As imagens dos discursos de Adolf Hitler, onde o líder do Partido Nacional-Socialista alemão cuspia palavras de ordem e agitava os braços, ficaram gravadas na memória coletiva como exemplos claros da oratória aguerrida dos nazis alemães. Contudo, um novo estudo académico vem agora dizer que o efeito concreto desses discursos na conquista do poder por parte de Hitler fica muito aquém do que era esperado.

Dois cientistas políticos alemães, Peter Selb ( da Universidade de Konstanz) e Simon Munzert (da Escola de Administração Hertie), resolveram analisar as cinco eleições parlamentares e a única eleição presidencial que ocorreram entre 1927 e 1933 — altura em que o Partido Nazi teve um crescimento exponencial, passando de força política marginal a Governo — e tentar compreender qual fou efeito eleitoral que os discursos de Hitler tiveram nos locais onde se realizaram os comícios. Os resultados, que serão publicados na American Political Science Review, dão conta de um efeito “insignificante”.

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De acordo com o El País, entre estas datas Hitler participou em mais de 500 atos eleitorais por todo o país. Para além de ter sido o primeiro político a utilizar um avião para ir para comícios, escreve o jornal, havia alturas em que chegou a estar em cinco cidades diferentes no mesmo dia. “O próprio Hitler parecia acreditar no poder da sua retórica e pensava que era possivelmente a ferramenta de propaganda mais eficaz que [os nazis] tinham”, explica um dos autores do estudo, Simon Munzert.

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Selb e Munzert analisaram não só resultados eleitorais de milhares de cidades como também dados como número de participantes em congressos eleitorais, a quantidade de adesões ao partido e os eventos de campanha em que Joseph Goebbels, número dois do partido, participou. O site de ciência EurekAlert explica que os investigadores recorreram ao método estatístico chamado “diferença nas diferenças”, comparando tendências eleitorais em regiões onde Hitler discursou com outras zonas semelhantes onde o líder nazi não esteve.

O resultado é claro: o impacto eleitoral dos discursos de Hitler é “completamente insignificante” nos resultados eleitorais, dizem os dois autores. “Ficámos surpreendidos ao perceber quão marginal foi o efeito das aparições públicas de Hitler, particularmente quando pensamos nos testemunhos contemporâneos e nos historiadores que confirmaram as suas capacidades retóricas excecionais”, resumiram os autores num comunicado. Para Selb e Munzert, tal significa que para além dos líderes políticos — mesmo os mais carismáticos — é necessário ter em conta outros fatores como “o desemprego em massa e a crise económica, a falta de confiança na democracia entre as elites e a população, a desconfiança popular nos partidos”.

O professor da Universidade da Califórnia Nico Voigtländer, que estudou o Partido Nazi, declarou à Newsweek que considera que as conclusões principais do estudo recorrem demasiado a generalizações: “Este estudo questiona a importância dos líderes carismáticos no sucesso dos movimentos populistas, mas uma afirmação dessas só pode ser feita relativamente ao período anterior ao controlo do aparelho do Estado e dos meios de comunicação por parte do regime nazi.”

O historiador alemão Sven Felix Kellerhoff também fez algumas críticas ao estudo no jornal Die Welt e resumiu o que crê explicar os resultados do estudo de Selb e Munzert: “Os discursos de Hitler e Goebbeles tiveram uma função completamente diferente”, explica, garantindo que o principal objetivo destes discursos não era o de convencer novos eleitores. “Eles mobilizavam apoiantes já convencidos, bem como outros interessados que muitas vezes viajavam de longe apenas para vir assistir aos discursos.”