Sem documento oficial, mas com powerpoint, o PSD apresentou finalmente aquela que vai ser a sua aposta para a “grande reforma” do Serviço Nacional de Saúde: generalizar progressivamente as Parcerias-Público-Privadas (PPP) não só em hospitais, mas também em unidades de cuidados primários. A ideia é que o Estado, quando não consegue responder com os meios que tem ao seu dispor, possa contratualizar com o setor privado e com o setor da solidariedade social. “Queremos alargar a gestão privada dos hospitais públicos”, resumiu o coordenador do Conselho Estratégico Nacional para a área da Saúde, Luís Filipe Pereira, na apresentação da proposta aos jornalistas, na sede do PSD, admitindo que a reforma é “profunda” e pretende “quebrar tabus ideológicos”.

“O Estado hoje tem ‘n’ hospitais. O que queremos é que, progressivamente, alguns hospitais já existentes sejam contratualizados, e a gestão passe a ser privada ou social. As pessoas vão recorrer a eles [aos hospitais] da mesma maneira que recorrem hoje, isso não muda na perspetiva do utente”, disse o ex-ministro da Saúde dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes e ex-presidente da CUF.

Questionado sobre até onde poderia ir esta “generalização progressiva” das PPP, Luís Filipe Pereira disse que, “para já”, a ideia é o Estado continuar com o “número maioritário” de unidades de saúde, mas não se atreveu a garantir que “daqui a 20 anos” isso não pudesse vir a ser diferente. A cadência de “generalização” das PPP será tanto maior quanto o Estado tiver “mais competências” para o fazer.

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Para já, sublinhou diversas vezes ao longo da sua intervenção, é preciso implantar esta ideia na cabeça dos portugueses, quebrando o “tabu ideológico”. Depois, logo se vê. “O que defendemos é um caminho reformista social-democrata: não é totalmente público, como a esquerda quer, nem é totalmente liberalizado como a direita quer. Nós queremos o bom senso, o meio termo”, disse.

Um dos trunfos do PSD para quebrar este “tabu” da privatização da saúde é o Tribunal de Contas, e os seus diversos relatórios que comprovam, por exemplo, que “os encargos com a PPP do hospital de Cascais foram inferiores aos custos que o Estado suportaria com a atividade de gestão clínica caso a gestão tivesse sido pública”. O mesmo para o hospital de Braga, cuja gestão também funciona em regime PPP. “Quem o diz são eles, não somos nós. As pessoas precisam de conhecer estes dados, para que deixem de falar do cariz ideológico”, atirou. Mais: “O escrutínio nas PPP é muito mais exigente do que o escrutínio nos hospitais que estão em gestão pública”.

E, lá está, “quem o diz é o Tribunal de Contas, não somos nós”. Para Luís Filipe Pereira, esta já é uma batalha antiga: “Eu já defendia isto há 15 anos, mas antes não havia evidencia, hoje há”.

Mesmo antes de os jornalistas fazerem perguntas, Luís Filipe Pereira já tinha antecipado algumas delas. “Isto significa a privatização do SNS?”, perguntou e respondeu ao mesmo tempo: “Não. Porque o Estado continua a ser o elemento central e maioritário, mas contratualiza com outras iniciativas, privadas ou sociais, numa contratualização que decorre de concursos públicos transparentes”, disse, sublinhando que o nível de ineficiência do Estado na gestão da saúde é muito elevado — daí que esta possa ser a solução para resolver os problemas de fundo do Serviço Nacional de Saúde, gastando o mesmo dinheiro mas “de forma mais eficiente”.

“Não é pondo dinheiro em cima dos problemas que resolvemos os problemas: se metemos água num balde com furos, a água sai por baixo. Ou seja, se nos limitarmos a injetar dinheiro no SNS, arriscamo-nos a pôr dinheiro para ser usado de forma ineficiente”, disse, numa apresentação de cerca de 45 minutos com o auxílio do mesmo powerpoint que, ontem, apresentou aos conselheiros nacionais do PSD na reunião nas Caldas da Rainha.

Sempre sublinhando que o objetivo central do Estado é cumprir a Constituição e assegurar o acesso aos cuidados de saúde, de forma universal e tendencialmente gratuita, Luís Filipe Pereira defendeu que, tal princípio não invalida que esses cuidados de saúde universais sejam prestados por via da contratualização com privados. Antes pelos contrário, se assim for, disse, o serviço prestado até é melhor. “Há que instituir um SNS que assente em três pilares: público, privado e social, sempre com o Estado à cabeça”, disse.

Versão do documento é a mesma que gerou burburinho na direção

Quer Luís Filipe Pereira, quer o presidente do Conselho Estratégico Nacional, David Justino, afirmaram que o powerpoint apresentado não altera significativamente a versão do documento que foi apresentada na Comissão Política Nacional em julho e que gerou burburinho na altura. O que David Justino e Luís Filipe Pereira negaram foi que, naquela reunião, tenha havido ameaças de demissão de dirigentes ou sequer “uma violenta discussão”, como foi noticiado.

“Obviamente num partido democrático há opiniões diferentes, houve debate natural, houve pontos de vista por vezes diferentes porque se trata de uma reforma de fundo”, desvalorizou Luís Filipe Pereira.

A versão final documento será disponibilizada no site do partido na próxima segunda-feira. Segundo David Justino, daqui até ao final de maio do próximo ano o PSD vai apresentar este género de documentos estratégicos temáticos numa “cadência regular”. “A ideia é chegar à primeira quinzena de junho, a seguir às europeias, e podermos divulgarmos o programa eleitoral do PSD que será o embrião do programa de governo”, disse. O próximo documento estratégico, depois deste da Saúde, será conhecido até “ao final do mês” e será sobre acesso ao ensino superior. O tema da Justiça ainda está a ser trabalho, e, tal como o da Saúde, não promete ter um parto fácil.