O ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, continuou a coordenar o grupo de trabalho no Governo que estuda a fiscalidade na energia, apesar de, em maio, ter pedido escusa “em matérias relacionadas com o setor elétrico”. O pedido de escusa, feito ao abrigo do código de conduta definido por este Executivo, foi motivado para evitar um eventual conflito de interesses. Isto porque Siza Vieira, antes de ir para o Executivo, era sócio de um escritório de advogados que representou interesses ligados à empresa chinesa que lançou uma Oferta Pública de Aquisição sobre a EDP.

O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, revelou este sábado, em entrevista ao Público, que Siza Vieira tem “conduzido” o grupo de trabalho. Apesar de nas reuniões se discutirem impostos que interessam a várias empresas do setor elétrico, como a EDP, o ministério ignora as ligações entre o setor energético e o setor elétrico. Fonte oficial do Ministério da Economia justificou, em declarações ao Observador, que o “ministro pediu ao primeiro-ministro escusa de intervir em matérias relacionadas com o setor elétrico, e não em outras matérias na área da energia“.

O ministério tutelado por Pedro Siza Vieira não nega assim que o ministro lidere o grupo de trabalho, mas entende que não há qualquer violação do pedido de escusa. A mesma fonte do ministério acrescenta que “nos termos do despacho que criou o grupo de trabalho para análise da fiscalidade dos combustíveis fósseis, cabia ao ministro indicar o coordenador do grupo”. O Observador tem informação de que Siza Vieira terá feito mais do que isso, tendo inclusive participado em reuniões, aliás como outros membros do Governo das pastas envolvidas. O Observador questionou já ao início da noite de sábado o ministério sobre estas reuniões, mas ainda aguarda a resposta. Para além da Economia e do ministro adjunto, agora reunidos na mesma pessoa, participam neste grupo de trabalho representantes do Ministério do Ambiente, liderado por Matos Fernandes, do Ministério das Finanças e de entidades ligadas a estes ministérios.

Nas repostas enviadas até agora, o ministério da Economia sugere que o ministro indicou alguém e que não esteve presente nas reuniões. Mas o ministro do Ambiente é claro quanto à intervenção do seu colega Pedro Siza Vieira no grupo, dizendo na entrevista ao diário que “esse trabalho estava [até agora] a ser conduzido pelo ministro adjunto e não há nenhuma razão para que deixe de o ser”. Matos Fernandes explicou que na altura foi decidido que se devia “indicar alguém mais neutro, se assim se pode dizer, que foi, e muito bem, o senhor ministro adjunto”. Após ser questionado sobre a escusa, o ministro do Ambiente foi taxativo: “Eu não conheço os termos daquilo que foi pedido. O senhor ministro adjunto tem vindo a acompanhar e bem, muito bem, este tema.

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Quando decide aceitar o pedido de escusa, a 14 de maio de 2018, António Costa é claro: “Dispenso o senhor ministro Adjunto, Dr. Pedro Siza Vieira, de intervir em matérias relacionadas com o setor elétrico enquanto se encontrar em curso a Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital social da EDP e da sua subsidiária EDP Renováveis, em que é oferente a China Three Gorges (CTG) ou se mantiver o envolvimento na mesma da sociedade de advogados Linklaters LLP.”

A questão jurídica é: Siza Vieira está a violar o pedido de escusa? É público que a OPA da CTG ainda está em curso e no seu pedido escusa de 14 de maio o ministro dizia que a Linklaters LLP representava a empresa chinesa neste processo. Estes são dois pontos fundamentais para que o pedido de escusa continue válido. Falta apenas um: o grupo de trabalho discute ou não questões que afetam o setor elétrico?

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A resposta é sim. O despacho que cria o grupo em março de 2018, e no qual já se dizia que Ministro Adjunto de António Costa iria escolher o coordenador, define:

“É criado um grupo de trabalho que tem como missão promover uma análise da fiscalidade que incide sobre a energia, visando designadamente identificar e estudar os incentivos fiscais prejudiciais ao ambiente e propor a sua eliminação progressiva, bem como propor a revitalização da taxa de carbono, tendo em consideração eventuais impactos nos setores económicos abrangidos, num quadro de descarbonização da economia”.

Ora o setor elétrico, com a EDP à cabeça, é um dos visados, na medida que as centrais térmicas são as principais emissoras de CO2. Isto ainda é mais verdade quando um dos alvos deste grupo de trabalho são os combustíveis fósseis, onde se inclui o carvão usado para produzir eletricidade. O governo já começou aliás a eliminar os incentivos fiscais ao carvão, com a cobrança de imposto petrolífero e de taxa de carbono em 2018, taxas que serão agravadas em 2019. Em reação a esta medida, o presidente executivo da EDP, António Mexia, já admitiu publicamente que a empresa poderá antecipar o fecho da central de Sines, a maior unidade de produção de eletricidade de Portugal.

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Dito isto, o objetivo de descarbonização da economia até está em linha com a estratégia de negócios da elétrica que mantém uma aposta muito forte na energia renovável. E as eventuais medidas que o grupo de trabalho venha a apresentar — cujo relatório deveria ter sido apresentado em julho, mas foi adiado — vão também afetar outras empresas do setor da energia, mas também industriais. Ou seja, afetam o setor elétrico, mas também outras empresas e até os consumidores finais que em resultado do aumento da taxa de carbono vão pagar mais pelos combustíveis no próximo ano.

Por outro lado, e ainda que a taxa de carbono e o fim dos incentivos aos combustíveis fósseis sejam o tema central deste grupo, o Observador tem a informação que o tema da CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético) também terá sido abordada. Ora a CESE incide sobretudo sobre três grandes empresas do setor da energia, e uma delas, precisamente a EDP, tem vindo a negociar com o Governo o pagamento desta contribuição que suspendeu em 2017.

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O dinheiro vai permitir reduzir o défice tarifário e o preço da eletricidade. Em troca, a elétrica garante que fica previsto um calendário para extinção desta contribuição. A CESE custa cerca de 60 milhões de euros por ano à empresa e no passado — nomeadamente quando foi criada em 2014 — motivou movimentações e protestos por parte dos acionistas da EDP junto do Governo, incluindo da China Three Gorges, a empresa que tem uma OPA sobre a EDP e que obrigou Siza Vieira a pedir escusa das questões “elétricas”. Ora foi noticiado que antes da oferta chinesa sobre a EDP, o ministro adjunto recebeu representantes dos acionistas chineses da empresa. A CESE terá sido precisamente uma das questões discutidas.

Caso não cumpram a escusa que solicitaram, os governantes estão claramente num situação de incumprimento do Código de Conduta do Governo. Porém, o incumprimento das orientações fixadas neste código não significa a demissão, mas, no caso dos ministros, “responsabilidade política perante o primeiro-ministro”. As consequências são, por isso, muito vagas.