Origem “portuguesa, cigana, chinesa, africana, Europa de Leste, indiana e brasileira ou outra”. Esta era uma das questões colocadas num inquérito que foi entregue, esta segunda-feira, aos pais dos alunos de, pelo menos, duas escolas do primeiro ciclo do Grande Porto e que está a ser considerado “racista”, levando a várias denúncias no Alto Comissariado para as Migrações, na Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e também junto da secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro.

Segundo a notícia avançada pelo Jornal de Notícias, as queixas partiram dos próprios encarregados de educação dos alunos. “Fui levar o meu filho à Escola do Estádio do Mar, em Matosinhos, e entregaram-me um envelope com uns papéis a dizer que fui selecionado para participar numa investigação”, disse o pai de um aluno que apresentou queixa, acrescentando que se tratava de um “questionário tolo com perguntas racistas”.

O documento é constituído por 15 páginas, composto pelos termos de participação e consentimento informado, pela ficha de caracterização e pelo questionário dirigido aos pais dos alunos, tendo sido distribuído por escolas do Porto e de Lisboa. Trata-se de uma investigação organizada pela CLOO, uma empresa de consultadoria em economia comportamental, feita em parceria com a Fundação Belmiro de Azevedo que, entretanto, retirou o apoio à investigação.

Diana Orghian, investigadora responsável pelo estudo, explicou que o objetivo passa por “melhorar os métodos educativos em Portugal”, assegurando que o estudo é “legal e autorizado” pela Direção-Geral de Educação (DGE) a 3 de agosto. Admite, ainda assim, que “de facto, houve algumas coisas que não correram bem”. A investigadora explicou que o documento foi entregue antes do tempo previsto. Até lá, diz, a equipa queria retirar a palavra “cigana” do inquérito.

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Das perguntas que constituem o inquérito, apenas três se relacionam com os hábitos de leitura entre pais e filhos, um dos objetivos que o estudo se propõe analisar. “Às vezes gosto de fofocar“, “Já senti inveja da sorte de outras pessoas” e “Houve ocasiões em que me aproveitei de alguém” são algumas das questões colocadas aos pais, que tinham de responder verdadeiro ou falso. Os investigadores garantiram também que “a informação, nomes, idades, géneros” não será partilhada com ninguém.

“Iremos imediatamente diligenciar no sentido de apurarmos a existência de eventuais atos discriminatórios”, disse o Alto Comissário para as Migrações, Pedro Calado.

Comissão de Proteção de Dados aprovou inquérito, mas exigiu alterações

Em declarações à agência Lusa, o diretor-geral da DGE, José Vítor Pedroso, afirmou que já foi ordenada a retirada dos inquéritos, acrescentando que vai ser apurado “o que correu mal”.

José Vítor Pedroso explicou que “qualquer inquérito que é aplicado no recinto escolar necessita de uma autorização da DGE” e que, neste caso, o questionário, depois de ser analisado, “como tinha perguntas sensíveis, exigiu uma avaliação prévia da Comissão de Proteção de Dados”. A comissão, acrescenta o responsável, aprovou o inquérito, mas sob a condição de retirar algumas “questões relacionadas com a origem étnica dos estudantes”. “Foi nessa condição que foi aprovado”, sublinhou.

Depois de ter sido aprovado, indicou José Vítor Pedroso, os responsáveis pela investigação tinham de retirar as questões indicadas, caso quisessem fazer o inquérito nas escolas. O diretor-geral da Educação realçou que a DGE aprova o questionário que pode ser aplicado, mas depois cabe ao diretor do estabelecimento decidir se autoriza ou não a aplicação na sua escola.

“O que me referiram da escola é que tinham analisado uma versão, que não esta, e que, no dia da aplicação do questionário, estes chegaram à escola num envelope fechado. A escola, no meio de um primeiro dia de aulas, não teve tempo para verificar”, explicou.

CDS alerta que Estado deve dar o exemplo no combate à xenofobia

A líder do CDS-PP defendeu esta terça-feira que o Estado deve dar o exemplo e combater o racismo, num comentário sobre um inquérito distribuído em escolas de Lisboa e Porto, considerado xenófobo.

“Se está em causa uma situação que possa ser lida como racismo, é condenável; deve ser escrutinada e vista com muita atenção. É preciso que o Estado, nas suas várias estruturas, dê o exemplo de uma política inclusiva”, afirmou Assunção Cristas no final de uma visita à Escola Teixeira de Pascoais, em Lisboa.

O Jornal de Notícias noticiou esta terça-feira que o inquérito, no qual, por exemplo, é questionada a origem dos pais (ciganos, africanos ou brasileiros), foi entregue aos pais na segunda-feira em pelo menos duas escolas do 1.º ciclo, já retirado pela Direção-Geral da Educação.

Assunção Cristas disse por duas vezes não ter lido o inquérito, mas leu as notícias, e acrescentou ser necessário diferenciar entre informação sobre os alunos e discriminação, que é “absolutamente de repudiar e inaceitável”.

“Se queremos ter estratégias de combate ao racismo, de combate à xenofobia ou de combate à exclusão de determinados grupos que pertencem à nossa sociedade, que são tão portugueses quanto nós, também precisamos de ter informação”, disse, concluindo ser necessário “saber o que é informação e o que é discriminação, sendo esta segunda absolutamente de repudiar e inaceitável”.