Com o incremento das vendas de veículos com motores a gasolina e o consequente declínio dos que recorrem a unidades a gasóleo, verificou-se o que os especialistas já anteviam, um aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2), uma vez que os primeiros consomem mais combustível do que os segundos e o CO2 depende exclusivamente da quantidade de combustível queimado. Esta simples realidade, de que os nossos representantes no Parlamento Europeu (PE) são os únicos responsáveis – ao perseguirem os motores diesel em benefício dos gasolina, sem nenhuma razão técnica entre motores modernos –, alarmou de sobremaneira os dirigentes políticos, cada vez com maiores dificuldades em respeitar o Acordo de Paris, em matéria de ambiente.

A solução encontrada foi apertar ainda mais com as emissões de CO2 dos veículos com motor de combustão, eles que são apenas responsáveis por 12% do total de CO2 libertado na Europa, o principal responsável pelo aquecimento global. Este limite já foi de 130 gramas de CO2 por cada 100 km, para os carros novos à venda em 2015 – equivalente a um consumo médio de 5,6 l/100km para modelos a gasolina e 4,9 a gasóleo –, existindo uma nova meta de 95g para 2020 (4,1 l/100 km a gasolina e 3,6 l/100 km a gasóleo), uma redução de 27%.

Aprovada para 2025 estava igualmente uma nova redução de 15%, face à média determinada em 2021 – que alguns construtores foram apanhados a elevar artificialmente para tentar facilitar o esforço necessário para respeitar o limite em 2025 –, com nova redução agendada para 2030, esta de 30%, sempre face aos valores médios a apurar em 2021, o que deveria colocar a média de emissões de CO2 próxima dos 66,5g. E foi exactamente esta meta que se pretende alterar, tornando-a mais limitativa.

O que está cima da mesa?

Depois de terem tentado implementar cortes de 40% em 2030, em vez dos já negociados 30%, os representantes dos 28 países membros no Conselho Europeu decidiram contentar-se com 35%. O incremento de 5%, em vez dos 10% que chegaram a estar previstos, foram uma concessão à Alemanha, preocupada em minimizar os danos à sua maior indústria, e à pressão da Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis (ACEA), que não coibiu de ameaçar com os despedimentos que uma meta tão drástica poderia causar.

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Carlos Tavares, o português que lidera a PSA e a ACEA, chegou a acusar os países sem indústria automóvel de se estarem a bater por uma maior redução de CO2, alegando que não tinham de lidar com a crise que ela iria causar em matéria de desemprego, esquecendo-se que a “sua” França liderava a corrente. Mas se 5% não é muito, trata-se de, em média, reduzir as emissões em 2030 de 66,5g (30% face a 2021) de CO2 para 61,7g (35%), um valor que vai obrigar a uma maior percentagem de veículos eléctricos, pois estamos a considerar médias de consumos próximas dos 2,7 litros para os motores a gasolina e 2,3 para os diesel, menos de metade do que eles realmente consomem.

Mas o projecto aprovado pelo Conselho Europeu, e que vai começar a ser agora discutido no Parlamento Europeu, prevê ainda um endurecimento da forma como são determinados os consumos, de que dependem as emissões de CO2, com mais ênfase na confirmação dos dados, mais do que confiando nos valores anunciados pelos fabricantes.

Só por si, esta situação, se por um lado vai gerar dados mais próximos da realidade, por outro, vai originar valores maiores, logo mais CO2, o que conduz à necessidade de mais carros eléctricos para respeitar os novos limites de emissões.

O que vai acontecer aos gasolina?

Os políticos lançaram uma guerra aos diesel, no rescaldo do Dieselgate, sendo cada vez maior o número de cidades e países que prometem bani-los de circulação. Mas a determinação mais realista dos consumos através do novo e mais eficiente método WLTP e, sobretudo, a confirmação dos valores anunciados através de testes em condições reais de utilização, vão elevar consideravelmente os consumos dos motores a gasolina. E o CO2 por tabela.

É claro que os construtores vão tentar minimizar os danos, dotando-os com sistemas híbridos, ou híbridos plug-in, mas se isto baixa as médias, eleva fortemente os custos. E convém recordar que este tipo de motorizações sofreu recentemente (Setembro) mais um rombo, ao ver as versões sobrealimentadas, ou seja, as mais interessantes, obrigadas a equipar-se com filtro de partículas, que os diesel já possuem há muito.

