Desde o dia 5 de novembro que o porto de Setúbal está praticamente parado. Os estivadores estão lá, mas à porta, em protesto. Um grupo de estivadores em situação precária está em greve e não trabalha enquanto não chegar a um acordo com a empresa de trabalho temporário dos dois terminais que estão paralisados. A situação já afetou várias empresas, que não conseguem escoar a sua produção. Uma delas é a Autoeuropa que, entretanto, teve de arranjar uma alternativa para minimizar os atrasos na entrega dos automóveis. Pelo meio, o Governo mantém contactos com as empresas e recomenda a resolução dos problemas. Mas, afinal, o que se passa com os estivadores? E o que está a acontecer à Autoeuropa?
Estivadores de Setúbal: 93 trabalhadores em situação precária, diz sindicato
De acordo com os sindicatos da estiva, atualmente, mais de 90 trabalhadores do porto de Setúbal estão em situação precária, sendo contratados ao turno e sem vínculo com os operadores portuários. Alguns estão nesta situação, diz o sindicato, há mais de 20 anos.
No dia 27 de outubro, a Operestiva, Empresa de Trabalho Portuário de Setúbal, e a Yilport Setúbal (Sadoport) tentaram resolver parte do problema e impedir, assim, uma greve, ao oferecer um contrato de trabalho individual sem termo a 30 dos 93 trabalhadores em causa. Mas houve um problema: apenas dois aceitaram as condições propostas, tendo a maioria reivindicado um contrato coletivo negociado entre o Sindicato dos Estivadores e os operadores portuários.
Em protesto contra a situação precária — e tendo em conta que os operadores portuários em causa têm apenas cerca de 10% de trabalhadores efetivos–, os trabalhadores organizaram uma greve e dizem que só vão regressar ao trabalho quando os patrões analisarem os contratos assinados. Até lá, mantêm-se à porta em protesto. A Associação dos Agentes de Navegação de Portugal chegou a acusar os estivadores de não ter existido qualquer pré-aviso de greve. Em resposta, os trabalhadores afirmaram que como são precários, não têm direitos, logo também não têm o dever de avisar atempadamente a entidade patronal.
Entretanto, à TSF, o gerente da Operastiva afirmou esta quarta-feira que se trata de uma questão de sustentabilidade financeira e que a empresa só tem condições para celebrar contratos sem termo com 30 trabalhadores. “Por não termos ainda em concreto a dimensão dos prejuízos que esta situação está a causar ao porto, não podemos avançar com um número superior”, explicou Diogo Marecos, deixando ainda um recado: “Há estivadores que querem ser contratados, mas que estão a ser muito pressionados [pelo sindicato] para não o fazer”.
A empresa, acrescentou Diogo Marecos, está disposta a negociar mas, para isso, exige que a paralisação dos estivadores termine. “Aquilo que pedimos é que seja cancelada a greve de forma imediata (…) para que as partes possam negociar o mais livres possíveis, procurem soluções ponderadas e que resolvam permanentemente problemas”, explicou Diogo Marecos à TSF. “É um ato de boa-fé”.
Ao mesmo tempo que esta greve acontece no porto de Setúbal, há outra paralisação em simultâneo que afeta os portos nacionais desde julho: uma greve ao trabalho extraordinário. “Temos uma greve ao trabalho extraordinário a abranger oito portos nacionais. É uma greve em solidariedade com os estivadores que estão a ser discriminados. Porque não aceitamos que um estivador em Leixões, só porque pertence a este sindicato, ganhe apenas 700 euros, quando um estivador em Lisboa, pelo mesmo trabalho, receba 2200 euros. Estamos a falar de um problema global. Não estamos a falar apenas no porto de Setúbal”, disse António Mariano, presidente do Sindicato de Estivadores e da Atividade Logística (SEAL), ao jornal Público.
Como é que a paralisação dos estivadores afeta a Autoeuropa?
