Quase todas as mulheres já ouviram o velhinho mantra de que para se ser bela tem de se sofrer. E fazemos escolhas de beleza com base na noção errada de que nada se consegue sem sofrimento. São os sapatos que magoam os pés mas estão na moda, as dietas drásticas, os detox, as camadas e camadas de maquilhagem que deixam a pele irritada mas pronta para uma selfie. “Mon Dieu!”, é o que Mathilde Thomas, fundadora, da marca de cosmética Caudalie, tem a dizer sobre isto. “Porque a noção francesa de beleza é exatamente o oposto. Nós acreditamos que a beleza é algo que nos deve dar prazer. Esta é a característica mais marcante da abordagem francesa às soluções de beleza”, explica.
E esta é também a abordagem do seu livro Segredos de Beleza das Francesas, onde Mathilde procura passar um pouco da atitude francesa face à vida, com base nas suas experiências nos últimos 20 anos a trabalhar e a conhecer o que as mulheres procuram. Na sua passagem por Lisboa para o lançamento do livro em português, o Observador conversou com a autora sobre o envelhecimento, a obsessão pela juventude e o que as portuguesas têm a aprender com a art de vivre das francesas.
Que noção de beleza francesa é esta que está na base deste livro?
É um je ne sais quoi que toda a gente quer saber… Penso que as mulheres francesas estão rodeadas de beleza, especialmente as que vivem na cidade de Paris. E elas sabem exatamente aquilo que são, conhecem os seus pontos fortes e as suas fraquezas, mas isso não as incomoda. Sabem perfeitamente como se vestir, têm o seu estilo pessoal, não sentem necessidade de copiar ninguém e isto também foi algo que só me apercebi depois de voltar de sete anos a viver no exterior. Uma mulher francesa sabe que tem de cuidar da sua pele, sabe que menos é mais e nunca se vê uma francesa com demasiada maquilhagem. Olhos pretos e lábios vermelhos? Nunca. É sempre uma coisa ou outra. Então, acho que é isto. As mulheres francesas têm um bom senso de equilíbrio e proporção em tudo na vida. E conhecem-se a si próprias muito, muito bem e abraçam todas as suas peculiaridades. Quer seja um espaço entre os dentes como a Vanessa Paradis, ou um nariz grande como a Caroline De Maigret. Elas vão abraçar estas peculiaridades e tirar o melhor partido disso ao invés de as tentar mudar.
“A perfeição é chata. Nós, francesas, não nos levamos muito a sério, e aconselho-a a fazer o mesmo! É muito mais fácil aceitarmos as nossas peculiaridades quando nos sentimos confortáveis na nossa pele. Os franceses aceitam e ostentam mais facilmente uma beleza peculiar e não se interrogam porque foi realçada. Tem um nariz que é um pouco comprido, orelhas de abano, sobrancelhas um pouco tortas ou lábios com um formato diferente? O que é que isso interessa? É tudo fabuloso. Veja a Brigitte Bardot. Ela era linda de morrer e tinha os dentes proeminentes mais giros que deixavam os homens loucos com desejo de a beijar. Os americanos olharam para ela e disseram: “Oh, sim, ela é espetacular, que figura fantástica naquele biquíni branco mas viste aqueles dentes? Que horror! Porque é que ela não os arranjou?” (Segredos de Beleza das Francesas, pág. 26)
Mas vivemos num tempo em que as mulheres procuram cada vez mais intervenções imediatas e resultados rápidos. O que é que podemos aprender com esta abordagem francesa que foca mais a prevenção e a aceitação?
Acho que as mulheres podem e devem fazer as duas coisas. As intervenções rápidas e a gratificação imediata também são importantes mas não vão funcionar a longo prazo. Assim, as mulheres devem cuidar da sua pele todos os dias, limpá-la todas as manhãs e noites porque, infelizmente, vivemos em cidades cada vez mais poluídas. E temos de nos proteger dos raios UV e dos radicais livres porque estão em todo o lado. E com o aquecimento global, tudo isto está a ficar cada vez pior e os danos para a pele são enormes.
Porque quer a indústria da beleza promover a juventude a todo o custo? Porque nos fazem acreditar que só a juventude é sinónimo de beleza?
