No fim de semana de 13 e 14 de outubro, no retomar de uma prática que deixou de existir durante uma fase da vida do clube, o Sporting disponibilizou alguns elementos do futebol profissional para entrevistas aos três jornais desportivos. Era o habitual, numa altura em que o Campeonato tem uma paragem para os compromissos das seleções, e voltou agora a ser. No domingo, Fredy Montero falou ao Record e Raphinha ao Jogo; na véspera, sábado, tinha sido José Peseiro a falar à Bola. Foi uma conversa de fundo, em tempo, páginas e assuntos. No final, ficava a sensação que o técnico tinha em Alvalade um projeto de futuro, o que causou alguma surpresa em alguns elementos da estrutura verde e branca. A realidade estava longe de ser assim.
O técnico foi anunciado a 1 de julho por Sousa Cintra, líder interino da SAD do Sporting, e tentou gerir dentro do possível um grupo em aberto até perto da competição. Mas houve dois momentos distintos nessa primeira etapa passada horas a fio entre a Academia e a SAD – numa primeira instância, o sentido de missão apresentado para ser aglutinador de todos os cacos que tinham ficado de algumas das páginas mais negras do clube mereceu rasgados elogios de todos; mais tarde, já com situações como a de Bruno Fernandes, Bas Dost ou Battaglia resolvidas, foram levantadas dúvidas pelas entropias no ataque ao mercado e tomadas de decisão para os reforços que faltavam. Frederico Varandas, tal como grande parte dos candidatos à presidência do clube, sabia disso mas nunca alterou uma vírgula no discurso: Peseiro era o seu treinador e interessava sobretudo garantir estabilidade para que o departamento de futebol profissional funcionasse da melhor forma possível dentro das condicionantes.
As exibições não eram as melhores mas os resultados ajudavam à consolidação do papel do sucessor de Jorge Jesus (que foi muito pressionado para regressar antes da vinda do ribatejano). Depois do triunfo com Moreirense e V. Setúbal, os leões empataram na Luz um jogo onde estiveram a ganhar até quatro minutos do final fruto de um enorme espírito de entreajuda e sacrifício para aguentar um Benfica em melhores condições e ganharam com um golo a acabar ao Feirense. Quatro jogos, dez pontos. Durante a paragem havia eleições mas a situação desportiva, naquilo que mais interessava, parecia estável mesmo sem o contributo de Bas Dost, o goleador das últimas duas temporadas que tinha contraído uma lesão muscular frente aos sadinos.
Com o triunfo de Frederico Varandas, que sempre colocou o futebol com foco principal do seu projeto (por ser a mola real do clube que sustenta as restantes áreas, departamentos e modalidades), Beto passou a team manager e Hugo Viana foi nomeado diretor das relações internacionais. Curiosamente, dois antigos jogadores de Peseiro na primeira passagem por Alvalade. As reuniões foram-se sucedendo – tal como as vitórias para a Taça da Liga e na Liga Europa – e surgiu a primeira derrota no Campeonato, em Braga, com (mais um) caso de indisciplina a envolver Nani quando foi substituído. Antes e depois de ser eleito, o antigo responsável pelo departamento clínico ouviu de pessoas próximas e apoiantes os pedidos para que trocasse de treinador. Varandas ouviu mas recusou medidas precipitadas ou “fáceis”. Quis perceber, no terreno, como estava a equipa.
Depois de uma vitória caída do céu nos descontos num dos jogos mais desastrados da temporada na Ucrânia, frente ao Vorslka Poltava, seguiu-se a deslocação a Portimão para defrontar o então último classificado do Campeonato. O Sporting perdeu frente a um Portimonense que foi muito melhor, voltou a sofrer quatro golos num jogo e afastou-se dos lugares cimeiros. Pela primeira vez, havia uma contestação aberta dos adeptos a Peseiro. E enquanto Sousa Cintra dizia que, “não sendo um drama”, deveriam ser retiradas “ilações para não voltar a acontecer”, José Maria Ricciardi, candidato derrotado no sufrágio de 8 de setembro, vinha a público criticar de forma aberta a capacidade de Frederico Varandas para liderar os destinos verde e brancos.
