Os jogadores que passaram ao longo da sua carreira pelos três “grandes” contam-se pelos dedos de duas mãos: Alhinho, Eurico, Romeu, Fernando Mendes, Paulo Futre, Peixe, Derlei, Maniche. Já os que passaram por Benfica e FC Porto exigem uma maior contabilidade mas nem por isso deixam de ocupar um estatuto especial no futebol português, sobretudo os que vieram a ter uma passagem direta do Porto para Lisboa pela raridade dos exemplos – cinco, Rui Águas, Paulo Pereira, Drulovic, Féher e João Manuel Pinto. Esta noite, o último, antigo central encarnado que se destacou no Belenenses e que passou pela Luz entre 2001 e 2003 depois de seis épocas nos dragões, passava a adversário. E ele, mais do que os outros, sabia bem quando a história de David e Golias que tantas vezes ouvimos na antevisão da Taça de Portugal se transforma em realidade.

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Como contou numa entrevista ao Expresso, em maio, sempre foi adepto do Benfica por influência do pai, que o fez sócio ainda novo e o levava ao estádio da Luz. Tinha como grandes referências Magnusson, Chalana, Humberto Coelho ou Valdo. Todavia, e depois de receber sondagens dos três “grandes” quando atuava no Restelo, optou pelo FC Porto. Trabalhou (e aprendeu) com treinadores como Bobby Robson, António Oliveira ou Fernando Santos, alcançando um total de oito títulos (quatro Campeonatos, duas Taças e duas Supertaças). Em 2001, já “encostado” por não renovar, aceitou o desafio de jogar pelos encarnados. Não chegou aos troféus mas passou pelas mãos de Toni, Jesualdo Ferreira ou Camacho. “Melhor memória? O dia em que conheci o Eusébio pessoalmente e quando me foi dada a braçadeira de capitão, logo no primeiro ano”, contou.

Rumou depois a Espanha, jogando um ano no Múrcia, antes de terminar a carreira como futebolista nos suíços do Sion. Como técnico, começou no Cinfães, passou depois pelos helvéticos do Martigny, foi coordenador da formação dos brasileiros da Portuguesa dos Desportos, esteve no Moncarapachense, rumou ao Lusitano de Vila Real de Santo António e assumiu esta época o Sertanense. Tudo clubes modestos mas que nem por isso apagam a experiência com alguns dos grandes treinadores que passaram pelo futebol nacional nas últimas décadas e também as lições que aprendeu como jogador. Numa delas, em 2002, era até capitão de equipa: o Benfica de Jesualdo perdeu na Luz por 1-0 frente ao Gondomar com golo de Cílio Sousa. O que foi há 16 anos um autêntico pesadelo tornou-se agora uma história capaz de alimentar o sonho da equipa do Campeonato de Portugal.

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“Tenho transmitido o meu passado ao grupo e a surpresa pode mesmo acontecer nesta competição. A pressão está toda do lado do Benfica, nós só temos de entrar e jogar de forma tranquila. Há três palavras que tenho dito durante a semana aos jogadores: coragem, que desfrutem e que acreditem. Autocarro à frente da baliza? Não, autocarro só para chegar a Coimbra”, destacou no lançamento da partida em Coimbra o antigo central e agora técnico de 45 anos que chegou a ser internacional A, entre “alguma mágoa” pelo jogo não se realizar na Sertã. “O Benfica quer seguir em frente mas também podemos surpreender. Espero que seja uma noite de festa mas, com todo o respeito pelo adversário, que seja uma boa noite para nós”, acrescentou, antes de admitir que seria normal que alguns jogadores tentassem no final trocar de camisola com adversários encarnados.

Ficha de jogo

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Sertanense-Benfica, 0-3

3.ª eliminatória da Taça de Portugal

Estádio Cidade de Coimbra

Árbitro: Manuel Oliveira (AF Porto)

Sertanense: Rafa Santos; Tito Júnior, Tiago Correia, Rojas, Bruno; Kevin, Hugo Barbosa (Vladimir, 84′), Batista; Davou, Pereirinha (Luís Dias, 59′) e Ricardo Pires (Sócrates, 69′)

Suplentes não utilizados: Dani, Luís Gaspar, Filipe Mello e João Jesus

Treinador: João Manuel Pinto

Benfica: Svilar; Corchia, Rúben Dias, Alfa Semedo, Yuri Ribeiro; Samaris, Gabriel (Ferreyra, 46′), Gedson Fernandes; Zivkovic, Rafa (João Félix, 67′) e Jonas (Jota, 77′)

Suplentes não utilizados: Bruno Varela, André Almeida, Pizzi e Seferovic

Treinador: Rui Vitória

Golos: Rafa (35′), Gedson Fernandes (53′) e Jonas (68′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Hugo Barbosa (45+2′), Rúben Dias (47′) e Bruno Pereira (55′)

No final, não houve surpresa. Nem sequer pairou a ideia do David bater o pé ao Golias. Mas ambas as equipas mereceram as camisolas que envergaram e que no final conseguiram trocar: do lado do Sertanense, os jogadores deram sempre tudo para não resumirem o encontro à fase defensiva, tentando dentro das limitações esticar jogo através das alas ou de passes em profundidade; em relação aos encarnados, mesmo com alguns períodos de menor inspiração à mistura, houve sempre a vontade de não facilitar e de imprimir velocidade nos lances ofensivos para resolver o mais depressa possível a questão.