Compreendo a questão e acho que é preciso referir que as coisas estão a mudar. Na Ásia, por exemplo, todas as modelos têm dezassete ou vinte anos. Uma rapariga com mais de vinte anos já é velha para a indústria. Tive uma modelo que tinha trinta e cinto anos e nunca a poderia ter usado em campanhas na Ásia porque lá, sim, tudo gira à volta da juventude [Mathilde e a família passaram os últimos anos a viver em Nova Iorque e depois em Hong Kong para expandir a marca na América e na Ásia]. Eles não compreendem porque é que o presidente francês tem uma mulher que é vinte e cinco anos mais velha [Brigitte Macron tem 65 anos, Emmanuel Macron tem 40]. Quando se tem poder, pode-se ter uma mulher mais nova. É isso que eles dizem. Mas não sinto isso a acontecer aqui na Europa. E já vejo muitas marcas a usar mulheres mais velhas na publicidade. A L’Oréal usou a Jane Fonda. A indústria é muita mais ditadora na Ásia que na Europa e, felizmente, as coisas estão mesmo a mudar.
“Quando vivia em Nova Iorque tinha sempre um choque quando regressava a França e via as minhas amigas de longa data. Elas têm a minha idade e ainda são muito bonitas — e têm as rugas naturais numa mulher na casa dos quarenta. Isso também se vê ainda em Portugal, mas é cada vez mais raro, por exemplo, em Nova Iorque, onde as mulheres de uma certa idade têm os rostos preenchidos de forma artificial num esforço para eliminar as qualquer ruga ou imperfeição que possam revelar a sua idade. Assim que tiramos rugas de uma área, elas vão aparecer noutra. A única coisa que realmente funciona é protegermo-nos do sol, mantermos a pele hidratada e seguirmos as dicas deste livro. E é muito mais fácil do que preocuparmo-nos com cada ruga que aparece de um dia para o outro.” (Segredos de Beleza das Francesas, pág. 30)
Foi por isso que quis escrever um livro sobre envelhecer de forma saudável ao invés de vender o conceito da pele jovem?
Claro. Porque esta é uma batalha que ninguém vai ganhar. Nem com os melhores cremes do mundo. Eu acredito que temos uma das mais poderosas investigações sobre juventude com a Harvard Medical School [pode ler mais sobre a investigação que a Fundação Caudalie ajudou a financiar sobre a habilidade das células para reparar o ADN aqui], temos uma das melhores marcas de cuidados de pele mas… o relógio não para. Podemos reduzir as rugas, podemos ter uma pele mais firme e hidratada mas vamos envelhecer. Nenhuma mulher vai parecer que tem vinte anos quando tiver cinquenta. Nunca. O melhor que podemos fazer é abraçar a nossa idade com graça e estilo. Acho que a certa altura da vida temos de acreditar que a beleza também vem do interior. Isto para dizer que ter uma vida equilibrada, alimentarmo-nos bem, fazer coisas que nos façam felizes, ter os nossos amigos e família perto… se uma pessoa for feliz e viver uma vida preenchida, isso vai refletir-se na sua pele.
Somos o que comemos? Como é que podemos comer para ter uma pele saudável?
Devemos ficar bem longe do açúcar. Só isto já ajuda. Mas claro, evitar alimentos processados, ter uma dieta mediterrânica com muitos legumes, frutas, nozes, comer pouca carne vermelha… E vinho tinto. Um copo ou dois de vinho ao jantar também ajuda.
“As dietas não funcionam. O capítulo 2 diz-lhe como comer como uma francesa (…) e as dietas dão cabo não só do seu metabolismo, mas também da sua pele. Quem quer passar fome e ter ao mesmo tempo uma tez cinzenta e macilenta? Pas moi! Comer regularmente comida boa, verdadeira (…) e certificar-se de que ingere os nutrientes certos, é uma das chaves para ficar bonita de dentro para fora (…) e nas partes II e V deste livro vai descobrir muito mais sobre o poder dos polifenóis e outros compostos ricos em nutrientes presentes no vinho tinto, mas posso já dizer-lhe que um copo de vinho tinto bebido com calma ao jantar melhora não só a sua refeição, mas também a sua saúde.” (“Segredos de Beleza das Francesas”, pág. 23 e 24)
Porque uma mulher com uma poderosa marca de beleza escreve um livro cheio de segredos e dicas de fazer em casa?
Tem piada… Bom, se uma pessoa se quiser divertir ao fim de semana e usar os ingredientes que tem no frigorífico, por que não? Existem muitos destes ingredientes nos meus produtos. Claro que nada disto vai ser uma cura a longo prazo mas uma mulher pode ter uma pele brilhante por fazer uma máscara de mel e limão em casa. E esta gratificação instantânea com os ingredientes que temos na nossa cozinha também é bom para a pele e para a mente.
