Antes de começar a entrevista, Masego parecia um fã, a abanar a cabeça vigorosamente ao som do hip hop jazzístico de Akua Naru e da banda da rapper americana. Masego, 25 anos, era o próximo a subir ao palco do festival BAM, em Barcelona, onde Akua Naru estava a tocar. “Quem é ela?”, perguntou-nos. Explicámos de quem se tratava, ele não conhecia mas abanava a cabeça de olhos fechados, claramente a sentir a música. “Tenho mesmo de a ouvir. Desculpa, mas ainda estou a recuperar disto”, apontou.
O tempo que faltava para o concerto não era muito, pelo que ainda assistimos à mudança de visual de Masego, que consistiu em duas coisas: trocar a camisa escura e discreta que envergava por uma camisa com padrões de leopardo e colocar nos dedos das mãos tatuadas uns anéis espampanantes, seguramente caros. Foi precisamente das diferenças entre o músico e o homem, o tipo com “ar de chulo” em cima do palco que se chama Masego e o rapaz humilde nascido em Kingston que se chama Micah Davis, que mais se falou nesta curta conversa.
Antes, porém, convém apresentar o homem e o músico. O primeiro, filho de um responsável da Força Aérea norte-americana e de uma empreendedora e diretora musical de igreja, nasceu na Jamaica em junho de 1993 e cresceu no estado da Virgínia, EUA. O segundo começou a interessar-se pelo saxofone quando percebeu que uma antiga professora que dava aulas no seu liceu, por quem tinha uma paixão assolapada, era fã do trompetista Miles Davis. Não lhe pareceu má ideia aprender saxofone.
A música, contudo, já era um interesse há muito: aos oito anos começou a tocar bateria e foi crescendo no seio de uma família religiosa, ao som do melhor gospel e soul que se ouvia em sua casa. “Cantar é que surgiu mais tarde, quando já andava na faculdade. No sítio de onde venho, se não fores, sei lá, a Jennifer Hudson [cantora e atriz de Chicago], não és cantor ou cantora. Porque isso é que são cantores. Mas na faculdade percebi que o D’Angelo e o Pharrel Williams tinham um tipo de voz diferente e também eram cantores. Portanto, eu também poderia ser considerado um cantor, se trabalhasse para isso”.
Masego não é um soulman à antiga nem tem um vozeirão, o seu campeonato não é esse. Os trunfos da música que faz estão noutro lado, no groove com que toca, na sensualidade do R&B misturado com uma infinitude de coisas, que vão do jazz ao hip hop e ao trap. A mistura é tanta que em 2014 chamou a uma pequena coleção de canções trap house jazz. O rótulo ficou, ainda que um amigo tenha mais tarde indicado uma outra classificação a que ele também acha piada, “skirt skirt jazz“.
O seu álbum de estreia, depois de algumas canções testadas em mixtapes e EP, saiu no início deste mês. Chama-se Lady Lady, conta com convidados como Tiffany Gouché, FKJ, SiR (cantor que integra as fileiras da editora de Kendrick Lamar e SZA, a Top Dawg Entertainment), Kehlani e Ari Lennox (do coletivo Dreamville, fundado por J. Cole), as últimas duas com papel mais discreto mas ainda assim importante nos coros. Evidencia, precisamente, essa mistura onde cabem a soul, a produção hip hop mais contemporânea e o groove do jazz misturado com a ginga dançável do novo R&B.
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Porquê convocar tantos músicos para tocar consigo? Masego explica: “Acho que colaborar é uma coisa incrível porque permite abrir a porta do teu mundo de influências aos outros e aos teus fãs, dizer-lhes: olhem para este tipo que adoro. O FKJ, por exemplo, é parisiense, namora com uma rapariga das Filipinas, tem uma história e um background interessante. Adoro que as pessoas com quem trabalho me mostrem um mundo novo e tento fazer o mesmo com elas. No caso do FKJ, toca guitarra muito melhor do que eu e isso é bom, para me obrigar a melhorar. Também toco certos riffs no saxofone que ele não toca e vice-versa. Colaborar, para mim, é tirar o melhor dos outros e levar-te a tirares o melhor de ti”.
O tema que elevou as expectativas em relação ao disco foi precisamente uma prestação ao vivo de Masego com FKJ a tocarem o tema “Tadow”, posteriormente incluído no disco. Não é habitual que uma performance ao vivo seja o grande sucesso de um músico no Youtube. Foi assim que o músico se tornou conhecido para muita gente, nos Estados Unidos e em Portugal, e o vídeo soma já mais de 50 milhões de visualizações.
