Carlos Carvalhal só esteve três temporadas no Reino Unido: duas e meia no Sheffield Wednesday, outra metade no Swansea. Não conseguiu atingir os principais objetivos nem de um lado, nem de outro, tendo falhado a promoção à Premier League com o Sheffield primeiro e não conseguindo depois evitar a descida do Swansea ao Championship. Mas, nos três anos que passou entre País de Gales e Inglaterra, o treinador português desdobrou-se em frases que fizeram capas de jornal (como a célebre “all the meat on the fire, on the barbecue”), ofereceu pastéis de nata antes de uma conferência de imprensa e ainda atendeu o telemóvel de um jornalista. Carlos Carvalhal deixou o futebol inglês em maio, após a rescisão de contrato com os swans, mas o futebol inglês ainda não o deixou.
E talvez tenha sido por isso que o jornal The Guardian decidiu entrevistar o treinador português – que está atualmente sem clube. Numa entrevista sobre quase tudo menos futebol, Carvalhal levou apontado num bloco os melhores concertos que já tinha visto e as bandas de que mais gostava. “Vi os U2 em Vilar de Mouros em 1982 e também vi os The Cure lá. Os Lloyd Cole and the Commotions também deram um concerto muito bom. Mas há mais. Lembro-me dos Simple Minds, dos Echo and the Bunnymen, Nina Hagen, Elvis Costello e Duran Duran. E o melhor concerto que alguma vez vi foram os Rolling Stones, no estádio do Sporting”, recordou o técnico, que em Portugal treinou Sp. Espinho, Freamunde, Vizela, Desp. Aves, Leixões, V. Setúbal, Belenenses, Sp. Braga, Beira-Mar, Marítimo e Sporting.
O treinador de 52 anos voltou a viver em Londres há poucas semanas, depois de ter passado alguns meses em Portugal a prestar apoio ao pai. Está sem trabalho desde maio mas não parece muito preocupado – aliás, até se mostra satisfeito por agora ter tempo para dar entrevistas. “Quando não estamos a trabalhar, é uma boa oportunidade para as pessoas te conhecerem um bocadinho melhor. Quando estou a trabalhar, devo dizer que se alguém quiser falar comigo digo que não 99,9% das vezes”, revelou Carlos Carvalhal, que após enumerar os concertos que já viu decidiu fazer um paralelismo entre a música e o futebol.
“Normalmente a banda toca como uma equipa. Querem entreter as pessoas. As pessoas precisam de catarses e os concertos dão-lhes isso, assim como o futebol. Não acho que seja muito diferente”, argumenta, para depois explicar de onde vem o gosto pela música. Carlos Carvalhal nasceu e cresceu em Braga e ganhou uma bolsa para o conservatório da Gulbenkian quando tinha apenas cinco anos. “Comecei com cinco anos, quando a idade normal são os seis. Andava cinco quilómetros todos os dias para lá chegar. Não era muito musical mas perguntava aos meus amigos durante as aulas e eles explicavam-me. Estava rodeado por música clássica, arte, ballet e todas essas coisas. Mas também havia um campo de futebol e foi no conservatório que decidi que ia ser jogador de futebol”, contou o treinador.
Além de contar que em Sheffield conheceu Alex Turner, vocalista dos Arctic Monkeys, e em Portugal conheceu Tim Booth, vocalista dos James, Carlos Carvalhal recordou o tempo em que estudou Ciências do Desporto em Braga, depois de um ano em Filosofia, e revelou que teve 19 valores na tese. “Para fazer a minha tese tive de estudar a teoria do caos, a teoria da complexidade e a teoria dos sistemas. Quando a apresentei ao júri, deram-me 19 valores em 20 possíveis. Não me deram 20 porque tinha alguns problemas com o português. Disseram que a devia publicar como livro e que a iam incluir na biblioteca da universidade”, disse o treinador português, que revela ainda que Paulo Futre o tratava por “doutor” porque andava sempre com os livros atrás e que está a ponderar uma oferta para fazer um doutoramento em genética no futebol. E explica ainda porque é que Descartes – esse mesmo, o filósofo francês – estava errado.
“O problema atualmente é que estamos a fazer tudo para isolar os jogadores. Com os PT, os dados, os GPS, fazemos tudo para os tornar máquinas individuais. É uma abordagem científica, do Descartes, que dizia que se estudarmos as coisas particulares de um fenómeno, conhecemo-lo melhor. Mas a complexidade prova que isso está totalmente errado. Ao isolar o indivíduo não compreendemos o conjunto. O futebol é um jogo coletivo. Um jogo coletivo é formado por ligações. Ligações. Não há nenhuma máquina que consiga avaliar isso”, garante o treinador português.