Quando Jordan Peterson deu uma longa entrevista ao Observador na quinta-feira de manhã, garantiu que ainda não tinha pensado sobre o que é que iria falar na palestra que tinha sido convidado a dar na Nova SBE, em Carcavelos, ao final dessa tarde. Acabou por falar durante hora e meia, ao improviso, mas com um fio condutor que começou com metodologias psicométricas e caminhou até à mitologia egípcia — terminando com um aviso de que os “totalitarismos só se instalam porque, como Osíris, por vezes preferimos ser cegos por vontade própria”. No final, respondendo a algumas questões do público, o “fenómeno” de popularidade canadiano ainda teve tempo de falar sobre a inovação tecnológica e de pedir “sensatez” nos progressos com a robótica e a inteligência artificial (IA).
“Não está ao alcance de ninguém poder prever o que vai acontecer nos próximos 40 anos, porque o ritmo de progresso tecnológico é tão insano que, de certo modo, “all bets are off”, isto é, vivemos uma época de completa incógnita sobre aonde o progresso tecnológico vai levar a Humanidade.
O que podem as “mãos erradas” fazer com a Inteligência Artificial?
O professor da Universidade de Toronto, que acumulou uma “legião” de fãs mundial que o tornou “o pensador atual mais influente do Ocidente” (segundo o The New York Times), comentou que graças às suas colaborações com empresas em Silicon Valley tem tido um contacto mais direto com o que de mais inovador se está a fazer. “Há pessoas com quem falo lá [no hub tecnológico californiano] que me dizem que nos próximos cinco anos já será possível criar uma máquina de Inteligência Artificial com maior poder computacional do que o cérebro humano”, afirmou Jordan Peterson.
“Claro que, para dizer isso, estamos a assumir que eles estão a calcular corretamente a capacidade do cérebro humano — não sabemos se é assim, é possível que não compreendamos nada sobre como o cérebro humano funciona”, ressalvou.
Recomendando à audiência que fosse pesquisar, na Internet, os vídeos dos robôs da Boston Dynamics, Jordan Peterson comentou que “há uma coisa sobre a qual muita gente não pensa frequentemente”: “os robôs estão a aprender a aprender por si próprios cada vez melhor. E se temos um pequeno robô industrial que aprende um pouco todos os dias, se houver 20 milhões de robôs iguais, sempre que cada robô aprende uma coisa nova isso significa que 20 milhões de robôs vão aprender essa coisa. A certa altura, a taxa de aprendizagem torna-se algo que nem é possível nós compreendermos”.
O robô “Atlas”, da Boston Dynamics, já sabe fazer Parkour (com obstáculos)
Isso aplica-se a robôs industriais ou a outro tipo qualquer de robô — incluindo os carros autónomos (“que não são carros, são robôs — pensar que um carro autónomo é um carro é como pensar que um carro é uma carruagem de cavalos sem cavalos”).
A partir dos contactos na Tesla, Jordan Peterson comentou que a expectativa da fabricante norte-americana é que a partilha de informação entre os carros seja de tal forma rápida que se um carro sente um buraco na estrada o carro que vem alguns metros atrás vai ajustar, numa fração de segundo, a suspensão ao ponto de os passageiros desse segundo carro já não sentirem qualquer solavanco.
Este é um exemplo de quão inacreditavelmente rápido é o progresso nestas tecnologias”, afirmou Jordan Peterson.
E o que é que os humanos vão fazer em relação a isto? Jordan Peterson limita-se a dizer que tem “esperança” de que a Humanidade — ou, melhor, que “cada indivíduo humano” — seja suficiente “esperto”, “cauteloso” e “ético” para que à medida que “os robôs ganhem capacidade para nos imitar, que nos imitem de forma a que não nos destruam”.
Não será por acidente que a IA pode correr mal, porque “quem trabalha nestas áreas sabe perfeitamente os riscos tremendos associados ao que está a fazer”. Peterson pede que estes avanços sejam “geridos com um certo grau de sensatez. É bom que sim”.
Jordan Peterson defendeu, no entanto, que a inovação tecnológica está a promover alterações muito positivas em aspetos como a luta contra a pobreza, contra as epidemias, até na área ambiental. Portanto, “se abandonarmos o nosso pessimismo pós-Guerra crónico, temos uma grande oportunidade de tornar o mundo um lugar muito melhor”. “Vai depender de cada um de vocês e das decisões que tomarem, portanto tomem boas decisões”, atirou Jordan Peterson, dirigindo-se à plateia maioritariamente composta por jovens.
O evento foi transmitido através de Facebook Live, em tempo real, na noite de quinta-feira — uma noite amena que até permitiu abrir, por momentos, o telhado retráctil do átrio da universidade.
Mais de 900 pessoas assistiram ao evento, que serviu para lançar a edição portuguesa do seu bestseller mundial “12 regras para a vida”, pela Lua de Papel/Leya. As inscrições — gratuitas mas limitadas — esgotaram em poucas horas e isso levou a mudanças sucessivas do local onde a palestra iria acontecer, optando-se, no final, pelo próprio átrio principal da Nova SBE. “Se tivéssemos o dobro do espaço teríamos tido lotação esgotada na mesma”, sublinhou um dos organizadores.
As 12 regras para uma vida sem caos, receitadas pelo “fenómeno” Jordan Peterson