O corpo encontrado, esta sexta-feira, no distrito de Portalegre, é mesmo de Luís Miguel Grilo, o triatleta desaparecido há mais de um mês na na zona das Cachoeiras, perto de Vila Franca de Xira. O Observador apurou que os elementos recolhidos no local e encontrados no corpo confirmam as primeiras suspeitas, avançadas este domingo pelo Jornal de Notícias.

O corpo foi encontrado na estrada municipal 1070, perto de Alcórrego (distrito de Portalegre), por um homem que sentiu o cheiro a putrefação enquanto fazia uma caminhada. O corpo estava nu e em decomposição, com um saco de plástico na cabeça e sinais de violência, num cenário de crime de homicídio. A bicicleta na qual o atleta tinha ido treinar não foi encontrada no mesmo local.

Tal como o Observador tinha avançado, o caso já estava entregue à equipa de homicídios da Polícia Judiciária, apesar de, na altura do desaparecimento, se manterem todas as hipóteses em cima da mesa. Pelas descobertas agora feitas, não haverá grandes dúvidas de que se trata de um homicídio.

“Isto é um pesadelo e estamos à espera de acordar”. A história de Luís Miguel Grilo, o triatleta que saiu para treinar e nunca mais voltou

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Contactado na manhã deste domingo pelo Observador, um dos amigos de Luís Grilo ainda não tinha qualquer confirmação por parte das autoridades. Ainda assim, acreditava haver “muita probabilidade” de o cadáver encontrado ser mesmo do amigo. “Pela idade, pelas especificações que existem e pelo saco encontrado na cabeça. Só mesmo dando muita pancada [é que o podiam ter levado]. Tem de haver um crime violento”.

O amigo sublinhava ainda a ansiedade vivida pela família e pelos amigos. “A mulher está em negação, não quer acreditar. Nós, amigos, conhecendo bem o Luís, sabemos que ele não ia embora. Assim sendo, é muito difícil que ainda esteja vivo. É preciso que isto tenha um fim, para a família e os amigos terem paz“.

Recorde-se que o atleta saiu para um treino de bicicleta, a 16 de julho, pelas 16 horas, na zona das Cachoeiras, onde residia. Deveria ter regressado ao fim de duas horas, mas nunca mais voltou. A GNR e a Polícia Judiciária percorreram toda a zona, ajudadas por amigos e familiares de Luís Grilo, mas nunca conseguiram encontrar rasto ao desaparecido.

A única pista chegou ao terceiro dia de buscas. Através do sistema de localização GPS, foi encontrado o telemóvel do triatleta. Estava desligado, fora da bolsa de plástico onde costumava ser transportado e atirado para uma berma de estrada em Casais da Marmeleira — a seis quilómetros da sua casa. Com a descoberta do equipamento, e sobretudo as circunstâncias em que foi encontrado, passou a suspeitar-se de crime e o caso passou para a alçada de uma equipa de homicídios da PJ.

O atleta amador que treinava como profissional e era uma inspiração

Luís Grilo chegou àquele dia 16 de julho, àquele treino que era suposto demorar duas horas, apenas 15 dias depois de regressar de Frankfurt, na Alemanha. Foi lá que participou no terceiro Ironman da sua carreira — a prova mais exigente do triatlo, que inclui 3,8 quilómetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida (o equivalente a uma maratona). Ficou no lugar 663 da geral (em 2.300 participantes) e no 55.º do seu escalão (em 298 atletas).

Luís Grilo na última prova em que participou, o Ironman de Frankfurt, que terminou no lugar 663 da geral (em 2.300 participantes) e no 55.º do seu escalão (em 298 atletas).

Pedro Pisco, companheiro na equipa Wikaboo, estava lá (e ficou meia hora atrás de Luís, apesar de ser mais novo seis anos), assim como estava lá na primeira prova de todas — o Triatlo de Lisboa, em 2015. “Inicialmente, corríamos maratonas mas, em 2015, resolvemos passar aos triatlos. Naquela prova, que foi a primeira para os dois, lembro-me de olharmos um para o outro e pensarmos: ‘No que nos fomos meter?‘”, recordou ao Observador, ainda antes do desfecho do caso. “Tenho 40 e tal anos, ele 50, mas no fundo somos miúdos, não é?”, atira. “Queremos sempre mais coisas e mais difíceis. Já tínhamos feito todas as maratonas, que são a prova de atletismo mais difícil. Pensámos: ‘Vamos só complicar isto um bocadinho e, em vez de praticarmos um desporto, vamos praticar três ao mesmo tempo”.