“Sabia que aquele momento tinha sido especial, só não sabia o quão especial tinha sido. O meu objetivo era que o vídeo chegasse a um milhão de visualizações, se assim fosse já seria o grande momento da minha carreira até então [o vídeo foi publicado há sensivelmente um ano]”, apontou Masego ao Observador, nos bastidores do festival BAM. “Depois de ter chegado aí, deixei de acompanhar, mas chegou num ápice aos 20 milhões de visualizações. E agora aos 50. É uma benção”, acrescentou.
O título do álbum, Lady Lady, não é acidental. Apesar de reivindicar influências do trap e de dizer que parece “um chulo” em palco, estilo faz e acontece, “sedas e jóias”, há canções de homenagem a mulheres mais velhas (“Old Age”) e às mulheres em geral, aqui retratadas com mais reverência do que em boa parte do hip hop e trap atual mais popular. Masego explicou-nos porquê: “É quem eu sou. Acho que quem és tem a ver com as pessoas com que cresceste. Cresci com uma mãe e duas irmãs em casa, só comecei a namorar na faculdade, tive tempo para aprender a tornar-me amigo de uma mulher, não queria mais nada dela. Isso faz-me vê-las desta maneira, com respeito”.
Conversador, o homem que se esconde atrás da máscara Masego está concentrado em manter os pés assentes no chão, enquanto a popularidade cresce e a base de fãs aumenta. “Há um poder nisto que é estares em cima do palco e dizeres a centenas ou milhares de pessoas para porem a mão no ar, para dizerem alguma coisa, para terem atenção a isto ou aquilo”, referiu, acrescentando: “Algumas pessoas, ao ganharem dinheiro ou poder pela primeira vez, aproveitam-se dos outros e da oportunidade que isso representa. Sinto-me abençoado por ter bons mentores na minha vida que me dizem como devo lidar com o facto de me tornar popular, como lidar com o facto de começar a ganhar mais dinheiro e de começar a viajar mais”.
É preciso falar sobre o impacto que a popularidade pode ter nos artistas, vincou Masego: “Ninguém sabe como é atuar durante uma hora e depois ter de voltar a planear toda a energia social e usá-la para algo diferente e melhor. É um percurso que estou a fazer e pelo qual todos os artistas passam, mas quero ter sempre presente que isto pode encaminhar-se para rumos diferentes. Posso tornar-me uma inspiração para os outros, ser algo bom, ou ir pelo caminho errado. Quero seguir o primeiro caminho”.
É importante estares rodeado de pessoas que não têm medo de dizer que não, que não têm medo de gozar contigo. A minha banda está-se a marimbar para a roupa que uso e para os anéis que tenho. Com eles, sou a mesma pessoa que era antes [da popularidade aumentar] e isso é lindo. Ainda falo muito com a minha mãe e com o meu pai. Acho que temos de ser capazes de ser quem somos no palco e depois voltar a ser uma pessoa normal fora dele. De outra forma, são demasiadas coisas com que temos de lidar, porque basicamente pareço um chulo em palco e o mundo não precisa de um chulo 24 horas por dia.”
Masego, que diz ser essencialmente “uma pessoa muito, muito simples”, que adora “caminhar, comer fruta, fazer piadas, rir-me, todas essas coisas que te permitem manteres-te inteiro” e que vinca não querer “misturar” a pessoa que é no palco com aquela que é fora dele, tem essencialmente um objetivo na música: provocar “stink faces”, caras de nojo mas no bom sentido. “Fazer música tão boa que a tua cara fica feia, impressionada. Estou à procura disso, porque é quando alguém toca uma nota que me faz ficar com essa cara que sinto que estou a ouvir ou a tocar a música certa. Se a canção não te provocar essa reação física, visceral, não é uma boa canção”.
O que ainda não sabíamos quando entrevistámos Masego em Barcelona é que o músico já estava a planear uma ida a Portugal. Não se descoseu sobre o assunto, mas dias depois foi anunciada a ida do músico ao próximo Super Bock em Stock, festival lisboeta que substitui o antigo Vodafone Mexefest e que decorre daqui a dois meses, em novembro. No festival BAM, o concerto não foi memorável, até porque o sistema de som não permitia ouvir nas melhores condições a música de Masego, ao fundo da praça (repleta) de Joan Coromines, na zona da cidade velha. Em Portugal, espera-se ver mais “stink faces” — e muita gente, porque o percurso e a popularidade de Masego está em franca ascensão por estes dias.
Brasileiro Tim Bernardes atua no Super Bock em Stock, antigo Vodafone Mexefest, em Lisboa