O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Leiria responsabiliza três responsáveis da Proteção Civil e dois responsáveis da EDP pela morte de 63 das 66 pessoas que morreram na sequência do fogo de Pedrógão Grande que lavrou entre 17 e 24 de junho de 2017. Três responsáveis da Ascendi Pinhal Interior e quatro autarcas são igualmente responsabilizados pelo negligência geral que o Ministério Público imputa aos 12 arguidos acusados. Neste último grupo, encontra-se Jorge Abreu, presidente da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, e outros autarcas de alguns dos concelhos atingidos pelo incêndio que destruiu 53 mil hectares de floresta.

De acordo com o despacho de acusação a que o Observador teve acesso, Sérgio Gomes (então comandante operacional distrital de Leiria), Mário Cerol (segundo comandante do CDOS — Centro Distrital de Operações de Socorro) e Augusto Arnaut (comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande) foram acusados de 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência.

A procuradora Ana Simões, autora do despacho de acusação, imputa ainda os mesmos 63 crimes de homicídio por negligência a dois diretores da EDP: José Geria (subdiretor da Área Comercial da EDP) e a Casimiro Pedro (subdiretor da área de manutenção do Centro da EDP).

Já os responsáveis de outra entidade privada, a concessionária Ascendi Pinhal Interior, que tinha a responsabilidade de zelar pela manutenção e segurança das faixas de segurança das vias rodoviárias afetadas pelo incêndio, foram igualmente acusados mas num número menor de crimes. A saber: José Revés (membro da Comissão Executiva com o pelouro da Operação e Manutenção), António Berardinelli (responsável pela Operação e Manutenção) e Rogério Mota (Responsável pelo Centro de Assistência e Manutenção) foram acusados de 34 crimes de homicídio por negligência e 7 crimes de ofensa à integridade física por negligência.

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Jorge Abreu, presidente da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, por seu lado foi acusado de dois crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência grave.

O DIAP de Leiria confirmou em comunicado que deduziu “acusação contra doze arguidos no âmbito do inquérito aos incêndios que, no dia 17 de junho de 2017, lavraram nos concelhos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Alvaiázere e Ansião. Os arguidos foram acusados dos crimes de homicídio por negligência e de ofensa à integridade física por negligência, sendo alguns destes de ofensa à integridade física grave”.

No comunicado pode ler-se ainda que “à data do incêndio, dos doze arguidos, dois eram quadros superiores de uma empresa de fornecimento de energia elétrica, três estavam investidos em funções de comando e coordenação no âmbito da proteção civil, três eram funcionários superiores da empresa responsável pela manutenção da EN 236-1, três eram autarcas de municípios onde ocorreram vítimas, sendo ainda um funcionário de um desses municípios.

A tese do Ministério Público é que os comandantes operacionais dos bombeiros são alegadamente responsáveis pela morte de 64 vítimas por não terem respeitado as regras da Proteção Civil para o combate aos incêndios. Enquanto os autarcas e os funcionários de entidades privadas, que tinham o dever de zelar pela manutenção de faixas de segurança das vias rodoviárias, são acusados de ofensa à integridade física por negligência.

O retrato feito na acusação do DIAP de Leiria, que já tinha sido antecipado pelo Expresso a 8 de setembro, é devastador para o sistema de Proteção Civil. Entre pura incompetência no combate ao incêndio, inexistência de um sistema de informação de alerta às populações, incapacidade de antecipar problemas e ainda menor capacidade de planeamento da manutenção das faixas de segurança das vias rodoviárias — tudo contribuiu para que a maioria dos arguidos tenham sido acusados pelo Ministério Público.

A procuradora Ana Simões, que assina a acusação, e a Polícia Judiciária de Coimbra acreditam mesmo que as 66 mortes, os 253 feridos e as mais de 500 casas destruídas poderiam ter sido evitadas, se as regras da Proteção Civil no combate aos fogos tivessem sido seguidas e se a limpeza da floresta dos combustíveis acumulados tivesse sido devidamente planeada e concretizada. Conclusões estas que são semelhantes às da Comissão Independente nomeada pela Assembleia da República.

