Esta quinta-feira, ao fim de um dia em que se discutiu a proposta do grupo parlamentar do PS de redução da taxa do IVA das touradas para 6%, já eram conhecidas as divergências dentro da própria bancada. Faltava a reação de António Costa. O primeiro-ministro foi claro: “Fiquei muito surpreendido”. Agora espera que “a proposta que foi apresentada pelo governo seja aprovada e que haja redução da taxa do IVA para espetáculos de teatro, de dança, de música, mas que não haja efetivamente uma redução da taxa do IVA para os espetáculos tauromáquicos”, disse Costa antes de presidir à cerimónia de entrega do Prémio Bartolomeu de Gusmão, para distinguir inovação científica, em Lisboa.

Mais claro ainda? “Lamento”, “é errada essa proposta”, “obviamente, se fosse deputado do PS votaria contra, “há uma divergência, espero que a posição política do governo seja vencedora.” Foi desta forma que o primeiro-ministro manifestou o desagrado para com a iniciativa do seu próprio grupo parlamentar. Perante isto, Costa admitiu mesmo impôr a disciplina de voto para garantir que a proposta do governo – que não inclui as touradas no tipo de espetáculos com IVA a 6% –  é votada favoravelmente. Até porque esta é matéria orçamental, onde os estatutos do PS prevêem essa possibilidade: “Respeito opiniões individuais dos membros do grupo parlamentar do PS e de qualquer militante do Partido Socialista, mas efetivamente matéria de Orçamento do Estado e de política fiscal não é matéria de consciência, é onde o partido deve ter uma posição fixada. Veremos o que irá acontecer”, disse António Costa.

O também secretário-geral do PS quis esclarecer que o que está em causa não é uma proibição das touradas: “O que nós estamos aqui a discutir não é sequer uma matéria de opções relativamente à atividade cultural, é política fiscal e saber em que áreas damos benefícios fiscais.”

Questionado sobre se esta era uma questão de irresponsabilidade por parte dos deputados do PS, o primeiro-ministro rejeitou a ideia, classificando-a como um exercício de liberdade: “O grupo parlamentar do PS é naturalmente autónomo, tem a sua liberdade e autodeterminação, mas é manifesto que há uma divergência entre o grupo parlamentar do PS e o governo.”

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O tema continua a dividir os socialistas, sobretudo depois das declarações da recém-nomeada ministra da Cultura, Graça Fonseca, que na altura da apresentação setorial do Orçamento do Estado disse que, por uma questão de “civilização”, não iria contemplar as touradas com a redução do IVA para 6%. Várias foram as figuras do PS que se insurgiram contra essa visão da Cultura. O histórico socialista Manuel Alegre foi o rosto da discordância com o Governo, tendo até escrito uma carta aberta ao primeiro-ministro, que teve direito a resposta. Mas também houve deputados que se manifestaram logo contra a posição do Governo, como Luís Testa, que lembrou o gosto de escritores e históricos socialistas por touradas, ou Sérgio Sousa Pinto, que usou da ironia para dizer que, “por uma questão de civilização”, não iria comentar o caso.

Afinal, eram mais os socialistas que discordavam da ministra — e de António Costa — do que os que concordavam. Esta quinta-feira, na véspera de terminar o prazo para os partidos apresentarem propostas de alteração ao Orçamento do Estado, o líder parlamentar do PS propôs uma alteração cirúrgica à medida do IVA dos espetáculos, propondo precisamente a descida do IVA para a taxa mínima nos espetáculos de tauromaquia. Carlos César, contudo, sublinhou que, “tratando-se de matéria cuja implicação orçamental é quase residual”, os deputados do PS vão ter liberdade de voto quando a proposta de alteração for chamada a plenário para a votação ser ratificada.

Em todo o caso, o avanço do PS em sentido contrário à visão do Governo foi imediatamente visto como uma desautorização da bancada do PS à própria ministra da Cultura. O CDS não perdeu tempo e foi o primeiro a ir aos microfones pedir “consequências políticas” a António Costa.

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Quem é a favor e quem é contra

Durante o dia de quinta-feira, os socialistas que concordam com António Costa e Graça Fonseca vieram também dizer que estão contra a proposta da sua própria bancada, mostrando um mosaico dividido.

De acordo com a agência Lusa, o documento da proposta de alteração que prevê a descida do IVA nas touradas foi assinado por nomes como Carlos César, Helena Roseta, Maria da Luz Rosinha, Jorge Lacão, Ascenso Simões, Sérgio Sousa Pinto, Idália Serrão, João Paulo Correia, Luís Testa, Pedro Carmo ou Miranda Calha.

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Pelo contrário, nomes como o da secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, não constam dessa subscrição, o que pode evidenciar que, ao contrário do líder parlamentar e presidente do partido, Carlos César, a número dois de Costa no PS concorda com o Governo nesta questão e não quer ver as touradas com o IVA na taxa mínima. O Observador tentou contactar Ana Catarina Mendes, mas sem sucesso.