Então não temos de sofrer para ser bonitas?
Mon Dieu! Não. Fiquei chocada quando fui viver para Nova Iorque porque vi a forma como as mulheres querem sofrer. É muito estranho. Vão querer fazer dietas malucas e depois comer como loucas. Na Europa somos muito mais equilibradas. Na mente das francesas, por exemplo, não faz sentido comer porcarias o dia todo e depois ficar três dias sem comer nada para se limparem. Não somos extremistas, não vamos fazer dietas ioiô como as americanas. E com a pele é igual. As americanas usam ácido glicólico a 20% para clarear a pele e usam quantidades absurdas porque acreditam que isso lhes vai rejuvenescer mas, na verdade, apenas deixa a sua pele vermelha. Para elas, mais é mais. Mas não. Na beleza, menos é sempre mais.
“Muitas mulheres pensam que para se manterem o mais jovens possível têm de viver em permanente dieta de fome, arrepiando-se ao menor pensamento de uma fatia de pão com manteiga. Acham que têm de treinar como demónios, engolir vinte e seis suplementos diferentes todas as manhãs, barrar-se com cremes caríssimos de manhã e à noite, gastando milhares em laser, injeções de preenchimentos e outros tratamentos dolorosos. Acredite em mim — isso não é o que as francesas fazem! Quando me dizem que as francesas fazem tudo “parecer tão fácil”, explico que isso é porque, para nós, é fácil: mas apenas porque simplificamos a nossa rotina de beleza e sabemos que menos é mais.” (Segredos de Beleza das Francesas, pág. 23)
O que podem as portuguesas aprender com as francesas?
Até acho que as mulheres portuguesas já fazem muitas coisas bem. Neste livro vão poder aprender a reconhecer o seu tipo de pele, a ter uma boa alimentação, quais são os bons ingredientes… mas não sei se vos posso ensinar muito. Não como às chinesas ou às americanas. Talvez possa dizer às portuguesas para esquecerem a ideia de que o bronze é beleza. O bronze é mau. Muito mau. Mas há outra coisa: reparei que aqui em Portugal não existem aquelas app que permitem ler os rótulos dos produtos de beleza [como a famosa app Think Dirty]. As portuguesas acreditam muito nas marcas e não pesquisam por elas próprias o que realmente está no interior dos produtos que usam. E há muitas marcas que listam em primeiro lugar os piores ingredientes, como o óleo mineral, mas têm um preço equivalente a produtos de luxo e as mulheres acreditam que são boas só pelo preço. As portuguesas deviam ler bem aquilo que andam a por na pele. Tomara que as gerações mais novas criem este tipo de app onde nenhuma mulher portuguesa vai precisar de usar uma lupa para ler os ingredientes nem de usar o dicionário para os entender. E claro, bem, acho que nem é preciso dizer: usar mais protetor solar.
Então, para uma boa rotina de beleza, quais são os produtos que devemos ter?
Um bom óleo de limpeza em primeiro lugar. Não um óleo mineral, mas um óleo à base de plantas. Depois, um hidratante bem apetrechado de antioxidantes e, claro, um bom protetor solar. A partir de certa idade, vamos precisar de um creme de contorno de olhos e de um sérum. E é isto. Podemos também ter uma máscara para fazer uma ou duas vezes por semana mas já chega. Se é para investir dinheiro que seja nestes cinco ou seis produtos.
Se menos é mais, o que pensa sobre as tendências de consumo das redes sociais que fazem as mulheres acreditar que precisam de mais e mais produtos para serem bonitas?
Acho que nenhuma mulher deveria perder muito tempo a cuidar da pele. Até porque não precisa. A vida é demasiado boa. Comprem os produtos certos e percam apenas três minutos na casa de banho de manha e à noite.
Se pudesse mudar alguma coisa na indústria da beleza, o que seria?
Fico chocada por ver marcas que incentivam ao consumo de tantos produtos. Fico chocada por ver que ainda há tantos produtos com parabenos, óleo mineral e tantos outros conservantes quando, hoje, já temos soluções para os remover. As marcas já os fazem mas ainda está tudo muito lento e eu mudaria isto. Fico também chocada com a quantidade de embalagens usadas. E este não é o caminho por onde temos de ir. Felizmente, os millennials estão a impor novas regras e as marcas vão ter de mudar para se adaptar às próximas gerações de consumidores. Acredito que esta indústria vai começar a limpar as suas fórmulas, a ter embalagens que são cada vez mais recicláveis, a usar menos plástico, menos papel, a contribuir mais para o ambiente também…