Meia hora antes de dar o concerto mais celebrado do último dia do festival Super Bock Super Rock, Benjamin Clementine estava bem disposto. Sentia-se “sortudo e afortunado” por ser um caso de tão grande sucesso em Portugal. O concerto deste sábado foi o 14º do músico no país em apenas três anos. Um número pouco habitual para um artista estrangeiro. “O público português é mesmo específico e é muito especial. Não estou a inventar, é verdade. É o que é, e nem eu consigo perceber bem porquê”, garantiu Clementine em conversa com o Observador antes de subir ao palco da Altice Arena.
A conversa foi a última que o cantor e compositor inglês teve com os jornalistas antes do concerto. Como as anteriores, foi curta e apressada pelo horário apertado. Mas os poucos minutos disponíveis antes do espetáculo permitiram-lhe dar um abraço ao rapper Stormzy, que tinha acabado de atuar pouco antes e que o quis saudar nos corredores do backstage. “É bom ver-te, meu. Vais tocar agora?”, perguntou o compatriota de Clementine, nascido em Croydon, no sul de Londres. “Sim, daqui a poucos minutos”, respondeu o cantor. “Porreiro, vou descer para te ver”, prometeu o outro. Ao mesmo tempo, os performers da companhia espanhola La Fura Dels Baus aqueciam e aliviam o stress pelos corredores da Altice Arena.
Apesar do grande carinho do público português, que Clementine reconheceu ter crescido com “um anúncio da Super Bock que tinha essa canção e que ajudou a que as pessoas me conhecessem ainda mais”, o músico evita pensar demasiado nas reações dos fãs. Tanto assim é que, depois de um primeiro álbum de grande sucesso, At Least For Now, que venceu inclusivamente o prestigiado prémio musical Mercury, Benjamin Clementine arriscou. Fugindo aos instrumentos habituais, tirando alguma da predominância que o piano tinha nas suas canções, Clementine começou a compor temas mais experimentais, com recurso ao cravo. O objetivo era usar um instrumento europeu para servir canções sobre uma Europa em crise (social, política, humanitária). Daí nasceu o seu segundo disco, I Tell a Fly.
Perguntámos-lhe se foi difícil conciliar a vontade de ser ouvido com a procura de uma nova sonoridade, menos próxima da pop atual: “Como artista, só podes fazer aquilo que tens mesmo de fazer. São as pessoas que escolhem se acolhem ou não a tua música. Os portugueses parecem entender a minha, que não é radiofónica nem comercial. Não perco tempo a pensar sobre quem está a ser mais ouvido na rádio. Não sou esse tipo de artista, não é isso que me interessa”, respondeu.
Um bom concerto na sala errada
O concerto não trouxe grandes novidades face a atuações anteriores. Houve boas canções, um performer com perfeito controlo sobre o piano, que toca com grande virtuosismo, e uma envolvência agradável com a banda que o acompanha. Esta inclui um baterista, um guitarrista e um pequeno grupo de músicos nos instrumentos de cordas, com o violino em grande destaque, a acrescentar alguma opulência erudita às canções.
A Altice Arena não estava cheia. O público presente no concerto de Benjamin Clementine não era muito superior àquele que estava na sala no final dos concertos de abertura dos dias anteriores (tributo a Zé Pedro e, em especial, Slow J). O que revelou desde logo a reduzida afluência ao último dia de Super Bock Super Rock, que, em abono da verdade, não tinha muitos chamarizes além do concerto do inglês.
Benjamin Clementine não pareceu importar-se muito com os espaços vazios na plateia e nas bancadas, estas últimas mais bem compostas. Afinal, um concerto de Clementine não precisa de ser visto de pé. Não há saltos nem mosh, há intimidade partilhada entre músico e público. Aos fãs, o cantor dirigiu algumas palavras em português e ainda palavras como “obrigado”, “Portugal” e “Lisboa”, proferidas durante o concerto e por vezes até cantadas durante as canções.
No ecrã atrás do palco, iam surgindo imagens de crianças, refugiados, vítimas de guerras antigas e recentes. Eram a melhor base visual para as canções interventivas de Clementine e para a sua voz portentosa, que sobrevive até sem música, como provou o cantor em algumas canções entoadas a capella. A certa altura, Clementine convidou Ana Moura, a cantora “mais elegante e mais bonita”, para cantar “I Won’t Complaint”. Um convite que costuma endereçar a músicos de vários países porque, explicou ao Observador, gosta “de abraçar músicos do sítio” em que toca, “músicos locais”. Os músicos, lembrou, “têm de ultrapassar dificuldades” e a união faz a força.
Já com o concerto avançado, Clementine dedicou o hino “Condolences”, cantado por todos, a “uma senhora que morreu”, presumivelmente a sua avó. “Phantom Of Aleppoville” resulta sempre muito bem ao vivo e foi outro dos destaques da noite. Mas foi “Jupiter”, uma grande canção, que elevou o concerto e o entusiasmo da assistência. Até a Benjamin Clementine, que a cantou de sorriso rasgado.
De mão dada com o baterista, o inglês começou a percorrer um corredor pelo público passando o microfone às pessoas para cantarem o verso “The decision is mine”, do tema “Adiós”. Foi uma boa despedida de um concerto que só pecou pela dimensão da sala, demasiado grande para Benjamin Clementine e sem uma acústica e proximidade com o público adequadas para a sua música. Clementine é muito melhor em salas fechadas do que em festivais de verão. A prova? O facto do inglês ter sido obrigado a pedir para a plateia se calar, a meio da atuação. Nada que faça com que o longo romance do músico com Portugal termine em divórcio. Afinal, uma mensagem nos ecrãs com uma citação sua reforçava isso mesmo: “Eu vou-me lembrar de Portugal para sempre”.