O DIAP de Leiria congratula-se com facto de a investigação ter sido concluída “em pouco mais de um ano”, “não obstante a sua enorme complexidade, tendo o Ministério Público sido coadjuvado na sua ação pela Polícia Judiciária, Diretoria do Centro, e sido ainda mobilizados importantes contributos de diversas entidades públicas”.

Jaime Marta Soares: “O principal réu é o Estado”

Em declarações ao Observador, Jaime Marta Soares diz que a Liga dos Bombeiros Portugueses está solidária com os comandantes da Proteção Cívil que foram acusados pelo DIAP de Leiria. “Atendendo ao carácter inédito das tragédias que ocorreram em junho e em outubro de 2017, é lamentável uma acusação contra os operacionais que deram o seu seu melhor para combaterem um sinistro extremamente complexo e difícil”, afirma.

Marta Soares critica o DIAP de Leiria por ter produzido “uma acusação com uma eventual componente política, que escamoteia aquelas são as verdadeiras razões para tudo o que se passou”. Na opinião de Jaime Marta Soares, tais razões passam por “uma floresta que está maltratada e que não tem nem planeamento nem organização e, por isso, é falível a este tipo de sinistros.”

Quem são os culpados? “Todos os Ministérios da Agricultura de todos os Governos dos últimos 30 anos”, afirma Jaime Marta Soares. “Todos os responsáveis políticos sabem que o aquecimento global é um problema antigo e que Portugal é um dos países mais sensíveis a essa realidade. Ninguém fez nada para travar esse problema. Esses é que são os culpados pela negligência, já que não existe memória coletiva dos bombeiros de sinistros de tamanha intensidade, como os que se sentiram em junho e outubro de 2017″, acusa.

Para Jaime Marta Soares não há dúvidas: “O principal réu é o Estado toda esta negligência — é o Estado quem deve sentar-se no banco dos réus.”

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses diz, por último, que a acusação do DIAP de Leiria “não só desrespeita a competência e a dignidade dos operacionais no terreno, como fere o orgulho de todos os bombeiros portugueses. Só nos últimos 30 anos morreram mais de 280 bombeiros ao serviço dos portugueses”, assegura.

Quem são e do que são acusados os arguidos?

  1. José Geria, subdiretor da área comercial da EDP: 63 crimes de homicídio por negligência, 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais graves
  2. Casimiro Pedro, subdiretor da área de Manutenção do Centro da EDP: 63 crimes de homicídio por negligência, 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais graves
  3. Sérgio Gomes, Adjunto do Comando Nacional de Operações e Socorro: 63 crimes de homicídio por negligência, 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais graves
  4. Augusto Arnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande: 63 crimes de homicídio por negligência, 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais graves
  5. Mário Cerol, à data dos incêndios Segundo Comandante Operacional Distrital de Leiria: 63 crimes de homicídio por negligência, 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais graves
  6. José Revés, membro da comissão executiva da Ascendi Pinhal Interior: 34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência (cinco dos quais graves)
  7. António Berardinelli, responsável pela Direção de Operação e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior: 34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência (cinco dos quais graves)
  8. Rogério Mota, responsável pelo Centro de Assistência e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior:  34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência (cinco dos quais graves)
  9. Fernando Lopes, professor reformado: 10 crimes de homicídio por negligência, um crime de ofensa à integridade física por negligência
  10. José Graça, funcionário das Finanças: sete crimes de homicídio por negligência, quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, três dos quais graves
  11. Margarida Gonçalves, engenheira florestal no Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal de Pedrógão Grande: sete crimes de homicídio por negligência, quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, três dos quais graves
  12. Jorge de Abreu, presidente da Câmara Figueiró dos Vinhos:  dois crimes de homicídio por negligência e umcrime de ofensa à integridade física por negligência grave

(em atualização)