produzir uma relatório com a conclusão dos trabalhos. O projeto resolução foi chumbado pela esquerda, com a abstenção do PAN e os votos a favor do PSD e CDS.