Daí até começar nas longas distâncias foi um salto — não só temporal, mas também de fé e dedicação. Apesar de amador, Luís costumava treinar como um profissional: duas vezes por dia quando se aproximavam as provas, isto sem falar dos longos treinos ao fim-de-semana, na companhia dos colegas de equipa. Chegava a pedalar quatro horas seguidas em Setúbal, o destino escolhido para as sessões mais longas. “O que o move é a superação”, garantiu na mesma altura ao Observador a mulher, Rosa. “O Luís é uma pessoa muito persistente, muito determinada e gosta de ser desafiado. O desporto é uma superação boa. Podem doer as pernas mas, no dia seguinte, há a vontade de fazer mais e mais”. O esforço deu frutos: em 2016, participou no seu  primeiro Ironman, no sul de Espanha. Que o marcou tanto que foi tatuado na perna direita. “Fui eu que o incentivei a fazer”, conta Rosa. “Os colegas também têm, é algo que marca. Se há coisa que se pode tatuar na pele é o que se sofreu e passou numa prova dessas, não é?”.

Não admira que, mais do que um amigo, Luís Grilo fosse uma inspiração para o jornalista da TVI, José Gabriel Quaresma. Conhecem-se desde os tempos da Escola do Bom Retiro, há quase 40 anos, e a vida colocou-os, já adultos, em rotas parecidas. “Tal como eu, há uns cinco anos o Grilo era obeso”, revela. “Decidi mudar de vida e começar a praticar desporto, ele fez o mesmo. Nunca lhe disse, mas ele sempre me serviu de inspiração, como era mais velho e mais obeso do que eu. Pensava: ‘Se o Grilo consegue, eu também hei-de ser capaz’. Vê-lo treinar com aquela determinação dava-me uma dose extra de motivação”, conta o jornalista, que costumava encontrar Luís Grilo no jardim Constantino Palha, em Vila Franca de Xira, onde ambos faziam treinos de corrida.

O engenheiro informático maluco pelo Benfica

Luís Miguel Grilo era natural de Alverca do Ribatejo, onde viveu até casar, distribuindo o tempo que lá passava com aquele vivido em Vila Franca de Xira, onde estudou na Escola Professor Reynaldo dos Santos — conhecida como a Escola do Bom Retiro. Foi precisamente no apartamento onde cresceu que, anos mais tarde, fundou a Gsystem — a empresa que dirigia e onde trabalhava como engenheiro informático, a par da mulher, responsável pela área administrativa.

Ainda antes de ser conhecido o desfecho do caso, Luís Grilo era conhecido na zona como um “homem calmo, mas com grande sentido de humor”, como recordou ao Observador Ana Baião, funcionária do café La Bambolina. Luís costumava frequentar aquele espaço mas, desde que adotou uma cadela de grande porte — a quem deu o nome de Analice, em homenagem à atleta Analice Silva, que morreu aos 73 anos vítima de cancro —, começou a optar pelo café ao lado, porque tem esplanada. Ana, que se cruzava com Luís Grilo há mais de 20 anos, lembrava também a sua paixão desmesurada pelo Benfica. “Temos isso em comum. Ele gostava sempre de mandar a sua boquita”.

Em casa, nunca houve dúvidas a respeito do canal a sintonizar na televisão: a BTV. “É um dos defeitos que ele tem”, brinca o amigo Pedro Pisco. “Quando começavam os jogos, ele ia para a bicicleta para dar força. Se o jogo tivesse 90 minutos, eram 90 minutos; se tivesse 120, eram 120”, recorda. Rivalidades à parte, “o Luís era o amigo com quem se podia sempre contar”. “Vivíamos a 70 quilómetros um do outro, mas era mais fácil combinar coisas com ele do que com pessoas que estão mais perto”.

Para lá do desporto, para lá da engenharia informática, havia a paixão por animais. “Temos uma catrefada de bichos”, diz Rosa Grilo. E enumera: “Três gatas, um gato e uma cadela. Dão-se todos bem, mas têm dias, como os humanos”. Dois dos gatos, Luís adotou da Associação Tiarama — de onde também saiu a cadela Analice, sua grande companheira. “A cadela pirou-se da Associação e foi a correr atrás dele, fizeram juntos um treino de 20 quilómetros”, recorda a mulher. “Quando chegou ao fim, ligou-me a dizer que uma cadela lhe tinha entrado para o carro. Eu disse-lhe para a trazer”.

Luís era também apaixonado por tudo aquilo que está para lá dos horizontes diários. Apesar de viver numa terra pequena, o mundo era grande aos seus olhos e feito para ser explorado. África era a grande paixão: já esteve em São Tomé, Cabo Verde, África do Sul e Moçambique. Na lista de destinos a conhecer pelo casal, a Patagónia estava em primeiro lugar. Um sonho que, sabe-se agora, ficou por cumprir.