Já o deputado Pedro Delgado Alves confirma ao Observador que vai mesmo votar contra esta baixa do IVA (e, logo, a favor da posição do Governo). É um voto que não surpreende. Foi um dos deputados que em julho votou a favor de um projeto do PAN para abolir as touradas. Já este mês, em declarações o Expresso,  saiu em defesa da ministra da Cultura: “Quem se refere com coragem sobre questões com relevo político deve ser elogiado. Tenho a certeza de que não quis insultar ninguém. Tal como ela, nada me move contra as pessoas que são aficionadas, não consigo é arranjar argumentos para considerar civilizado infligir sofrimento a um ser vivo, por mais enraizada e antiga que seja a prática”.

Também o deputado independente Paulo Trigo Pereira diz ao Observador que vai votar contra. Em julho, Trigo Pereira absteve-se na votação do projeto do PAN e, juntamente com Alexandre Quintanilha, apresentou uma declaração de voto onde se dizia “contra todo o tipo de touradas que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte dos touros (como, por exemplo, sucede relativamente aos touros de morte ou à sorte de varas)”. A abstenção devia-se ao facto de ambos os deputados nada terem contra “outros tipos de tourada em que isso não suceda.”

Na lista de votos contra acrescenta-se ainda o do ex-secretário de Estado Rocha Andrade que confirma no Facebook não fazer parte da maioria de deputados do PS que subscreveu a proposta.

https://www.facebook.com/fernando.rochaandrade/posts/2317489504960131

Este post serve mesmo de inspiração ao deputado Filipe Neto Brandão, que o cita também no Facebook, para dizer que “não existe razão atendível para o favorecimento fiscal das touradas”, e confirmar que vota contra, “sem quaisquer dramas. Mas com convicção.”

Bem mais sintética, Isabel Moreira, numa curta declaração partilhada nas redes sociais, declara simplesmente “Votarei contra. Adiante.”

https://www.facebook.com/isabel.moreira.9803/posts/10156883130612430

Também o deputado Francisco Rocha, presidente da Distrital do PS de Vila Real, escreve que não considera “justificável este favorecimento fiscal da tauromaquia” e anuncia o voto contra.

A verdade é que vários foram os deputados que, logo a seguir à reunião da bancada do PS onde foi anunciada a proposta, foram para as redes sociais deixar claro que iriam votar contra a medida. Foi o caso de Tiago Barbosa Ribeiro, eleito pelo Porto, que escreveu “Não estou de acordo e votarei contra”, ou do deputado Hugo Carvalho, também do Porto, que usou a mesma via para dizer: “Erradamente o PS avança com uma proposta para a redução do IVA das touradas. Evidentemente votarei contra com a convicção que são muitos os socialistas que isso esperam”.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10218589705078043&set=a.2838407923531&type=3&theater

O Observador também confirmou que a esta lista se juntam os deputados Carla Tavares, Rosa Maria Albernaz, Ana Passos, Luís GraçaIvan Gonçalves, o ainda líder da JS, que também escreveu no Facebook, aquando da polémica levantada com as declarações da ministra da Cultura, que “não faz nenhum sentido que as touradas estejam isentas de IVA, pelo que esteve bem o Governo ao dar este passo e vai bem a Ministra ao diferenciar a tauromaquia de outras manifestações culturais. Porque é esse o caminho da civilidade”.

CDS quer Costa a “tirar consequências políticas”

Assim que foi conhecido o avanço do PS em sentido contrário ao do Governo, o CDS fez saber que queria saber que “consequências políticas” tira o primeiro-ministro daquilo que diz ser “uma desautorização” da bancada parlamentar socialista à ministra da Cultura.

O deputado João Almeida deu uma conferência de imprensa no Parlamento pouco depois de Carlos César ter anunciado a proposta de redução do IVA das touradas e acusou os socialistas de terem “arranjado uma trapalhada” que se pode “resolver” se o PS aprovar outra proposta que entrou primeiro sobre a mesma matéria, referindo-se à proposta do CDS.

Os democratas-cristãos já entregaram uma proposta de alteração ao Orçamento que defende a redução do IVA para a taxa mínima de todos os espetáculos culturais, abrangendo festivais de música, cinema e touradas (que na proposta do Governo ficam fora). A proposta socialista, por sua vez, diz apenas respeito às touradas, coisa que João Almeida diz ser uma “estratégia em que o PS faz parecer que está com todas as posições”.

“Ou esta proposta significa uma desautorização da ministra da Cultura — e aí o PS tem de falar sobre essa desautorização e saber que consequências tira da mesma — ou é mais uma manobra do primeiro-ministro, que um dia vai à corrida de toiros do Campo Pequeno e no dia seguinte diz que o choca ver essa corrida de toiros no serviço público de televisão”, atirou João Almeida.

Notícia atualizada às 17h08 de quinta-feira com a confirmação dos votos contra de mais deputados do PS