Poucos dias depois, o líder leonino deslocou-se com o vogal Miguel Nogueira Leite ao Convento São Francisco, em Coimbra, onde marcou presença na Cimeira de Presidentes da Liga. À chegada, perante os jornalistas, respondeu ao banqueiro. “Há muitas pessoas que estão habituadas ao Sporting ser um circo, um produto televisivo de chacota, mas esse tempo acabou. Será também uma tristeza para alguns mas o empréstimo obrigacionista é uma realidade e o refinanciamento será feito em novembro, como prometido. Será também uma tristeza para outros, mas o processo das rescisões também serão resolvidos, com base nos interesses do Sporting. Vou defender sempre o clube e isso, muitas vezes, significa estar calado”, disse. Frases que, pelo impacto, colocaram em segundo plano (de forma propositada) novo insucesso no futebol. “Perdemos porque fomos piores, não pela arbitragem ou pelo cansaço. Se queremos recuperar os quatro pontos para os líderes, temos de ser melhores”, destacou.
A hipótese de haver mexidas nesse interregno competitivo por causa das seleções foi recusado por várias pessoas do Sporting (de forma oficiosa) mas a análise à situação não era boa. Exibições à parte, havia outros motivos de alarme como a condição física da equipa, com um número mais elevado de problemas musculares em comparação com os últimos anos (e maior tempo até à total recuperação). O treinador tentava com o discurso aglutinar os adeptos, os adeptos vincavam cada vez mais a falta de empatia pelo treinador. Todos reconheciam que Peseiro tinha sido uma solução. Todos percebiam que Peseiro começava a chegar à linha onde se tornava um problema. E o jogo com o Loures, onde mais uma vez houve manifestações contra a equipa no final, confirmou a incompreensão pela entrevista a projetar um futuro que começava a ficar hipotecado em Alvalade.
“O Sporting é um clube ingovernável mas acredito que vou mudar isto”, diz Frederico Varandas
Dois dias depois de uma derrota caseira com o Arsenal em que o Sporting não teve uma oportunidade nem enquadrou um remate, Frederico Varandas deixou nas entrelinhas de uma entrevista ao Expresso a possibilidade de mudança. “Quero os melhores jogadores e o melhor treinador. Quero criar condições para este clube ser campeão, não de forma esporádica, mas consistente; não vou ter uma equipa com um grande guarda-redes, um grande ponta de lança, ganhar o título e perder tudo no ano seguinte porque o mercado os leva. Tenho de ter sempre recursos (…) Já contratámos para a época de 2019. Só dispenso jogadores ou treinadores quando tenho uma solução melhor em carteira. Pensar noutro técnico? É voltar atrás e ler o que eu disse sobre o que eu quero: os melhores jogadores e o melhor treinador. Se Peseiro convive bem com isso? Convive bem, ele é muito bem tratado no Sporting”, defendeu na análise à realidade do futebol leonino.
Peseiro, poucas horas depois, “defendeu-se” na conferência de imprensa de antevisão ao jogo com o Boavista. “Não vou comentar a entrevista do nosso presidente, o que sei e posso recordar é que fui convidado para vir para o Sporting, aceitei esse desafio com espírito de missão, muita responsabilidade e ambição, e contribuí para a reabilitação deste clube e de uma equipa. Sabemos o que sofremos até agora para cumprir com isso. Sabemos onde estamos, em todas as provas em condições de vencer. A estabilidade agora é maior, há vontade de fazer as coisas certas. Há uma grande capacidade de união, de trabalhar num clima que não foi muito simpático e muitas vezes adverso”, atirou, recordando o contexto em que aceitou voltou a Alvalade. Algo que nem o triunfo por 3-0 com uma das melhores e mais personalizadas exibições da temporada alterou, como se perceberia numa nova entrevista do presidente verde e branco ao podcast Perguntar não Ofende, de Daniel Oliveira.
“Defendo os interesses do Sporting e muitos dos que votaram em mim disseram-me ‘Frederico, agora é correr com o Peseiro’. Sei o que significa mudar o treinador a meio da época, os riscos e as vantagens que pode ter. No dia em que decidir mudar alguém, seja treinador, técnico de equipamentos ou médico, tenho de salvaguardar uma hipótese que me garanta melhor. José Peseiro é o treinador do Sporting, sabe o que é o futebol português e sabe que está dependente dele. Sabe que pode não ser o treinador para a época”, salientou Varandas, ainda antes de assumir a decisão de rescindir com o técnico. Traduzido por miúdos, as vantagens de trocar já eram maiores do que os riscos. No entanto, poucos acreditavam que isso acontecesse logo após a derrota frente ao Estoril, numa partida a contar para a Taça da Liga que quebrou uma série de dois anos e meio sem qualquer desaire nas competições nacionais em Alvalade. Muito menos da forma como aconteceu.