Este incremento nos custos eleva os preços dos veículos a gasolina, o que lhes coloca dois tipos de problemas. Primeiro, porque anula grande parte da vantagem de que usufruíam face aos diesel e, segundo, porque este recurso a cada vez mais tecnologia bare espaço para que os eléctricos se tornem cada vez mais competitivos.

O que vai acontecer aos diesel?

A guerra aos diesel é política e não técnica. É um facto que os motores pequenos a gasóleo deixaram de fazer sentido (e de ser fabricados) e só acima de 1,8 a 2,0 litros se tornam interessantes, mas uma unidade a gasóleo moderna, necessariamente com filtro de partículas, catalisador de duas vias e catalisador selectivo com injecção de AdBlue – que todos já usam – é tão poluente como os motores a gasolina e ainda emite menos CO2.

Para fabricantes generalistas como a Renault, que só tem motores de pequena capacidade, é fácil desistir dos diesel, ou pelo menos abrir mão deste tipo de motorização nos modelos mais acessíveis. Mas as marcas que oferecem gamas completas nos segmento D e E, ou seja, os segmentos ditos de luxo não o irão fazer. Aliás, durante o Salão de Paris, Dieter Zetsche, o (ainda) CEO da Daimler, dona da Mercedes, mostrava a sua satisfação pela procura de motores a gasóleo ter parado de cair, o que melhora as emissões de CO2 da marca.

Porém, continua a existir muita pressão política para afastar este tipo de motores, o que leva alguns condutores a ter receio de adquirir um veículo que possa depois ser impedido de circular. O que dificilmente acontecerá, pelo menos antes de se banir por completo os motores a combustão, diesel ou gasolina. Paralelamente, os motores a gasóleo são mais caros – desde 2015, quando a maioria começou a estar equipada com AdBlue –, mais uma vez a alienar parte da vantagem que possuíam face aos eléctricos.

O que vai acontecer aos eléctricos?

Os veículos eléctricos são cada vez mais a tábua de salvação para os fabricantes, eles que os viam (a maioria) até aqui como um mal necessário. Convenhamos que, interessados em vender carros eléctricos em quantidade, existem a Renault e a Nissan na Europa, a Tesla nos EUA e uma série interminável de marcas locais na China. E estas irão, mais cedo ou mais tarde, chegar à Europa com propostas à chinesa, menos boas (em princípio…), mas muito mais baratas. Os restantes fabricantes, americanos, europeus (até surgir o I.D. da VW e os seus “irmãos” do grupo) e sul-coreanos, estão a brincar aos eléctricos, com propostas caras ou produzidas em tão pouca quantidade que não são competitivas. Tudo isto vai mudar, sobretudo agora.

Com as novas metas do CO2 a apertar, os construtores vão deixar de ver os eléctricos como um luxo que tinham de oferecer, passando a encará-lo com um bem, sem o qual não podem vender os modelos a gasolina e diesel. E não basta colocá-lo na gama e produzir apenas 15.000 ou 20.000 unidades por ano. Têm de o vender em quantidade, o que implica grandes investimentos nas fábricas para os produzir e nas baterias para os alimentar.

A grande alteração nos eléctricos vai ser o aparecimento de modelos mais acessíveis. O VW I.D. abriu o jogo, falando em valores bem abaixo dos 30.000€ para um veículo do segmento C, ou seja, menos do que o Nissan Leaf e até do que o Renault Zoe, que é do segmento inferior. Mas a marca francesa está a preparar a nova geração do Zoe, que vai apresentar para o ano, e esperam-se grandes melhorias. Até no preço. E é necessário pois, entre outros, a PSA não tarda aí com o 208 e o Corsa eléctricos, com todos os fabricantes a recorrerem à evolução das baterias para aumentar a autonomia e reduzir custos e, assim, baixar os preços. A chegada do Model 3 à Europa vai disciplinar o segmento de luxo, limitando as veleidades dos concorrentes europeus deste segmento. Enfim, são as vantagens da concorrência, a que desta vez se junta a necessidade dos fabricantes venderem veículos alimentados por bateria. E em quantidade.