A precisamente um mês da primeira volta (do outro lado do Atlântico, primeiro turno) das eleições presidenciais brasileiras, o candidato que lidera as sondagens sofreu um ataque violento. Jair Bolsonaro foi esfaqueado esta quinta-feira durante uma ação de campanha em Minas Gerais e depressa começaram os cálculos sobre o impacto que isso pode vir a ter no combate eleitoral. E as contas não só só políticas, na cúpula das Forças Armadas brasileiras teme-se que este acontecimento inédito no país possa acender o rastilho de uma campanha já muito nervosa, arriscando uma escalada de violência.
Bolsonaro tem 63 anos é um militar na reserva e é o candidato da extrema-direita. Polémico, de posições extremas e declarações incendiárias, homofóbicas, racistas, incitadoras de violência, já ganhou a alcunha de “Donald Trump brasileiro”. Se a primeira volta que está marcada para 7 de outubro tivesse sido esta quinta-feira, seria ele o vencedor. Na sondagem do instituto Ibope conhecida esta quinta-feira, pouco antes do ataque, o candidato pelo Partido Social Liberal apareceu como vencedor na primeira volta das eleições, com 22% nas intenções de voto, contra qualquer candidato. Foi a primeira sondagem feita sem considerar a candidatura de Lula da Silva, cuja candidatura foi afastada pelo Tribunal Superior Eleitoral há uma semana. Mas o candidato Bolsonaro já não conseguiria vencer à segunda volta (marcada para o dia 28 de outubro). Na sondagem aparece atrás dos principais candidatos à sucessão de Michel Temer, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin, que podem passar à segunda volta (são dois os candidatos que passam à segunda volta).
Bolsonaro está estável já falou após cirurgia: “Nunca fiz mal a ninguém”. Segundo suspeito detido
Bolsonaro parece estar no ponto máximo dos votos que consegue arrecadar nesta corrida. Mas agora, o tempo verbal desta última frase tem obrigatoriamente de ser corrigido: Bolsonaro parecia estar no ponto máximo dos votos do que conseguiria arrecadar nesta corrida e isto porque o acontecimento desta quinta-feira pode baralhar todas as contas. O primeiro a apontar para o impacto eleitoral do ataque foi mesmo o filho do candidato, Flávio Bolsonaro, poucas horas depois de tudo ter acontecido. O deputado estadual e candidato ao Senado disse que o pai “está mais forte do que nunca” e deixou, ali mesmo na porta no hospital onde o pai foi assistido, um “recado para esses bandidos que tentaram arruinar a vida de um cara que é um pai de família, que é esperança para todos os brasileiros: vocês acabaram de eleger o presidente, vai ser no primeiro turno“.
E não foi o único a avaliar prontamente o impacto político que poderia sair daquele momento. Citado pela Folha de São Paulo, o candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB, João Doria, comentou que o candidato do seu partido, Geraldo Alckmin, tinha agora a vida complicada. Doria não foi tão otimista como Flávio Bolsonaro, dizendo apenas o que as sondagens já davam como certo antes mesmo do esfaqueamento: “Jair Bolsonaro está no segundo turno das eleições por força do atentado que sofreu”. Mas a parte mais relevante das declarações captadas pelos participantes do encontro é que João Doria mostra temer as consequências da estratégia recentemente adotada por Ackmin. Nos últimos dias, a sua candidatura tem insistido em vídeos a atacar o candidato da extrema direita. “Ele só vai estimular e favorecer o Jair Bolsonaro”, disse o candidato ao Governo. O que é certo é que depois do ataque a Bolsonaro, Alckmin suspendeu a exibição desses vídeos.
O Estadão cita dirigentes da campanha do candidato presidencial do PSDB que justificam o recuo da estratégia por esta se ter revelado “totalmente inadequada” neste momento. É preciso evitar que o candidato da extrema-direita se transforme num “mártir”, consideram as mesmas fontes ao jornal. Mas o episódio já está a ser aproveitado pela candidatura de Bolsonaro, a julgar pelas declarações feitas logo depois do ataque pelo seu vice, o general na reserva Antonio Hamilton Mourão, e também por um dos principais conselheiros do candidato que pertence ao PSL, outro general da reserva: Augusto Heleno.