O presidente do Sporting já tinha confidenciado a algumas pessoas próximas que, quando encontrasse alguém que garantisse ter melhores condições do que Peseiro, faria a alteração necessária no tempo certo. A contestação após novo insucesso contra uma equipa que se encontra agora na Segunda Liga chegou ao seu ponto mais alto, com cânticos de “Já está na hora do Peseiro ir embora”, mas foram as palavras no final, considerando que a exibição não tinha sido assim tão má e que os leões dominaram e controlaram o adversário apesar do resultado, que levaram à repentina decisão de mudar. Em três dias, estava quebrada uma linha de quatro meses. Ainda assim, só dez horas depois houve essa comunicação “oficial” da rescisão.
Há muito tempo que contamos muito connosco. Estamos aqui na luta, a contar connosco. Quem quiser apoiar, que apoie; quem não quiser, está no seu direito. Os jogadores fizeram o melhor que puderam. Podem fazer melhor mas noutro contexto. Estamos unidos, aglutinados, a dar tudo pelo Sporting e é isso que interessa. Espero que os adeptos percebam e sintam isso e que nos apoiem”, referiu José Peseiro na flash interview depois da derrota para a Taça da Liga.
Numa informação avançada pelo Record e confirmada pelo Observador esta sexta-feira, a primeira conversa com o treinador surgiu após a conferência de imprensa no final do encontro com o Estoril, perto da meia noite. Hugo Viana, que estava com Beto, comunicou a Peseiro que tinha sido convocado para uma reunião na administração da SAD no dia seguinte às 11 horas. Por coincidir com a hora do treino (mais de recuperação, antes da folga de meio dia para depois começar a preparação para o jogo nos Açores com o Santa Clara), o técnico questionou o pedido e foi aí que ficou a saber que seria Tiago Fernandes, com a ajuda do preparador Ricardo Dionísio, a orientar essa sessão. Nuno Presume, adjunto, e Daniel Correia, treinador de guarda-redes, já tinham também sido informados. O regresso de Nelson Pereira à equipa técnica interina foi também levantado. Os jogadores só souberam depois. Entre eles, também alguns foram apanhados de surpresa.
José Peseiro despedido, Sporting procura novo treinador (que deve ser português)
Esta quinta-feira, Frederico Varandas teve uma curta explicação para a decisão e começaram a ser negociadas as condições de rescisão com José Peseiro. Desagradado com a forma como viu o seu lugar retirado, e por considerar que merecia mais por ter aceite o desafio de orientar o clube numa fase particularmente complicada, o técnico mostrou-se indisponível para baixar o valor a que tinha direito até final do contrato, que terminava em junho. Só depois da meia noite o acordo foi oficializado à CMVM, por um montante entre os 800 mil e um milhão de euros, ao contrário dos seus adjuntos que, segundo o Maisfutebol, foram esta sexta-feira à Academia por não terem ainda assinado a rescisão. Tiago Fernandes irá agora orientar a equipa diante do Santa Clara (pelo menos), estando ainda a ser negociado o nome que irá iniciar uma nova era no futebol verde e branco e que, antes de quarta-feira, deveria idealmente estar alinhavado antes da dispensa de Peseiro.
Leonardo Jardim, que já tinha sido contactado, declinou o convite. Jorge Jesus não deverá sair do Al-Hilal pelo menos até janeiro (e se não ficar mais tempo na Arábia Saudita). Rui Faria e Rui Jorge eram nomes interessantes mas também estão fora da corrida nesta fase. Assim, e caso a alternativa saia mesmo do mercado nacional, existem dois grandes candidatos: Paulo Sousa e Miguel Cardoso. Caso a opção volte a recair num treinador estrangeiro, algo que aconteceu apenas por uma vez – e com grande insucesso – desde Laszlo Bölöni (Vercauteren, em 2012/13), Karanka foi um dos nomes ventilados pela ligação ao empresário Jorge Mendes mas existem muitas outras opções apresentadas nos últimos dois dias, entre europeus e sul-americanos.
Miguel Cardoso falado, Karanka apontado, Jardim de fora: a corrida à sucessão de Peseiro no Sporting