There are places I’ll remember all my life, though some have changed. Some forever, not for better. Some have gone and some remain. Estes são os dois primeiros versos de In My Life, uma das músicas mais célebres dos The Beatles. Incluída no álbum Rubber Soul, de 1965, fala sobre memória: as coisas de que nos lembramos, as pessoas de que nos lembramos e as coisas e pessoas de que nos esquecemos. Ironicamente, é talvez a música que mais polémica criou devido à memória dos próprios membros da banda britânica – ou à falta dela.

Os Beatles separaram-se em 1970, cinco anos depois do lançamento de In My Life. Em 1980 – ano em que acabaria por morrer -, John Lennon deu uma entrevista onde garantia ter sido ele o autor da grande maioria da música. Mais tarde, já depois da morte de Lennon, Paul McCartney reivindicou a autoria da canção. Como os dois acordaram, ainda adolescentes, repartir todos os direitos de autor das músicas que escrevessem – criando assim a assinatura Lennon-McCartney, uma das mais bem sucedidas da história -, era impossível saber quem estava a dizer a verdade. Tudo o que restava era a memória contrastante de cada um.

https://www.youtube.com/watch?v=En4fyOf-X1E

Até que a matemática entrou em campo. Jason Brown, professor de matemática na Dalhousie University, juntou-se a dois colegas de Harvard para descobrir cientificamente quem é que, afinal, escreveu In My Life. As conclusões foram reveladas a 1 de agosto pelo próprio Brown, numa apresentação a que chamou “Assessing Authorship of Beatles Songs from Musical Content: Bayesian Classification Modeling from Bags-Of-Words Representations”. E, para os autores da investigação, foi John Lennon quem escreveu a totalidade da canção.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O método que os três investigadores utilizaram para chegar a esta conclusão foi até bastante simples. Criaram bags of words ou, em português, sacos de palavras: analisaram 70 músicas dos Beatles cuja autoria é conhecida e destacaram 149 transições distintas entre notas e acordes. Cada uma dessas transições é única e pertence exclusivamente ou a Lennon ou a McCartney. E isso pode ser ouvido nas músicas cuja autoria é conhecida: Lennon escreveu Help!, Come Together e Don’t Let Me Down, por exemplo, enquanto que McCartney escreveu Yesterday, Let It Be e Hey Jude.

Lennon escreveu tudo. Quando fazemos as contas e somamos os pequenos pedacinhos que são únicos, a probabilidade de ter sido McCartney a escrevê-la é de 0,018 – essencialmente zero”, explicou Keith Devlin, matemático na Universidade de Stanford, à NPR.

Ainda assim, e apesar de as conclusões serem bastante definitivas, existe sempre a possibilidade de John Lennon e Paul McCartney terem apanhado as técnicas, vícios e manias um do outro depois de tantos anos a compor juntos. Keith Devlin concorda mas garante: “O Lennon utilizava as mesmas coisas vezes e vezes sem conta. Tal como o McCartney. Tem a ver com a colaboração. As duas coisas juntavam-se e funcionava. Mas continuavam a ser pedaços separados e a matemática isolou esses bocados que são únicos e de cada um”.