Tendo em vista o encontro da próxima terça-feira em Amesterdão frente ao Ajax para a Champions e também a utilização (ou falta dela) nos últimos encontros das seleções, Rui Vitória mexeu em todos os setores sem deixar de apostar em algumas das unidades habitualmente titulares, casos de Rúben Dias, Gedson Fernandes ou Rafa. Corchia, lateral ex-Sevilha que teve de ser operado pouco depois de chegar à Luz, fez a estreia pelos encarnados – quinto francês a atuar pelas águias, depois de Yannick, Manuel dos Santos, Laurent Robert e Carole –, Alfa Semedo jogou a central, Samaris voltou para o meio-campo como capitão, Jonas regressou à titularidade mais de cinco meses depois após ter cumprido apenas 28 minutos até agora. E o brasileiro demorou apenas dez minutos para ser o protagonista no arranque da partida, também por razões negativas.

Ainda antes dos primeiros cinco minutos, o avançado tinha calibrado a Pistola que habituou os adeptos do futebol a ter tudo menos pólvora seca mas o golo, obtido numa recarga após defesa incompleta a remate de Rafa, acabou por ser anulado por fora de jogo. Pouco depois, na sequência de um livre lateral, Jonas subiu mais alto na área, cabeceou por cima da trave mas acabou por bater de forma inadvertida num defesa do Sertanense, ficando a sangrar do nariz e sendo alvo de assistência médica durante alguns minutos. Nunca os visitados chegaram com perigo à área encarnada, mas essa ausência à condição do brasileiro acabou por marcar o início da fase menos esclarecida do domínio do Benfica, capaz de imprimir velocidade pelo corredor central e jogadas de envolvimento nas alas sem traduzir em oportunidades essas boas aproximações. Assim, um remate fortíssimo de Rafa quase à meia hora por cima da trave acabou por ser o lance mais perigoso num jogo quase de sentido único.

O sopro acabou por fazer abanar a organização defensiva do conjunto da Sertã, que teve como único remate no primeiro tempo um livre de Kevin por cima da trave (34′), e o Benfica criou mais duas hipóteses seguidas com um pequeno apertão em velocidade no último terço. Zivkovic, com um pique na esquerda concluído com um remate cruzado a passar perto do poste, e Jonas, com um tiro na área à figura de Rafa Santos, deram o mote para o golo inaugural da partida por Rafa, aproveitando mais uma defesa incompleta para, na pequena área, empurrar para o 1-0 a dez minutos do intervalo.

Rui Vitória mexeu ao intervalo, quis testar uma dupla que no início da temporada era apontada à titularidade e retirou de campo Gabriel para lançar Ferreyra na frente com Jonas. O argentino entrou bem, com vontade, mas foi sobretudo a mudança tática que quebrou de vez a resistência do Sertanense, obrigado a afundar a organização defensiva no corredor central e deixando espaço para Samaris e, sobretudo, Gedson Fernandes pautarem ritmos, apostarem nas variações de jogo e arriscarem a meia distância. Seria assim que o jovem internacional português, o primeiro miúdo a ser lançado por Rui Vitória na presente temporada, faria o 2-0, com um fantástico remate de fora da área a entrar no ângulo da baliza de Rafa Santos.

No final do encontro, e enquanto as câmaras iam acompanhando o trajeto do jovem médio a cumprimentar companheiros de equipa, técnicos e adversários, foi percetível mais do que uma abordagem a pedir a camisola. Gedson, simpaticamente, parecia explicar que já a tinha prometido a alguém, mas apontava para a zona dos balneários para ver o que se poderia fazer. Só o golo que marcou deveria merecer essa cobiça, mas o internacional português lançado recentemente por Fernando Santos na Seleção A foi um dos grandes destaques do Benfica por outras razões: jogou como se estivesse num encontro da Champions, nunca facilitou e acabou algumas vezes por dar o mote de profissionalismo e responsabilidade que levaria de forma inevitável ao triunfo. Aos 19 anos, pela atitude em campo frente a um adversário mais modesto, foi um exemplo para todos os outros.

Hugo Pacheco, com um remate de longe, obrigou Svilar à única intervenção para canto mas ainda haveria um outro destaque a deixar a marca do costume: no regresso à titularidade, Jonas mostrou que quem sabe não esquece e, aproveitando uma bola solta à entrada da área, rematou para o 3-0 com a confiança de quem poderia estar a atravessar uma fase a marcar há dez jogos seguidos. Mais tarde, e num momento que mais tarde e com a devida distância temporada será recordado de outra forma, deu lugar a mais um miúdo, Jota, campeão europeu Sub-19 que fez a estreia pelo conjunto principal. De forma assertiva, o Benfica não facilitou e chegou com facilidade a um triunfo que por vezes se pode complicar. E que às vezes complica mesmo. Que o diga João Manuel Pinto, atual treinador do Sertanense que era capitão dos encarnados em 2002.