Desde sábado que a final do US Open é tema de discussão devido à veterana Serena Williams e à sua polémica discussão com o árbitro português Carlos Ramos, que acabou por contribuir para a derrota da norte-americana. Mas o que muitos parecem ignorar é que a 23 vezes vencedora de Grand Slams já perdia no momento em que as emoções tomaram conta de si. E o mérito tem de ser atribuído a uma só pessoa: Naomi Osaka, a novata de 20 anos que bateu a sua referência desportiva para conquistar o primeiro Grand Slam da carreira e que parece ver a sua vitória remetida para a sombra, tal foi a luz que todos deram à derrota controversa de Serena.

Quando entrou no court do Estádio Arthur Ashe, a americana de origem japonesa (representa o Japão em competições oficiais) estava longe de imaginar o desfecho do duelo: com um semblante carregado de concentração, os headphones que levava aos ouvidos tocavam Queen, o novo álbum da Nicki Minaj, e Kamikaze, recentemente lançado por Eminem, enquanto se preparava para o segundo duelo com o seu ídolo. O primeiro, esse, tinha acontecido em março deste ano, no quarto encontro de Serena Williams após ser mãe, com a vitória a sorrir a Osaka por dois sets sem resposta.

Era um bom presságio para o que estava para acontecer: num encontro mais emotivo do que o disputado há meio ano, Naomi Osaka manteve-se calma enquanto a norte-americana exteriorizava emoções, demonstrando uma sobriedade e maturidade competitiva atípica para uma jovem de apenas 20 anos. No final, depois de ganhar por 6-2 e 6-4, a atleta de origem nipónica ainda acusou os assobios que se ouviam no recinto, mas acabou por perceber o seu destinatário.

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Na altura em que se estavam a entregar os prémios, achava que os assobios eram dirigidos a mim. Não conseguia perceber o que se estava a passar. Foi um bocado stressante”, confessou Osaka no programa de Ellen DeGeneres, explicando que, quando a partida terminou, não sabia ainda o que se passara entre a adversária e o árbitro, pese embora a curiosidade natural: “Quando somos pequenos, ensinam-nos a não olhar quando o outro jogador fica zangado ou qualquer coisa do género. Dizem-nos para dar a volta e tentarmo-nos concentrar. Na minha mente eu queria mesmo saber o que estava a acontecer”.

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Para além de ter Serena Williams como grande referência no mundo do ténis, a carreira da atual sétima classificada do ranking mundial começa a ficar curiosamente ligada à norte-americana: em 2014, a jovem estreou-se em torneios no Bank of the West Classic, conseguiu avançar duas rondas, mas acabou por ficar pelo caminho; nas bancadas, viu o seu ídolo bater a alemã Angelique Kerber na final, conquistando o troféu. Quatro anos mais tarde, foi Serena Williams a derrotada na primeira vitória de Osaka em Grand Slams.

Mas a história da mais recente vencedora do US Open não começa em 2014, no seu primeiro torneio, nem sequer em setembro de 2013, quando se tornou profissional e foi registada pelo pai na Associação de Ténis do Japão, representando, assim, a seleção nipónica; tudo se iniciou a 16 de outubro de 1997, há quase 21 anos atrás. Em Osaka, cidade japonesa que partilha o nome com a tenista, nasceu Naomi, filha de pai haitiano e mãe japonesa.

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Os progenitores conheceram-se no Japão, já depois de Leonard François, o pai, ter saído do Haiti para Nova Iorque, onde viveu uns tempos. Em terras asiáticas, Leonard e Tamaki Osaka, a mãe, casaram-se, mas nem tudo eram rosas: o avô materno, seguidor das rígidas tradições japonesas, era totalmente contra a relação interracial entre um negro e a sua filha asiática, razão pela qual Tamaki passou dez anos sem ver a família.

“Quando vou ao Japão, as pessoas ficam confusas. Ouvem o meu nome e não estão à espera de ver uma rapariga negra”, admitiu Naomi, numa entrevista em 2016, onde também falou da sua irmã, Mari Osaka. Dois anos mais velha, Mari é a parceira de Naomi em duplas (tal como o seu ídolo, Serena, faz dupla com a irmã, Venus), uma cumplicidade que já vem desde os tempos de infância.

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Com três anos, Osaka mudou-se com a família para os Estados Unidos, onde vive atualmente em Boca Raton, Florida. E foi na América que conquistou o seu maior título até agora, sob o olhar atento de o avô materno, a assistir na televisão, a um continente de distância. “Ainda não caí em mim. Quando ela ganhou, eu e a minha mulher rejubilámos. Estava tão feliz que chorei”, confessou o avô à televisão NHK, acrescentando: “Espero que se mantenha saudável e que consiga vencer nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020”.

Embora Naomi tenha nascido no Japão, a verdade é que pouco ou nada consegue falar de japonês, ainda que compreenda parcialmente. Mas, se o idioma não foi uma das heranças asiáticas que levou consigo até às duas décadas de vida, outras houve que a acompanharam até aos dias de hoje, mais concretamente, uma: o gosto pela série japonesa Pokemon. “I want to be the very best that no one ever was”, quero ser a melhor como nunca ninguém foi, em português, respondeu Naomi numa conferência de imprensa, rapidamente esclarecendo os confusos: “É uma frase do Pokemon, desculpem. É o início do genérico da série. Mas, sim, quero ser a melhor e ir o mais longe possível” (na versão portuguesa, a música foi traduzida para “eu quero ser mais do que perfeito, maior do que a imaginação”).

Adepta de videojogos, especialmente Overwatch, Naomi entrou na ribalta do ténis mundial em 2016, ano em que entrou nas 50 posições iniciais do ranking. Para tal, em muito contribuiu a primeira presença em finais alcançada no Toray Pan Pacific Open, onde perdeu para a antiga número um, Caroline Wozniacki. Em trajetória ascendente desde 2013, Naomi chegou ao US Open de 2017 para fazer a sua melhor prestação no torneio até então, caindo na terceira ronda, antes de derrotar Venus Williams em Hong Kong.

Já este ano, no BNP Paribas Open, em Indian Well, superou a então número um do ranking, Maria Sharapova, na primeira ronda. “Há três pessoas que quero defrontar: Venus Williams, Sharapova e Serena. Agora, só me falta a Serena”, atirava no final do encontro. E não precisaria de esperar muito para o fazer, já que, no Miami Open, semanas depois, levou a melhor sobre a norte-americana, tal como voltou a fazer no passado fim de semana. Antes, ainda no BNP Paribas Open, Naomi Osaka viria a conquistar o seu primeiro torneio da carreira, ao bater a russa Daria Kasatkina na final.

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Da estreia a vencer em torneios a um lugar na história, foi um piscar de olhos: ao vencer o US Open no sábado, Naomi Osaka tornou-se a primeira japonesa a ganhar o Grand Slam norte-americano. Ela, que é descrita como japonesa, americana, japonesa-americana ou, até mesmo, haitiana-japonesa-americana, tem, na realidade dupla nacionalidade, dividida entre Japão e Estados Unidos. É fã de Beyoncé, da série “The Office” e da cor preta. Em casa, tem uma cadela chamada Panda, gosta de jogar videojogos e não perde pitada dos memes que circulam pela Internet. Nos courts, apresenta um serviço forte, uma maturidade inexplicável e, para já, um título conquistado contra o ídolo que cresceu a ver jogar.