“We are going to Tejo” — o mote é dado pela própria Madonna durante a sessão fotográfica para a edição de agosto da Vogue Itália. A viver em Lisboa há praticamente um ano, a rainha da pop não demorou a mostrar ao mundo os seus locais de eleição na capital portuguesa. Bem, pelo menos aqueles por onde tem passado, agora que se mudou para uma cidade pacata e está dividida entre o estúdio (há um novo álbum apontado para o fim deste ano) e a vida familiar. Entre eles, está o Tejo Bar, no coração de Alfama. O sítio não pode ser julgado pelos seus poucos metros quadrados. Está claramente à medida de Madonna e da sua trupe, que é como quem diz dos músicos portugueses e africanos com quem a cantora tem estreitado laços. Mais do que apenas música, o Tejo Bar é um lugar reservado à pintura, ao desenho e à literatura. Aberto à participação de todos, o improviso parece ser uma das poucas regras da casa.

No dia 23 de março, a cantora tornava público, através do Instagram, um serão, ao que tudo indica, bem passado. Pelo menos a companhia era de luxo. Mayra Andrade cantava “Bia Lulucha” de Cesária Évora, acompanhada por Alexander Kurt Fransche, um jovem guitarrista austríaco de passagem por Lisboa. Atrás deles, o artista plástico italiano Tony Cassanelli dava as últimas pinceladas na tela. “Há sempre uma surpresa no Tejo Bar em Alfama”, escreveu Madonna. Há duas semanas, mais um referência ao bar que, até aqui, tinha passado despercebido para os portugueses e para a população mundial, no geral. Na produção que fez capa da Vogue Itália, em junho, Madonna levou a equipa da revista, bem como os fotógrafos Mert Alas e Marcus Piggott ao Tejo Bar, num cenário ligeiramente composto para a fotografia. Não faltaram alguns dos habitués do estabelecimento, nos últimos tempos, também eles parte do grupo de amigos da artista, Dino d’Santiago e Kimi Djabate incluídos. O ambiente, registado nas páginas da edição de agosto da Vogue, não foi criado em exclusivo para Madonna (apesar de pelo meio haver uns quantos manequins profissionais, só para a fotografia). Esta atmosfera intimista e a meia luz tem a porta aberta de segunda-feira a sábado. Fomos espreitá-la.

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Tejo Bar, uma sala de estar em Alfama

Abre às dez da noite, embora, até perto das 23 horas, o bar esteja por conta do silêncio e de um empregado que prepara a noite atrás do balcão. A decoração é, no mínimo, confusa — aquela desarrumação com charme que confere a qualquer espaço, sobretudo a um pequeno e meio escuro, uma certa aura artística, mesmo que o chão seja de mosaico. Nesse sentido, os livros e vinis a monte e os desenhos que cobrem as paredes — entre eles um rosto de proporções exageradas que faz lembrar Madonna e o seu visual Marie Antoinette nos prémios da MTV, em 1990 — são completos acessórios. Pelas 11 da noite, é pelas mais do dono do bar, o músico cabo-verdiano Jon Luz, que soam os primeiros acordes. Poucos assistem, mas desses poucos há quem pareça ter vindo já com o intuito de se juntar à roda. Confirma-se. Minutos depois, há um amigo da casa com outra guitarra e um visitante francês ao piano. Este último puxa a brasa ao jazz e o resultado é uma miscelânea agradável aos ouvidos.

O Tejo Bar numa noite (como todas as outras) de música ao vivo © Fotografia retirada do Facebook

“Oi Cabo Verde terra estimada” — afinal Jon Luz também tem voz e talvez este bar seja mesmo um altar erguido a Cesária Évora. Chega mais um música e já são três cordas contra um par de mãos nas teclas. O pianista prova que também canta e escolhe “La Mer”, de Charles Trenet. Entretanto, o dono da casa regressa às cantorias. O “Trem das Onze” de Adoniran Barbosa parte atrasado, mas faz a noite rumar a outro continente, a América do Sul. O bar enche e quase metade dos convivas estão de pé. Agora sim, o cenário começa a parecer-se muito mais com o que vimos no Instagram de Madonna e nas páginas da Vogue. Chega mais um músico e os idiomas multiplicam-se dentro destas quatro paredes. Inglês, ingleses que arranham o francês, francês em condições, espanhol e português do Brasil.

E ao contrário do que se vê um pouco por todo o bairro de Alfama, os turistas não estão em maioria (pelos menos, até ver). Quem aparece sabe ao que vem. No limite, é trazido por um amigo cicerone. A diferença entre estreantes e habitués nota-se, ouve-se sobretudo. Em nome da boa relação com os vizinhos, os aplausos são substituídos pelo esfregar das mãos (exato, como se toga a gente tivesse frio). Há quem desconheça uma das poucas regras do Tejo, mas mesmo esses aprendem depressa. Os amigos da casa são recebidos com abraços e sabem bem que são os músicos o centro das atenções. O alinhamento é improvisado, serão após serão, e aberto a quem se queira juntar. Tivéssemos a mínima habilidade musical ou performativa e teríamos saltado para a frente e feito parte do repertório.

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A very special evening in Alfama

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Ouvimos música numa noite a meio da semana, mas acabámos por sair para apanhar ar — desvantagem de se ir a um bar pequeno, sem janelas e com a porta encostada. Demos lugar a outros e deparámo-nos com uma pequena multidão à porta, de copo na mão e em amena cavaqueira. “Caros amigos, evitemos o barulho cá fora, para o bom ambiente no Tejo e arredores”, lê-se numa placa junto à porta. Poucos minutos depois, uma segunda placa é posta no lado de fora da porta. O bar está “cheio”, como já se previa. O entra e sai continua e, ainda na rua, demos dois dedos conversa com Jon Luz. Em nenhum momento se apresentou como dono do Tejo Bar, no entanto lançou-nos o desafio, o de levarmos um poema para ler na nossa próxima visita. Com Madonna a assistir é que era, mas sabemos que é difícil. A verdade é que já foi mais, afinal quem diria que, em 2018, a lenda viva da pop ira estar a viver em Lisboa e a passar longos serões musicais em Alfama? Sim, havemos de voltar. Quanto ao poema, logo se vê.