Sem estivadores suficientes a trabalhar, os produtos não escoam e a Volkswagen Autoeuropa, tal como várias empresas, não consegue armazenar toda a produção que está à espera de ser enviada para o estrangeiro. No dia 15 de novembro, a Autoeuropa anunciou que a entrega de mais de oito mil veículos produzidos na fábrica de Palmela estava atrasada e que era necessário recorrer a portos alternativos a Setúbal. A solução temporária passaria pelo envio de centenas de veículos através do porto de Leixões e dos portos de Vigo e Santander, em Espanha. No entanto, isto não resolve o problema da empresa. Caso a greve continue, a Autoeuropa admite mesmo que a produção possa ter de parar, uma vez que não terá capacidade para armazenar mais automóveis.
Autoeuropa tem entrega de 8 mil carros atrasada e recorre a portos alternativos a Setúbal
Esta quarta-feira, o jornal Público noticiou que a empresa iria tentar carregar um “navio fantasma” no terminal Ro-Ro do porto de Setúbal para conseguir escoar a produção. Chama-se “navio fantasma” porque se trata de um navio que não faz parte do sistema habitual em vigor na Administração dos Portos de Setúbal e de Sesimbra (APSS), a Janela Única Portuária (JUP). A chegada deste navio — o Paglia — está prevista para as 6h00 desta quinta-feira e poderá carregar cerca de 2.000 automóveis que estão retidos no terminal desde o dia 5 de novembro.
Entretanto, em comunicado, a Autoeuropa esclareceu que “o navio que dará entrada amanhã [quinta-feira] no porto de Setúbal faz parte das escalas regulares de transporte de veículos para o porto de Emden, na Alemanha, não se tratando de qualquer ação especial”. A empresa acrescentou também que o planeamento do navio “teve por base a garantia de uma solução para o embarque de veículos dada pelo governo e pelo operador logístico”.
Como referido anteriormente, para a Volkswagen Autoeuropa a única alternativa a Setúbal é Setúbal. Outras soluções encontradas não garantem o escoamento da totalidade da produção diária”, referiu ainda a Autoeuropa em comunicado.
A Volkswagen Autoeuropa disse ainda que “lamenta que desde meados de agosto, aquando da marcação da greve às horas extraordinárias, os intervenientes neste processo não tenham sido capazes de encontrar uma solução para a precariedade no porto de Setúbal”.
Ana Paula Vitorino exige solução para o conflito laboral
Com a greve dos estivadores e as dificuldades nas empresas, também o Governo já falou sobre a situação. Na sexta-feira passada, o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, disse que o sistema portuário nacional estava a “responder às necessidades das empresas” e assegurou que o Governo estava “em contacto com a empresa [Autoeuropa] no sentido de assegurar que as necessidades de escoamento da produção continuam a ser satisfeitas”.
Governo em contacto com Autoeuropa para escoar produção devido a greve dos estivadores
Entretanto, esta quarta-feira, Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, escreveu uma carta dirigida à Administração dos Portos de Setúbal e de Sesimbra, (APSS), ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e à Comunidade Portuária de Setúbal, onde recomenda que “sejam introduzidas alterações na estrutura das relações de trabalho existentes no Porto de Setúbal”, tendo em vista”a redução da precariedade” e a “sustentabilidade económica das empresas”.
Nesse sentido, considero desejável a redução do número de trabalhadores precários atualmente existentes nas empresas que operam no Porto de Setúbal, o que só será possível com recurso à negociação e ao fim de todas as situações que impliquem a paragem da atividade, seja no período normal de trabalho ou no recurso ao trabalho suplementar”, acrescenta o documento enviado por Ana Paula Vitorino.
“Um dos requisitos fundamentais a que o IMT deve estar atento é o da capacidade técnica comprovada para a gestão de trabalhadores portuários, essencial para assegurar o bom funcionamento do porto onde opera”, referiu Ana Paula Vitorino, salientando ainda que “deverá ser assegurado que o número de trabalhadores efetivos é o adequado, garantindo que as empresas de trabalho portuário, mantendo a sua sustentabilidade económico-financeira, disponham de uma estrutura de recursos humanos estável”.
Ministra do Mar exige solução para o conflito laboral do Porto de Setúbal
A própria Autoeuropa garantiu, em comunicado, que tem “encetado diversos contactos com o governo e com o operador logístico responsável pela operação no porto de Setúbal de forma a encontrar uma solução que passe pelo diálogo como via de resolução para o conflito”.