À Folha de São Paulo, Heleno disse que o ataque sofrido pelo candidato Jair Bolsonaro é “resultado de uma campanha de ódio que está sendo feita contra ele, uma campanha de ódio da qual ele foi vítima”. “No fim, era ele o intolerante?”, questionou. Ao mesmo jornal, Hamilton Mourão disse acreditar que Jair “sairá disso maior do que entrou”, admitindo que o caso possa ser decisivo para alguns dos eleitores indecisos. Aliás, Mourão comparou mesmo o caso da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco:
Qual é a tese em relação à morte da Marielle? Que ela foi assassinada em função da atividade que tinha em determinadas comunidades do Rio de Janeiro e que feriu os interesses das milícias. O Bolsonaro, no momento em que está em uma posição de destaque na campanha e tem uma palavra diferente daquilo que o establishment brasileiro considera que hoje seria a necessidade, pode ser exposto por um ato desta natureza”.
O general ainda atirou críticas a Dilma Rousseff, depois da ex-presidente ter lamentado o atentado ao mesmo tempo que apontava o dedo ao próprio candidato da extrema-direita: “Quando se planta ódio você colhe tempestade”. Dilma referia-se à cruzada de Bolsonaro contra os trabalhistas brasileiros e à polémica afirmação (que o candidato teve de vir explicar publicamente), dias antes do atentado, de que se fosse eleito iria “fuzilar a petralhada”.
Depois do ataque chegou a existir uma nota divulgada à imprensa onde o vice de Bolsonaro culpava dretamente um “militante do Partido dos Trabalhadores” pelo que tinha acontecido, mas Adélio Bispo de Oliveira — o primeiro suspeito detido pelo ataque, até agora — tinha pertencido no passado ao PSOL e não ao PT. Não foi o único a fazer relação, o empresário Luciano Hang (que chegou a ser apontado como um possível vice de Jair) responsabilizou “a esquerda maldita” pelo esfaqueamento. A exploração desta tese não deverá ser poupada pela candidatura da extrema-direita até às eleições. Já ontem, o presidente nacional do PSL, Gustavo Bebianno, reagia de forma bélica ao ataque sofrido pelo companheiro de partido: “Agora é GUERRA!!!”, disse citado pela Folha de São Paulo.
Quem é (e o que motivou) Adélio, o homem que esfaqueou Jair Bolsonaro?
E houve outra reação a fazer virar algumas cabeças. A do juiz federal responsável pelo processo Lava Jato no Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, que escreveu no Twitter que Bolsonaro é “mais uma vítima de atentado à democracia, da intolerância de uma minoria arruaceira“, escreveu sem especificar a quem se dirigia com esta última expressão. O atividade do magistrado no Twitter esteve recentemente no foco da imprensa brasileira, depois de o juiz ter “gostado” de tweets de Bolsonaro naquela rede social. Ao Estadão, Bretas confirmou que “concorda com alguns pontos de vista” do candidato, embora tenha recusado dizer em quem vai votar na eleições do próximo mês. O mais recente “like” polémico foi num tweet onde Bolsonaro atacava Lula da Silva.
https://twitter.com/mcbretas/status/1037808671114358785
Este tipo de reação já era antecipado pelas chefias militares brasileiras que se reuniram no dia do atentado, com a imprensa brasileira a antecipar que o encontro aproveitaria para avaliar também o impacto do caso. No final da reunião, o comandante do Exército brasileiro, o general Eduardo Villas Boas, disse à comunicação social que o episódio com Bolsonaro “aumenta muito as preocupações com as eleições”. De acordo com a Folha de São Paulo, para os comandantes militares, o ataque ao candidato da extrema-direita trata-se de um caso isolado sem qualquer relação partidária, mas nem por isso e menor a preocupação com a escalada da tensão nas ruas depois deste ataque, com os militares a temerem mesmo que possam resultar noutro episódios violentos.
Certo é que já existiam alertas da Polícia Federal relativamente ao candidato Bolsonaro que chegou mesmo a usar colete à prova de bala em algumas iniciativas de campanha. Augusto Heleno diz agora que era apologista que o candidato usasse essa proteção sempre que estava público, mas Bolsonaro resistia a essa ideia: “O colete é muito incómodo, não é confortável, principalmente com calor. Ele reagia mal à ideia”. Nas primeiras declarações que fez depois do ataque, a partir de uma cama de hospital, Jair Bolsonaro admitiu que já se “preparava para um momento como esse”, “você corre riscos”, disse em reação ao atentado que acabara de sofrer.
Os vários candidatos presidenciais vieram logo ontem condenar de forma clara o ataque a Bolsonaro e alguns suspenderam mesmo ações de campanha que tinham previstas para esta sexta-feira, como foi o caso de Ciro Gomes, do PDT, em solidariedade com o adversário.